21 DE OUTUBRO DE 1993 5
acelerado dos meios de comunicação social, como factores de actuação permanente, a que, entre nós, se junta a formação conjuntural e inesperada de uma maioria parlamentar mono-partidária de apoio ao Governo, tendem a subalternizar o papel das assembleias representativas e a deslocar para outros palcos partes importantes da acção política.
Mas sabemos também que esse movimento não é uniforme - eu diria graças a Deus - e que, em Portugal, o Parlamento deveria ter naturalmente um papel acrescido, como elemento de consolidação de uma democracia política, que ainda não fez 20 anos de idade.
A pedagogia da democracia passa necessariamente entre nós pela instituição parlamentar, que é em si o elemento mais vivo de contraste com o antigo regime.
Ora, o que na verdade se passa é, como dizia atrás, que o Parlamento português tem hoje, apesar da sua juventude, uma imagem já desgastada e aparece desprestigiado aos olhos dos portugueses.
As origens desta situação não são, com certeza, simples, mas uma delas reside, sem margem para dúvidas, nas relações que o Governo tem vindo a manter com a Assembleia.
De tal modo que esta aparece, para muitos, reduzida ao papel de simples notário do sistema e, menos do que isso, de simples carimbador da actuação do Governo.
Fixo-me em três acontecimentos recentes, que ilustram isto mesmo. O primeiro foi sem dúvida a gaffe que o Primeiro-Ministro não deixou de cometer, apesar de a ter emendado em tempo útil - reconhece-se! -, e que o levou a condicionar a aprovação de uma medida de carácter fiscal (a actualização dos escalões do IRS) aos azares da concertação social, esquecendo completamente o papel da Assembleia.
Dir-se-á que a questão é formal, na medida em que o Governo dispõe de apoio maioritário garantido, e que a matéria fiscal não deverá deixar de constar das negociações sobre rendimentos.
E é verdade que é assim. Mas o certo é que a formalidade é essencial, não podendo o titular de um órgão de soberania ignorar as competências de outro órgão, também de soberania, e expor tão cruamente na praça pública os rigores da disciplina interna do seu partido.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Cabe, aliás, perguntar: tratando-se apenas de uma questão formal, por que razão é que todas as leis antipáticas são sistematicamente imputadas ao Parlamento, como aconteceu durante o ano lectivo passado com a lei das propinas, que o Ministro da Educação tentava sacudir como quem «sacode água do capote»?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Neste particular, estão fundamentalmente em causa, repito, as relações entre a concertação e o processo de discussão e aprovação do Orçamento, que, sob pena de uma promiscuidade desprestigiante para o Parlamento, deverão ser objecto de regulamentação, que, sem asfixiar a flexibilidade essencial a qualquer processo negocial, fixe com algum rigor o objecto, o processo e os prazos a cumprir na concertação.
Disso mesmo nós, CDS-PP, vamos encarregar-nos.
O segundo acontecimento foi a desconsideração para com a oposição, patente no facto de o Governo a ter consultado sobre temas que haviam já sido decididos, como foram, este ano, as consultas sobre as propostas de lei do Orçamento e das Grandes Opções do Plano, precedidas do anúncio público de que tudo havia já sido aprovado.
É claro que a desconsideração foi formal, como então eu próprio tive ocasião de acentuar, mas não deixou de sê-lo e de implicar uma violação do estatuto da oposição e de contribuir com mais uma acha para a fogueira em que se consome a nossa imagem pública.
Finalmente, não podemos deixar de salientar a indisponibilidade do Governo e da maioria, aqui exibida na passada sessão, para ouvir os avisos da oposição, que conduziram à declaração de inconstitucionalidade de normativos incluídos nos diplomas respeitantes ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, do combate à corrupção, do segredo de Estado e da Reforma do Tribunal de Contas.
Reafirmou-se, sem dúvida, o poder da maioria, mas não se prestigiou o Parlamento, e desvalorizou-se o papel das oposições, cujas opiniões e contributos, mesmo quando de carácter técnico, são pura e simplesmente rejeitados, talvez precisamente por serem provenientes da oposição.
Que estas lições possam aproveitar a todos, e sobretudo à maioria, de modo a que a sessão legislativa que hoje se inicia possa ser, antes de mais, o início da recuperação da imagem parlamentar.
Especialmente em tempo de crise, ninguém perdoará que se malbarate património institucional do regime e que a política seja sobretudo uma guerra de posições e não um combate leal e a procura sincera das melhores soluções para os problemas reais do País.
O CDS-PP, como até aqui, tudo fará para que assim seja.
E é em tempo de crise, hoje indesmentível, que a Assembleia vai ter entre mãos temas da maior importância, embora, repito, não isentos de dificuldades.
Começaremos, como é usual, com a matéria orçamental, sendo certo que desta vez temos um verdadeiro orçamento suplementar, respeitante a 1993, e não o correctivo dos últimos anos, a par do Orçamento do Estado para 1994 e de um novo programa de convergência nominal, o Quantum H. 2., para além das Grandes Opções do Plano, é claro!
Não quero, como é evidente, antecipar um debate, que para nós vai, aliás, começar mais cedo, mas não posso deixar de lamentar que a Assembleia se veja uma vez mais confrontada - a última foi em 1983, em pleno Bloco Central - com propostas fiscais retroactivas.
Já abalado pelas clamorosas falhas de previsão, o Orçamento de 1993 vai agora sofrer um entorse (recuso-me a falar de correcção), que, ao menos em matéria de IRC, defrauda completamente as expectativas criadas pelos textos que aprovamos em 16 de Dezembro de 1992 - há menos de um ano, portanto!
Quer dizer que o Estado aparece aqui na pessoa do Governo a propor a violação de um princípio fundamental do Estado de direito democrático, a não retroactividade das leis, e a penalizar comportamentos que ele próprio incentivou.
Depois de se ter consagrado como um dos maiores caloteiros do País, falta agora, uma vez mais e de forma solene, à palavra dada.
Não pomos em causa a necessidade de, em certos termos, adaptar a política às circunstâncias da conjuntura, mas o que exigimos é que as adaptações se processem sempre no respeito dos princípios fundamentais que devem nortear a conduta das pessoas e das colectividades.
Não somos, com efeito, dos que aceitam que o interesse do Estado ou o pretenso interesse do Estado (a salus populí) possa justificar todos os atropelos.