26 DE JUNHO DE 1999 2819
rais chegou mesmo a criticar publicamente os muitos que iriam retardar a passagem das decisões à prática e afirmava que o que se tinha conseguido no Rio não podia ser letra morta.
Hoje, 12 meses volvidos, não se passou do velho patamar das ambiguidades, dos estafados estados de espírito e dos projectos de intenção cada vez mais inúteis, já que a realidade concreta não passa de um lote de fichas pomposamente designadas de Agenda 21.
Agenda 21 para Portugal: não define nem prazos, nem meios humanos, nem técnicos ou financeiros. Que atribui responsabilidades a organismos que, entretanto e simultaneamente, o mesmíssimo Ministério fez, pela via da remodelação, extinguir. Que consegue ser ainda mais genérico do que a própria Agenda 21 nalgumas áreas. Uma Agenda; por último, que, com ar distanciado, analisa a situação, como se dela não fosse o Governo o próprio e directo responsável, aliás com idêntica postura à que caracteriza o documento que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais fez publicar no jornal Independente, em 11 de Junho, em que, identificando a situação em várias áreas, se coloca a si próprio, Ministério, logo Governo, e a toda a administração central, no papel de terceira pessoa absolutamente alheia às falhas e carências diagnosticadas.
Mas, afinal, o que foi até boje feito de concreto - perguntar-se-á - para promover o desenvolvimento sustentado? Onde estão as medidas para impedir o agravamento dos problemas ambientais? Que medidas tomadas para os corrigir? Que transferencias tecnológicas se promoveram, nomeadamente, para os países africanos de língua oficial portuguesa.
Estas são perguntas que aos Srs. Ministros, quaisquer que sejam, e ao Governo não podem deixar de ser feitas, hoje e agora!
Disse o Governo e o PSD, cinco meses após o Rio, aquando da realização em Lisboa da 6.º Assembleia Geral da Globe, que a política de ambiente em Portugal estava a ter em conta as conclusões do Rio e o V Programa de Acção Comunitário em Matéria de Ambiente.
Afirmava-se que se estava a levar por diante uma nova política na área dos recursos hídricos. Melhorias muito significativas no domínio do saneamento básico. Que o Governo iria aumentar a protecção da diversidade biológica do País através do reforço das áreas protegidas existentes, da criação de novas, de uma mais eficaz protecção das espécies. Que o litoral estava a ser alvo de planos integrados de valorização e protecção. Que as acções de educação e sensibilização iriam aumentar. Que uma grande campanha de reciclagem iria ser lançada. Que Portugal tudo iria continuar a fazer para implementar as decisões do Rio. Que o plano de acção iria - dizia-se - estar pronto para discussão pública até Dezembro do ano passado.
Dizia-se, é certo, mas só para que constasse, já que tantos meses decorridos, continuamos na estaca zero.
Da chamada nova política na área dos recursos hídricos, que o Governo anunciou pela enésima vez, não há vestígios, sendo que o estudo mais recente sobre a sua avaliação é velho, de há 12 anos.
A Lei da Água, tantas vezes prometida desde 1986, continua por se ver e a gestão integrada das bacias hidrográficas não passa de vaga declaração de intenção. Quanto à importância que quer à quantidade quer à qualidade da água se atribuem, quer o debate que aqui mesmo há semanas proporcionámos sobre o Plano Hidrológico Espanhol, quer a história da gafe que conduziu à substituição de parte da equipa governamental, são exemplos por demais esclarecedores e trágicos do caos a que o Governo nos condenou, para que subsistam quaisquer dúvidas.
Do saneamento básico as notícias não são melhores, com níveis de atendimento abaixo da média comunitária: 77 % na rede de abastecimento de água contra os 95 % da Comunidade, 20 % nas estacões de tratamento de esgotos contra os 78 % da Comunidade, num país que o PSD - diz - governa com sucesso.
Da protecção da biodiversidade é o que se conhece.
De facto, como ousar o Governo falar de preservação da diversidade genética quando o projecto CORINE em Portugal, a cargo do agora chamado Instituto da Conservação da Natureza para estudo dos biótipos está parado há anos; quando o País continua a desertificar o seu interior; quando se continua a permitir o uso indiscriminado de químicos e pesticidas na agricultura e a sua venda indiscriminada; quando se permite que os estudos de avaliação de impacte ambiental sejam, não raro, mero pró-forma; quando o betão continua a ser o invasor legitimado mesmo em áreas protegidas; quando o próprio Governo aliena, por decreto, áreas da reserva ecológica nacional; quando na sequência da PAC se reduz para cerca de metade a área agrícola e a florestação continua a ser pensada na mera óptica economicista com o eucalipto, que se diz com orgulho, a alimentar a fileira industrial mais competitiva; quando do litoral dito protegido só se conhecem os escândalos, como os últimos protagonizados pelo Secretário de Estado aqui presente, em Esposende e na Costa da Caparica com a alienação de áreas protegidas para construções ilegais; quando as áreas protegidas se encontram cada vez mais ao abandono e desprotegidas, como o testemunham os múltiplos exemplos de Norte a Sul do País, do Geres à ria Formosa; quando o Governo legisla, transformando Portugal numa imensa coutada como a lei de caça que viola qualquer tipo de protecção de espécies, mesmo que em vias de extinção; quando a reutilização, recuperação e reciclagem são quase nulas ou meramente simbólicos; quando não se criam incentivos ou desincentivos que favoreçam a alteração dos padrões de consumo.
Mas como ainda ousar falar em dar conteúdo às decisões do Rio quando o ambiente urbano se encontra, cada vez mais, degradado, bem como a respectiva qualidade de vida dos cidadãos; quando se mantém a ausência de ordenamento de território e a consequente Ocupação irracional de espaço; quando persiste a falta de racionalidade energética, nomeadamente nas opções urbanistas que se promove; quando não se privilegia o investimento em energias alternativas; quando se mantém a falta de normas de emissão de efluentes gasosos; quando se continua a favorecer o transporte rodoviário; quando, por último, a participação da chamada sociedade civil, indispensável à defesa do meio ambiente através dos cidadãos e das ONG, é cada vez mais cerceada e limitada, como a inconstitucional extinção do Instituto Nacional do Ambiente (INAMB) o demonstra, e remetida para um papel simbólico; em resumo, quando tudo está mais ou menos na mesma ou seja pior, como se no planeta nada tivesse acontecido e ao fatalismo da sorte nos devêssemos entregar.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Um ano passou já sobre a Conferência do Rio, oito, desde que o PSD é poder na área do ambiente, dos quais seis como poder absoluto.
Poderá o Governo reafirmar, como certamente o fará, e gabar-se até de ter já em Conselho de Ministros ratificado os documentos assinados no Rio.