27 DE JANEIRO DE 1994 1039
0 Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que todos estaremos de acordo que a participação é um valor fundamental das democracias e que esse valor assume um papel redobrado, se quiserem, mais fundamental, nas democracias representativas. 15to, por um lado, porque aproxima os cidadãos eleitos dos eleitores, e vice-versa, contribuindo para aprofundar a própria democracia e, por outro lado, porque desfaz a ideia de que a democracia é um ritual - e porventura será este o ponto mais importante.
Um ritual que se exerce de quatro em quatro anos, ou de cinco em cinco anos, em que os cidadãos são chamados a votar e a exprimir-se pontualmente mas que, depois, são esquecidos e vivem alheados das tomadas de decisão que lhes dizem respeito.
Não são raras as vezes - o passado recente tem muitos exemplos - em que os cidadãos, inclusivamente, se sentem traídos pelo seu sentido de voto, ou seja, que governos legitimamente eleitos contradizem na prática promessas que fizeram ou propostas que nem sequer tiveram a coragem de apresentar durante as campanhas eleitorais.
0 exemplo, em matéria juvenil, que mais depressa me vem à memória é, obviamente, o das propinas. 0 PSD e o seu líder foram incapazes de, sobre esse assunto, dizer alguma coisa mas, depois, no exercício da sua função governativa legítima, tiveram a ousadia de tomar uma iniciativa sobre as propinas.
Por conseguinte, durante as eleições, a participação assume, nas democracias representativas, um valor - na opinião dos socialistas - fundamental que deve ser tido em conta, não apenas como referência mas como aprofundamento dessa mesma democracia. E, quando se alia o vector da participação com as gerações mais novas, parece-me que será evidente que a aprovação de qualquer legislação sobre esta matéria estimula a integração dos jovens na sociedade, neste caso na sociedade portuguesa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é sabido, a participação faz-se, na prática, de duas formas: de uma forma espontânea e imediata e de uma forma permanente. A primeira é exercida por estímulos e despertares, como foi o caso de Timor ou da «pancadaria» policial em frente à Assembleia da República.
É sabido também que a participação deve ser estimulada pelos governos que têm um entendimento da democracia como uma participação permanente. Como é sabido, não tem sido esta a prática em Portugal.
Por contrapartida, na Europa - sobretudo nos países do Norte da Europa - existem esses estímulos e essa política, e é por isso que, há anos, continuamos a manter esta diferença abismal, que é sintetizada nesta imagem: enquanto, por exemplo, na Dinamarca a taxa de participação das gerações mais novas se situa na ordem dos 70 ou 80%, não só porque é mais fácil legalizar as associações mas, também, porque o próprio Governo, o próprio Estado entende que esse associativismo deve ser estimulado, em Portugal as taxas de participação associativa continuam a manter-se nos 20%, ou seja, apenas um em cada cinco jovens portugueses estão associados, e sabemos que nem sempre esse tipo de associação se traduz numa participação activa.
Além do mais, a maior parte deles estão associados em clubes recreativos e desportivos, onde a ocupação dos tempos livres é, de facto, o motivo principal para essa inscrição, não funcionando a participação e a participação cívica como um estímulo importante.
Penso que a democracia portuguesa estará sempre amputada e incompleta, se, por parte dos poderes instituídos, não existir uma convergência no sentido não só de permitir e de enquadrar legalmente essa participação mas, fundamentalmente, de a estimular com apoios, traduzindo, na prática, uma nova forma de consciência cívica, de educação para a cidadania, onde o jovem se sinta cidadão de corpo inteiro.
E por tudo isto, Srs. Deputados, que esta iniciativa do Partido Comunista Português merece o nosso aplauso. E merece-o não porque seja uma iniciativa original, não porque seja uma iniciativa que, por si só, como acabei de referir, solicite ou estimule uma prática que, estou convencido, tanto nós como o Partido Comunista, queremos que exista na sociedade portuguesa, mas porque traz para o plano jurídico, para o plano legislativo, a obrigatoriedade de os jovens, através das suas organizações juvenis, serem ouvidos sobre as matérias que lhes digam respeito.
Até aqui Sr. Presidente e Srs. Deputados, está tudo bem! Mas o problema põe-se depois da aprovação desta legislação e a dois níveis: ao nível da prática e, obviamente, ao nível do processo legislativo.
Como sabemos, o Parlamento português não tem calendarizado o seu processo legislativo - o Parlamento Europeu, por exemplo, tem - e quando não existe uma calendarização do processo legislativo é fácil a um parlamento, sobretudo quando tem uma maioria absoluta, definir os seus prazos e fazer com que determinadas matérias possam ser aprovadas com uma celeridade que obstaculize a participação das organizações representativas dos jovens.
Recorro novamente ao exemplo da aprovação da Lei das Propinas, onde o Governo, através dos seus Deputados na Assembleia da República, não só acelerou todo o processo como escolheu a altura de exames e de férias para o Parlamento a aprovar.
Ou seja: nos discursos apelamos à participação, na prática negamo-la.
Outro caso concreto: quando o Governo apresentou uma proposta de lei que visava regulamentar a Lei das Propinas, embora, na prática, todos soubéssemos que visava alterá-la - e, neste momento, temos esta coisa engenhosa de haver duas leis que, em alguns aspectos são contraditórias, mas não é esse, obviamente, o tema -, «obrigou» a sua Comissão de Educação, Ciência e Cultura a reunir entre o período de Natal e o Ano Novo, agendando para o dia 6 de Janeiro a discussão dessa proposta de lei.
Pergunto, assim, se, entre o dia 29 de Dezembro e o dia 6 de Janeiro - já não atendendo à quadra festiva -, as organizações que foram solicitadas a dar um parecer sobre essa lei o poderiam fazer em consciência e com rigor.
0 problema aqui não se põe numa competição, ou, se quiserem, numa batalha, entre o Parlamento e os jovens mas, sim, no sentido de recolher o que há de melhor no exercício da democracia e, neste caso, de tomar válido aquilo que são os contributos das organizações juvenis.
0 Sr. Deputado António Filipe já teve oportunidade de referir que a Comissão Parlamentar de Juventude já tem na sua prática, salvo casos excepcionais, a regra de ouvir as organizações juvenis.
0 problema está em saber se, para além desta formalidade, os pareceres servem apenas para anexarmos aos relatórios que são enviados a Plenário ou se, de facto, eles significam e servem para mais alguma coisa.
Por isso, todos nós Deputados temos uma responsabilidade acrescida, não só a de dignificar o Parlamento mas também a de dar sentido à legislação que aqui aprovamos.