28 DE ABRIL DE 1995 2267
deres e mais formas de interferência e ingerência nas Forças Armadas e na organização interna.
A proposta insere-se assim num objectivo de governamentalização e partidarização das Forças Armadas, assumido pelo Ministério da Defesa Nacional, sendo 'Ministro o Dr. Fernando Nogueira.
Paulatinamente, o Ministro da Defesa Nacional auto-transforma-se em chefe das Forças Armadas e estas vão perdendo as características de autonomia funcional e técnica que garantiam o seu rigoroso apartidarismo e a sua colocação ao serviço do povo português.
A proposta implica, pois, uma situação perigosa para a neutralidade das Forças Armadas e, portanto, contrária ao que se encontra fixado na Constituição quanto ao papel, natureza e características das Forças Armadas e quanto ao equilíbrio de poderes na sua direcção superior.
Esta alteração legislativa, de largo alcance, é uma alteração que configura um traço essencial da política de defesa nacional do Governo PSD, que tem a nossa clara e frontal oposição.
Paia que não se invoquem falsos argumentos, importa que fique claro que a autonomia das Forças Armadas que e atingida é a autonomia funcionai e técnica e não qualquer forma de autonomia política que as Forças Armadas não tem nem devem ter. Quem define a política de defesa são os órgãos de soberania, a que as Forças Armadas devem obediência.
Mas as Forças Armadas não são o braço armado do Governo, nem uma qualquer direcção-geral.
O artigo 275 º, n.º 4 estabelece que «As Forças Armadas estão ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política». Como referem Vital Moreira e Gomes Canotilho (Constituição anotada, 3.ª edição, págs. 963), as Forças Armadas não são «instrumento do Governo» e estão obrigadas, no exercício das suas funções, não só a um rigoroso apartidarismo, como a uma neutralidade política, que as coíbe de qualquer intervenção política.
Para garantia destes princípios, para além de outras regras, também contribuía, de forma decisiva, a fórmula em vigor de escolha de chefias, em que se partia das propostas da instituição militar, isto é, de uma lista escolhida com critérios técnico-funcionais próprios da instituição militar e não dos critérios político-partidários que forçosamente presidem a uma escolha feita por um Governo.
É isto que o Governo pretende com esta proposta de lei Acabando com a intervenção da instituição militar no processo de escolha (digo que a intervenção cessa, porque uma mera audição não condiciona nada nem ninguém), e auto-reservando-se o papel da escolha, o Governo quer privilegiar os seus critérios político partidários, limitar a autonomia das Forças Armadas e desvirtuar a seu favor a aplicação dos princípios de imparcialidade e neutralidade a que elas estão constitucionalmente sujeitas.
Na exposição de motivos, o Governo diz que não bole com as competências atribuídas nesta matéria ao Presidente da República. Não é verdade, já que a proposta mexe nas competências do Presidente Até agora, o Presidente fazia a nomeação num processo de diálogo com o Governo e com a instituição militar, de que ele é Comandante Supremo. Esse diálogo é efectivo, já que a rejeição dos nomes propostos pode implicar e, no limite, obriga a novas propostas por parte da instituição militar. No sistema proposto, o Governo corta a ligação do Presidente da República à instituição militar no processo, reservando para si o papel de única fonte das propostas Mais: enquanto a lei actual explicita o que sucedia quando o Presidente da República recusava o nome proposto (e um dos efeitos explicitado é que esse nome não podia ser de novo proposto), essa referência é «apagada» da proposta, abrindo-se campo para a conflitualidade e provocação institucional, assim como para os bloqueamentos que, na exposição de motivos, farisaicamente, o Governo diz querer evitar.
Também quanto às competências específicas do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e dos chefes militares, a proposta consuma novos cortes, em geral em benefício directo do Ministro da Defesa Nacional.
É assim que o Ministro da Defesa Nacional passa a ser, ele próprio, a nomear os comandantes operacionais colocados na dependência do CEMGFA, ou seja, passa a controlar o CEMGFA por cima e por baixo.
É assim que, quanto ao Presidente do Supremo Tribunal Militar, comandantes chefes e comandantes ou representantes militares de Portugal nas organizações internacionais, a competência, que era do Presidente da República por proposta do Conselho Superior de Defesa Nacional tomada por iniciativa do CEMGFA (que obviamente propunha ao CSDN o nome respectivo), passa agora a ser de proposta do Governo, cabendo ao CEMGFA «(...) solicitar ao Governo, através do Ministro da Defesa Nacional, a proposta (..)». Solicitar?!
É assim que uma série de nomeações que, com base na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, competiam aos chefes de estado-maior dos ramos passaram para a competência do Ministro da Defesa Nacional, incluindo o comandante naval e comandantes operacionais das Forças Armadas terrestres e da Força Aérea, directores dos institutos superiores e comandantes das academias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados. Da nossa parte, rejeitamos esta governamentalização das Forças Armadas e, por isso, votámos contra na generalidade, assim como votámos contra na especialidade e em votação final global.
O Deputado do PCP, João Amaral.
O PCP manteve, em votação final global, a mesma posição de voto contra que teve em sede de generalidade, porque as alterações introduzidas na votação na especialidade não modificaram a natureza restritiva da proposta de lei n.º 89/VI.
De facto, do ponto de vista dos militares, não se alteraram as duas graves restrições que o Governo pretendia.
A primeira é que só pode haver queixa depois de esgotada a via hierárquica (artigo 2.º, n.º 1) ou, não havendo lugar a recurso hierárquico, é «inventada» uma nova obrigação, a de comunicar ao Chefe de Estado Maior respectivo, comunicação que na prática configura uma nova instância de recurso (artigo 2.º, n.º 3). Em qualquer dos casos, trata-se de uma clara e frontal restrição ao regime do direito de queixa previsto no artigo 23.º da Constituição.
A segunda é que as queixas não podem versar sobre matéria classificada (e sabe-se com que facilidade pode ser aplicada a classificação de segurança) nem sobre matéria operacional (entendida como um critério tão vago e tão amplo que inclui expressamente toda a matéria que tenha por objecto o sistema de forças ou o dispositivo das forças de segurança (cfr. artigo 3.º). Trata-se aqui de uma brutal restrição do conteúdo do direito de queixa, claramente desproporcionada e, por isso, inaceitável