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16 DE JUNHO DE 1995 2861

quis tomar nas suas mãos, numa cumplicidade que estranha e ciclicamente se repete. Que afinal se sabia de há muito existir. Ninguém cuida de averiguar, mas tão só o Governo e o Ministro benévolo sempre, mas sempre, justificar.
Foi de noite e, uma vez mais, não foi numa noite qualquer. Mas na noite de um dia que, durante anos no Portugal que a desmemoria tenta apagar, foi da raça chamado, e que afinal se sabia de há muito que, mais do que inofensivo e caricato registo passado de uns, é ainda referência que permanece preocupantemente assinalada por outros.
Foi de noite. E uma vez mais ficou provado, afinal, o que provado já estava. Que o racismo e a xenofobia não são ficção Vivem, manifestam-se, já não de modo submerso, mas marcando violentamente o quotidiano, através da intolerância, da marginalização, da violência, da agressão e da morte. Profanando túmulos, perseguindo imigrantes. Espancando refugiados, africanos, ciganos, estrangeiros, marcados pelo estigma único da diferença. A diferença da cor, da raça, da religião, da cultura, do país. Um estigma que os obriga a viver acossados pelo medo da violência.
Uma violência cuja expressão se não pode, de modo simplista, reduzir ou circunscrever aquilo que é a soa face visível mais odiosa - os skin heads -, mas que está presente de forma mais ou menos subtil nas instituições aos mais diversos níveis, nos empregos, nas escolas, nos clubes desportivos, nas próprias forças de segurança e em todas as esferas da vida da sociedade portuguesa.
Uma violência que mergulha na crise profunda que abala o planeta, que se alimenta dos desequilíbrios regionais e sociais, da ruptura ecológica, responsável pelo êxodo de povos que condenados à desertificação, à fome e à opressão, buscaram e buscam noutras latitudes a sobrevivência, o abrigo e, não raro, a liberdade que agora se lhes fecha.
Uma violência que da insegurança, do desemprego, da incerteza quanto ao futuro faz bandeira para bramir, não contra as causas da crise, que ignora, antes para agitar primariamente contra os mais indefesos, aqueles que, porque diferentes, porque não normalizados, se tornam presa fácil e bode expiatório para todos os males.
Uma violência que também agora não surge como fenómeno isolado. Um acto desgarrado. Um desvario sem nexo Um acaso ou mesmo um mero caso de polícia, como porventura alguns com ligeireza julgam poder considerar-se Mas um fenómeno de violência mais global, mais complexo, mais inquietante de uma sociedade em que, como tantas vezes nesta Assembleia tivemos oportunidade de alertar, se não preveniu antes deixou que as sementes de intolerância lançadas germinassem.
Uma intolerância racista que, cada vez mais tentacular, se enraíza, movimenta, ganha novos espaços, insuspeitos aliados e adquire novos ímpetos.
Um fenómeno que não é linear. Mas que coro outros se cruzam, favorecendo terreno à acção de movimentos violentos e à sua instrumentalização. Fenómenos a que não são estranhos um conjunto de factores como a grave situação económica e o consequente desemprego; os desequilíbrios demográficos; o desenraizamento de largos sectores da população; a urbanização caótica; a degradação ambiental; a desumanização do quotidiano; o aumento da marginalização e da marginalidade; o sentimento de insegurança e mal estar generalizados, mas particularmente instalado nos mais jovens face a uma sociedade ;cada vez mais agressiva, desumana e competitiva; a ausência de perspectivas quanto ao futuro, o colapso do sistema educativo, e a falta de conhecimento e valorização das diferentes culturas e de uma pedagogia para a tolerância e a paz; a banalização da violência nos órgãos de comunicação social e também a propaganda a que, sibilina e crescentemente, organizações, partidos e poderes públicos fazem uso ao considerarem os imigrantes como uma ameaça nacional.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados - Os graves incidentes registados no Bairro Alto, no passado fim de semana, que se saldaram pelo assassinato de um cidadão e a perda de uma vida, mais uma vida a juntar a tantas outras, não podem ficar esquecidos. Ser com ligeireza tratados. Arquivados friamente como se de uma rixa qualquer, mais uma entre bandos, cinicamente se tratasse.
Não podem tão pouco ser reduzidos a mero exemplo da falta de resposta, incapacidade e colapso das forças de segurança que a desastrosa reestruturação imposta só veio acentuar. Não podem, muito menos, ficar-se pela mera condenação fortuita para alívio de consciências, pelas solidariedades de circunstância, pela hipocrisia de declarações de princípios tão vagas quanto inúteis.
Os graves incidentes do Bairro Alto exigem do Governo que se confronte com a realidade monstruosa que ajudou a criar. Uma realidade que nestes anos, nós Os Verdes, tantas vezes aqui suscitámos para reflexão, alertando e tentando fazer compreender que era mais importante prevenir do que remediar. Um combate que o Governo não só teimou recusar, como ele próprio contrariou ao adoptar sistematicamente um discurso oficial xenófobo que procura identificar os grupos étnicos como a origem dos males sociais em Portugal. Um estímulo que seguramente não é indiferente à situação hoje criada e para a qual contribuíram objectivamente, de algum modo, também a impunidade com que os protagonistas de múltiplos atentados, agressões e violações contra as várias comunidades residentes no nosso país tem, com ligeireza, sido tratados.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O racismo não e de ontem, é de hoje, de sempre e o seu combate não pode continuar adiado Exige uma estratégia para a igualdade, para a inserção social, respeitadora da identidade e diversidade cultural de cada comunidade. Exige mudanças sociais, mas também de mentalidade e uma nova atitude cultural. Mas é uma lula que não pode ser feita de abstracções, nem de meras boas vontades. Obriga a uma acção determinada do poder, do Governo uma acção coerente com os princípios de solidariedade de que se pretende fazer apanágio.
O anti-racismo não é um estado de alma. Exige que se condene sem tibiezas a organização e actividades de grupos racistas e neo-nazis que da violência fazem uso contra os mais marginalizados Exige que se recusem pactos de silêncio sobre as constantes violações de direitos humanos de alguns elementos das forças policiais contra imigrantes. Mas exige sobretudo uma política, até hoje totalmente ausente, de consagração dos direitos das minorias e de integração das comunidades de imigrantes. Uma política que favoreça a sua integração harmoniosa; que consagre os seus direitos culturais; que estimule, através de uma escola multicultural, o conhecimento e a valorização das diferentes culturas e permita o sucesso escolar das novas gerações de imigrantes; que garanta o direito à habitação e ponha fim ao apartheid social; que assegure o direito de participação das organizações representativas dos imigrantes nas políticas que lhes respeitem e que, naturalmente, não pode consentir que imigrantes em situação irregular, isto é, amputados dos seus mais elementares direitos, entre nós possam continuar a viver.