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2772 I SÉRIE - NÚMERO 87

Isto é, Srs. Deputados, tem-se agravado todos os dias o desequilíbrio entre os menos de 10 % de caçadores inscritos nas reservas e os mais de 90 % de caçadores do regime geral, muitos sem lugar para caçar. Portanto, têm-se agravado todos os dias as situações de injustiça social que estão na origem dos problemas de que todos nós temos tido conhecimento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Nesta oportunidade importa relembrar claramente, e para que não restem dúvidas, a posição do PCP sobre esta matéria. Somos favoráveis à necessidade da criação de condições institucionais e orgânicas que permitam disciplinar a prática da caça e promover a preservação, fomento e reprodução dos recursos cinegéticos, mas não aceitamos que esse objectivo necessário seja feito à custa da possibilidade do exercício da caça para mais de 90 % dos mais de 250 000 caçadores existentes no País. Isto é, a solução do problema não está em serem dadas possibilidades de prática de uma actividade com larga expansão entre todos os grupos sociais do País a uma parte muito limitada dos devotos de Santo Humberto, excluindo, assim, o grosso dos praticantes, nos quais se incluem os próprios pequenos proprietários de terrenos encravados.
Isto é, para os menos conhecedores - e, infelizmente, não temos cá hoje o Sr. Deputado António Lobo Xavier, que na altura mostrou algum desconhecimento mas interesse por este problema - a lei prevê que existam áreas de terrenos que, mesmo contra a vontade dos seus proprietários ou titulares de outros direitos, sejam agregadas às reservas de caça, chegando-se ao absurdo desses proprietários, normalmente pequenos agricultores, não poderem caçar nos seus próprios terrenos.
Acresce que a caça é uma actividade eminentemente popular. Há na Europa comunitária para cima de 6,5 milhões de caçadores. Não existem em Portugal - eu. pelo menos, não conheço - estudos sobre a composição social dos 250 000 caçadores existentes. Mas em França, por exemplo, onde existem cerca de 2 milhões de caçadores, 68 % são operários, agricultores, reformados e empregados e 30 % são quadros médios e superiores e comerciantes.
Em Portugal a diferença será, seguramente, ainda mais acentuada, o que significa que são as categorias sociais de rendimentos mais modestos que representam o grosso dos caçadores. São, pois, esses mesmos que acabam por ficar impossibilitados de caçar, por não terem meios financeiros de acesso às reservas de caça.
A lei da caça justifica a criação do regime cinegético especial com a necessidade de ordenar o património cinegético e assegurar o fomento e conservação dos respectivos recursos. Muito bem! Não ignoramos até que em muitas reservas, Sr. Deputado Vasco Miguel, os membros das respectivas associações procuram assegurar condições de preservação e renovação do capital cinegético. Há até exemplos de caçadores que, enamorando-se desse trabalho, acabam por deixar de ter desejo de matar.
Mas também não podemos ignorar - e V. Ex.ª com certeza que também não o fazem - que em muitos e muitos casos não há qualquer preocupação dessa natureza. Caça-se fora dos dias e até antes da época abrir (para além de, por si só, a lei já permitir um enorme desequilíbrio entre os dois regimes); não há qualquer controlo das espécies abatidas; abatem-se espécies protegidas; não há fiscalização (ou melhor, a fiscalização é tão-somente para penalizar os caçadores do regime geral que se aventurem em terrenos das reservas). Não consta que até ao momento tais reservas tenham sido punidas.
Recordo que em Agosto de 1992 foi nomeado um grupo de trabalho, por despacho conjunto dos Ministérios da Agricultura e do Comércio e Turismo, com o objectivo de estudar e fiscalizar as zonas de caça turísticas. Também não se conhecem. Srs. Deputados, quaisquer resultados dessa fiscalização. E quanto haveria, seguramente, a fiscalizar nas reservas turísticas e nas restantes reservas...
Por isso, desafiamos o Governo a que nos informe sobre os resultados da fiscalização efectuada. Aliás, nós próprios iremos requerer ao Governo que nos entregue o balanço dos resultados da fiscalização efectuada.
Quanto à matéria de ordenamento das reservas de caca. estamos conversados. A norma legal, que urge ser alterada e que define que a área total submetida a regime cinegético especial pode ir até 50 % da área total de cada região com aptidão cinegética permite (como, de resto, está a permitir) que haja concelhos e freguesias seguidas, por quilómetros e quilómetros, cercados e aramados, sem qualquer possibilidade dos caçadores do regime geral, dos caçadores locais caçarem e palmilharem os quilómetros que eles, os seus pais e avós sempre tinham palmilhado.
Um outro conjunto de questões que a aplicação da actual legislação tem propiciado é o que se liga ao tráfico de influências e ao favoritismo ilícito na concessão de reservas de caça. Multiplicam-se permanentemente as notícias de envolvimento de altos responsáveis da Administração Pública na concessão de zonas de caça em que têm interesses directos ou de casos de altos funcionários das divisões de caça das administrações florestais, responsáveis por pareceres para a constituição de zonas de caça e que são simultaneamente directores de gabinetes técnicos privados, que elaboram os próprios projectos sobre as quais depois exaram pareceres. Tenho aqui - e os Srs. Deputados também tem - o exemplo concreto de Amarante e do Marão. Muitos mais seguramente haverá!
Nesta, como noutras áreas da vida nacional, quer queiram quer não, o Governo promove a especulação, estimula a divisão entre portugueses, semeia e alimenta os factores geradores de injustiça social.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: A importância económica da caça deve ser reconhecida e a actividade de aproveitamento dos recursos cinegéticos pode ser significativa para o crescimento económico das regiões e até, em certas condições, como fonte complementar dos rendimentos para os agricultores.

Só que, também, nada ou muito pouco disto se tem verificado!

As reservas de caça (até pelas isenções e derrogações que têm beneficiado) não têm contribuído até agora com um único centavo para o desenvolvimento, designadamente para o desenvolvimento regional, limitando-se a ser fonte de enriquecimento para alguns.
É, pois, necessário, Srs. Deputados, encontrar uma solução equilibrada entre os diversas direitos e interesses, muitos deles conflituais, que atravessam o aproveitamento, fomento e preservação dos recursos cinegéticos.
O direito dos caçadores, de todos' os caçadores sem exclusões por razões de natureza económica, à prática da caça e a importância da caça como actividade económica são dois objectivos que não podem» por sua vez, deixar de ter sempre como linha de referência a necessidade de ser preservado e fomentado o capital cinegético, que é um bem renovável mas finito.