24 DE MARÇO DE 1994 1701
Nesta matéria, aquilo que lhe pergunto é o seguinte: quanto é que o Governo vai pagar ao consórcio a quem adjudicou a construção e a exploração do sistema nacional de resíduos tóxico-perigosos, quando o próprio Governo não cumpriu o contrato que estabeleceu? E quanto é que os portugueses vão pagar pelos erros que o Governo cometeu?
Para terminar, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, gostava de saber qual é o resultado das análises sobre a contaminação dos solos de um dos principais aquíferos da Península Ibérica, por força dos produtos contaminantes das 30 000 toneladas instaladas junto à cidade de Setúbal, há mais de três anos, e relativamente às quais o Governo apenas se tem preocupado em fazer campanhas de propaganda pública, dizendo que está preocupado com a situação e que está a fazer todos os esforços para que os resíduos voltem à origem. E isto, naturalmente, sem se preocupar com a saúde das pessoas e com a vida dos cidadãos naquela região do nosso país.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, ouvi com muita atenção a sua intervenção e, em particular, a referência ao 5.º Programa Ambiental da Comunidade Europeia, que levanta um problema interessante quanto à política e actuação do Governo. De vez em quando, o Executivo resolve apresentar como uma grande descoberta o que mais não é do que a mera transposição para Portugal, sem tradução - porque o jornal oficial das Comunidades é traduzido em português -, de directivas que, aliás, são muito pormenorizadas.
Na realidade, o Governo não tem trabalho, mas faz grandes operações de marketing em torno de questões deste tipo. Refiro-me, por exemplo, ao rótulo ecológico ou ao protocolo entre os Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais e da Indústria e Energia - em relação ao qual não se conhecem consequências práticas - que corresponde a uma orientação fundamental do 5.º Programa, qual seja a de garantir a "internalização" das preocupações ecológicas de forma a estarem presentes na gestão das empresas desde a aquisição das matérias-primas a todos os outros aspectos com ela relacionados.
O Governo aproveita estas questões para lançar "foguetes" e melhorar a sua imagem mas, uma vez que foi colocado um problema concreto, gostava que o Sr. Secretário de Estado o esclarecesse.
A Sr.ª Deputada Isabel Castro já falou do incumprimento da directiva sobre o acesso à informação em matéria ambiental, mas importa referir outros casos de directivas que, por vezes, não são transcritas, ou que, na prática, não são verdadeiramente cumpridas: poluição atmosférica de instalações industriais, limitação de emissões provocadas por grandes instalações de combustão, resíduos perigosos, várias directivas em matéria de consumidores, regulamentos comunitários em matéria de produção agrícola no sentido de garantir, em particular, a sua compatibilidade com a protecção do ambiente e a preservação do espaço natural.
De resto, gostava que, relativamente a todas essas questões, o Governo prestasse esclarecimentos a esta Câmara e fizesse um balanço do cumprimento da legislação comunitária. E não estou a pensar nos Diários da República em que as directivas são transcritas, mas no seu cumprimento efectivo porque, a este respeito, creio existirem grandes diferenças.
Por outro lado, seria positivo prestar contas sobre programas comunitários de financiamento do ambiente, em particular, sobre o ALTENER, relacionado com a promoção de energias renováveis, ou sobre o programa LIFE.
Quanto à questão da água, o Sr. Secretário de Estado referiu a bacia hidrográfica mas, na verdade, a Associação Portuguesa de Recursos Hídricos criticou - e bem - o facto de a bacia hidrográfica não ser, dentro da reestruturação do Ministério, verdadeiramente uma unidade de gestão de recursos hídricos, mas uma mera unidade de planeamento. O Governo preferiu a uniformização de serviços periféricos pelas áreas das Comissões de Coordenação Regional e não respeitou a bacia hidrográfica como unidade de gestão.
Neste momento, os recursos hídricos constituem um problema, designadamente, no que diz respeito ao programa hidrológico espanhol e ao relacionamento com a Espanha. Considero que ainda é mais importante a gestão da bacia tomada no seu conjunto, mas não há novidades nesta matéria.
Quanto às taxas de utilização da água e estou a pensar, designadamente, no problema dos pequenos agricultores neste contexto, vive-se, neste momento, como o Sr. Secretário de Estado certamente tem conhecimento, um clima de grande inquietação e não consta que a questão tenha sido relativamente tratada.
Quanto ao problema da qualidade da água, foi publicado há mais de quatro anos o Decreto-Lei n.º 74/90, de 7 de Março, e ainda não foram elaboradas as normas de qualidade das águas doces superficiais, que o Governo tem obrigação de fornecer no caso de abastecimento humano. Com este atraso, como poderão os municípios providenciar fontes alternativas de abastecimento caso se verifique que as águas doces superficiais não têm suficiente capacidade?
Por outro lado, há normas sobre a qualidade da água que não estão a ser cumpridas quando a legislação sobre esta matéria data de 1990. Como o Governo sabe que não há capacidade laboratorial instalada no país para o efeito, que medidas tomou, desde 1990 até hoje, para colmatar este grande problema que existe - e continuará a existir - com a política que o Governo tem executado?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, já uma vez referi que, habitualmente, o discurso do grupo parlamentar interpelante e o do Governo estão tão separados um do outro que mais parecem dois monólogos. Suponho mesmo que esta tese mereceu o acolhimento da Mesa, na medida em que, hoje, o Sr. Presidente deu a palavra ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor para "abrir o debate por parte do Governo". Ora, quer isto dizer que a interpelação é aberta duas vezes: uma, pelo partido interpelante e outra pelo Governo, que é completamente diferente da primeira.
Como já estamos habituados a essa prática, talvez deva propor-se o envio, no âmbito do novo Regimento, com pelo menos 24 horas de antecedência, de cópia da intervenção do grupo parlamentar interpelante ao membro do Governo respectivo para permitir que o seu discurso responda ao do interpelante em vez de voltar-lhe as costas como é usual. De qualquer modo, vou intervir no debate que V. Ex.ª abriu, deixando de lado a interpelação do Grupo Parlamentar Os Verdes.
Fala-se muito em reserva agrícola, reserva ecológica e áreas protegidas; porém, sucede que quase 90 % dos PDM ainda estão por aprovar e é em relação a eles que cada