O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

16 DE JUNHO DE 1995 2885

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Programa deste Governo reconhecia como primeira prioridade a necessidade da aprovação de uma lei de bases do ordenamento do território que enquadrasse a gestão e a utilização do solo, assegurando a articulação das políticas sectoriais e a participação dos cidadãos no processo de decisão.
É, no entanto, apenas a poucos meses do seu termo que o Governo vem solicitar à Assembleia da República uma autorização para legislar nesta matéria.
Se a Legislatura terminar com a aprovação do projecto de lei de bases, o próximo executivo será enquadrado num ordenamento jurídico a que o actual Governo se eximiu no decurso do seu mandato, quando não cumpriu atempadamente o seu Programa. Este facto não assumiria uma grande gravidade se o sistema de planeamento urbanístico desenhado pelo Governo reunisse um confortável consenso. Mas não é o caso! Os únicos que tiveram acesso ao documento e que puderam fazer uma reunião' sobre o assunto, distribuíram pareceres aos grupos parlamentares dizendo que a proposta está mal redigida nos: Seus dispositivos, muito provavelmente desajustada da realidade a que se refere, sem suporte visível em qualquer trabalho de índole científica. Diz também, já no seu teor, que "agrava a probabilidade de rejeição social do sistema de planeamento que deseja consolidar"
Portanto, é óbvio que isto demonstra que seria necessária uma discussão pública sobre este assunto, o que não aconteceu, uma vez que nem sequer foi pedido um parecer à Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
Para além disso, qualquer diploma destinado a definir princípios que regem o uso do solo e sua transformação urbanística terá obrigatoriamente uma profunda repercussão social, na medida em que afecta directamente o estatuto da propriedade, interfere no exercício de direitos fundamentais dos cidadãos e condiciona a qualidade de vida e o meio em que vivemos.
A seriedade e a prudência exigíveis a um governo da República aconselharia que a aprovação de uma lei de bases do ordenamento do território fosse precedida de um amplo debate público por forma a reforçar a sua legitimidade, a sua compreensão e a garantir a sua aplicabilidade efectiva.
Neste caso, o Governo não só não enviou à Assembleia da República o texto da lei que pretende aprovar como não solicitou parecer nem à Associação Nacional .dos Municípios Portugueses, nem às associações profissionais, nem aos agentes da sociedade civil ou da Administração do Estado que aplicam as leis respeitantes ao ordenamento do território e à gestão do uso do solo.
Trata-se de uma verdadeira lei clandestina...

O Sr Manuel Moreira (PSD): - Que exagero, Sr.ª Deputada!

A Oradora: - ... que o Governo tenta impor sem .sequer assumir o seu conteúdo e, sobretudo, sem ousar iniciar qualquer debate público.
Aliás, o semanário O Independente vem informando, semana após semana, das dificuldades que os sucessivos projectos de lei apresentados sobre a matéria pelo Sr. Secretário de Estado têm tido nos Conselhos de secretários de Estado.
Soubemos, assim, na semana passada, que o Sr. Secretário de Estado teria desistido da obrigatoriedade de edificar. Não sei se é verdade?!

O Sr. Manuel Moreira (PSD)- - E a Sr.ª Deputada tem assistido às reuniões?!

A Oradora: - Tivemos, no entanto, confirmação por este meio de que os terrenos urbanizáveis passavam a pagar contribuição autárquica como urbanos, impondo-se em consequência o aumento do seu valor matricial O que, de facto, interessa a muitas centenas de milhares de portugueses que gostariam de saber se é ou não verdade o que o Governo quer aprovar, porque o Governo não trouxe aqui a lei.

O Sr. Júlio Henriques (PS): - O Sr. Ministro vai explicar!...

A Oradora: - Só a Sociedade Portuguesa de Urbanistas teve a honra de dispor de uma versão do projecto de lei, que todos fotocopiaram à sucapa, e na base da qual se realizou um debate em que participaram cerca de 40 técnicos. Os tais que deram este parecer negativo Foram os únicos que leram. É tão mau que o Governo nem ousa mostrar!
Todos criticaram o texto a que tiveram acesso, mas ninguém sabe se o mesmo corresponde exactamente ao projecto para o qual o Governo pretende obter a autorização legislativa.
A inexistência de debate público, a incerteza face ao que se pretende instituir, a instabilidade do sistema de planeamento ainda em curso de aprovação (uma vez que a lei dos planos especiais parece que já foi aprovada pelo Conselho de Ministros - que não tem acta e, portanto, não sabemos que se é verdade ou não -, mas ainda não foi publicada), reduzem a legitimidade de um Governo em fim de mandato para aprovar uma lei enquadradora, que obviamente não terá possibilidade de regulamentar nem de implementar. Pode, portanto, prever coisas completamen-te irrealistas, porque não as vai de certeza aplicar.
Pelo que acima se expõe e que define o processo adoptado, a Assembleia deveria rejeitar a autorização legislativa solicitada pelo Governo.
É verdade que em Portugal as leis sobre urbanismo e construção são muito recentes Não esqueçamos que só em 1951 e 1965 foram instituídas as primeiras regras enquadradoras ao direito de construir e de urbanizar, associadas, na altura, a uma prática autoritária e discricionária de planeamento que primava pela não publicação das próprias regras urbanísticas fixadas pelo Governo. Aliás, este Governo teve agora, por este motivo, que publicar os decretos de mil novecentos e cinquenta e tal, que era para, pelo menos, estarem escritos em texto de lei, depois de os ter tentado aplicar sem os publicar!
A primeira reforma global das leis de urbanismo, que ocorreu na década de 70, foi constituída por um conjunto de diplomas avulso, regulamentando em 1970 o regime dos solos e o licenciamento de obras particulares, em 1971 o planeamento urbanístico e em 1973 as operações de loteamento, sem que tivesse sido previamente aprovada qualquer lei enquadradora ou posteriormente publicado o código de urbanismo, de que muito se falou mas que nunca foi feito.
Na prática, o que é que se passou? A explosão urbana teve, então, lugar e demonstrou, por um lado, a ineficiência dos processos de planeamento para o urbanismo legal e, por outro, a proliferação de bairros clandestinos.