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27 DE ABRIL DE 1995 2195

Não é isto o que hoje vamos esgrimir nesta interpelação ao apresentar os números. Fizemo-lo apenas com o intuito de demonstrar que, nesta matéria, o crescimento de criminalidade justifica a sensação de insegurança, de que a sociedade portuguesa dá sinais, não sofre contestação nem existem divergências de maior, apenas podem tranquilizar o Sr. Ministro, pois, devido ao cargo que ocupa, tal nunca foi problema para ele pela segurança própria que lhe é prestada pelo Estado.
O aumento da criminalidade também está retratado no estudo dirigido, a pedido do Ministro da Justiça e com a qualidade reconhecida por todos, pelo Prof. Boaventura Sousa Santos. Nele, dá-se conta de um facto de maior importância: a «cifra negra» de criminalidade, correspondendo aos crimes não participados, ascende a um valor da ordem dos 74% da totalidade dos crimes cometidos. Julgamos que o Prof. Boaventura Sousa Santos conhece os argumentos do Sr. Ministro da Justiça, aduzidos neste hemiciclo, aquando da interpelação do Partido Socialista, e, de certeza, considerou-os nas percentagens da totalidade dos crimes cometidos e não participados que nos indica. Isto significa que só 26% das vítimas de crimes tomam a iniciativa de denunciar os factos às autoridades, o que demonstra, como consta do mencionado estuda, que a convicção, por parte das vítimas, de que essa denúncia surta efeitos úteis é mínima. A falta de confiança dos queixosos é, de resto, um dado que deve ser tido em conta na análise da segurança subjectiva.
Não é nossa intenção basear esta interpelação unicamente num desfiar de números e valores referentes à criminalidade indicados pelo Prof. Boaventura Sousa Santos.
Queremos crer que a realidade que subjaz a estes números e o quotidiano que conhecemos e que vivemos excedem em muito a sua repetição exaustiva.
Os números poderão, no entanto, ser de alguma, utilidade para todos aqueles que, obstinadamente, se recusam a encará-los e preferem acusar de alarmismo ou de sensacionalismo os que, como nós, têm tido a preocupação de acompanhar e analisar estas cifras com o sentido de contribuir para a sua diminuição e não como uma arma para brandir contra o Governo, porque, no fundo, estamos a contribuir para a nossa própria segurança.
Mais do que números ou estatísticas, queremos confrontar a maioria e interpelar o Governo sobre as causas que estão na origem desta situação, a filosofia e o conjunto essencial de valores de referência que devem presidir ao combate à insegurança e sobre as medidas ou os programas que poderão, de imediato, serem postos em prática.
Quanto às causas que fundamentam este aumento, surge-nos sempre como causa primeira a realidade com que não se conseguiu ainda lidar de forma eficaz, não obstante existirem progressos específicos e legislação recente sobre o problema da droga, a multiplicação e a expansão pelo território nacional do fenómeno da toxicodependência, a que está ligada a pequena criminalidade conexa, traduzida no furto a pessoas, residências ou veículos, criminalidade esta que representará, hoje em dia, a maioria esmagadora do total de crimes praticados (85% da criminalidade são deste tipo).
O fenómeno da droga é, algumas vezes, causado por situações sociais graves, como são a existência de populações, de número significativo, que vivem desenraizadas, em autênticos ghetos, e que entraram no País, numa época de liberalização de imigrantes, para, através de mão-de-obra barata, se ultimarem projectos calendarizados, cujas inaugurações iriam ocorrer em vésperas de eleições decisivas. ...
Por outro lado, os nossos sistemas de segurança não se souberam adaptar a novos fenómenos, como sejam os da abertura das fronteiras e da existência de redes transnacionais de crime.
O crime transfronteiriço, isto é, o crime praticado por cidadãos estrangeiros em localidades contíguas de um país vizinho, surge hoje como uma acuidade crescente. As forças de segurança têm ainda referenciado, como fundamento para o aumento da criminalidade, as redes internacionais, designadamente as ramificações em Portugal da criminalidade organizada do Leste Europeu, o que, por um lado e no que se relaciona com a criminalidade violenta, vem reforçar as posições que o Partido Popular sempre tomou sobre esta matéria e, por outro, vem mostrar quão significativas são as deficiências e o insucesso dos mecanismos de reinserção social, tão apregoados pelo responsável do sector.
A cultura política que se tem desenvolvido nesta matéria faz com que as sucessivas amnistias e sobretudo a prática dos perdões de pena que lhes vem associada, quando conjugados com o regime da liberdade condicional, permitam que um condenado por um crime grave esteja em liberdade sem o cumprimento efectivo da totalidade da pena.
As causas referidas exigem uma resposta que não se resume à necessidade de eficácia do sistema judiciário e dos órgãos de Polícia mas requer uma concepção interdisciplinar onde o papel reservado aos sistemas educativo e de saúde é, designadamente, no que concerne ao combate à droga, da maior importância.
No entanto, não deixa de ser verdade que a ineficácia do nosso sistema de segurança e as deficiências há muito apontadas por nós ao sistema judiciário, para o qual apresentamos propostas, visando melhorá-lo, estão indubitavelmente relacionados com o aumento da criminalidade.
Para além da sensação de impunidade e de incapacidade dos órgãos competentes que referimos, é importante apontar o exemplo da existência em Portugal de empresas e de um ramo da actividade, este, sim, florescente, que são as empresas de cobranças de dividas, que, em grande parte dos casos, mais não são do que entidades especializadas em violência, em extorsão, em ameaças, em raptos ou em agressões que a ineficácia do sistema judiciário fomenta e a falta de meios do sistema policial deixa sobreviver.
A existência de conflitualidade social e os índices de criminalidade não são estranhos a qualquer sociedade democrática e é errado pensar na possível erradicação destes flagelos, mas essa não é a questão principal. O problema é a abordagem, designadamente ao nível ético e valorativo, que se faz destas matérias.
Vamos mesmo ao ponto de afirmar que o essencial da questão está nesta abordagem, de um ponto de vista filosófico, por referência a uma escala de valores.
A corrente dominante nos últimos anos nas sociedades ocidentais tem-se baseado numa concepção que privilegia como primeiro objectivo da política criminal a chamada «reinserção social». Para o Partido Popular, que é um partido humanista cristão, as penas e a política criminal devem, certamente, prosseguir o objectivo de reinserção do condenado, que é um homem, antes e depois das leis positivas. Mas fazemos questão de salientar que, apesar deste postulado, há outros objectivos igualmente importantes que são a protecção das vítimas dos crimes e dos seus bens jurídicos. As vítimas não podem ser deixadas ao cuidado dos próprios prejudicados, isto é entregues a si mesmas.