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540 I SÉRIE - NUMERO 15

dificuldades e até com situações muito complexas e delicadas.

Estais conscientes, certamente, da sensível situação política que se vive na nossa região, e concordo com a hipótese de que esta situação terá implicações para além dos limites dessa área. No desempenho do meu cargo como Presidente do Parlamento, restrinjo-me e pouco expresso os meus pareceres sobre problemas políticos, mesmo quando tenho uma firme opinião acerca deles. Apesar disso, permito-me e, até mesmo, obrigo-me a prometer-vos: Israel fará tudo o que estiver ao seu alcance para promover a paz na região e continuar os processos iniciados pelo governo anterior. Não há povo que mais almeje a paz do que o nosso. Acreditem que quem passou por um holocausto como o sofrido pelo povo judeu, quem passou pelo processo sofrido pelos «marranos», que nós recordamos hoje, só quem passou por tudo isso sabe valorizar o sossego, a tranquilidade e a vida calma. Será concebível que tenhamos de viver para sempre pela força da espada?
Perante estas circunstâncias, não temos em quem nos apoiar na nossa região e apenas podemos confiar em nós próprios. Ao lado do desejo de paz, somos obrigados a preocuparmo-nos com a nossa segurança e sobrevivência, pois não temos um outro Estado. Também não temos um outro lugar no mundo no qual pudéssemos erguer um Estado para os judeus. É portanto nosso dever preocuparmo-nos e cuidarmos da nossa segurança.
Sou optimista e creio que a paz poderá realmente vir a ser alcançada, a par do sentimento de segurança que tanto nos é necessário.
Sr. Presidente, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Estou ciente dos grandes esforços que foram necessários para organizar um evento solene como este. Honro e tenho apreço pela iniciativa do Presidente da Assembleia da República, Dr. Almeida Santos, em convocar esta sessão extraordinária, sob os auspícios de S. Ex.ª o Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio. Quero agradecer os esforços do Presidente da Assembleia, dos Vice-Presidentes, dos líderes das bancadas e de todos os Membros do Parlamento pela hospitalidade que nos dispensaram nesta Casa, o bastião da democracia portuguesa.
Aproveito esta oportunidade para fazer um apelo a todos os povos, principalmente ao povo judaico e ao povo português. Unamo-nos, a fim de que acontecimentos como o que hoje assinalamos não se repitam. Honremos o nosso próximo e a sua crença, respeitemos a cultura do nosso próximo e os seus costumes, pois que só assim dias melhores e mais seguros serão alcançados para o mundo inteiro.
Agradeço encarecidamente, mais uma vez, a atenção que me foi dispensada e a honra concedida ao meu país e ao meu povo.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Por direito próprio, vai agora usar da palavra o Sr. Presidente da República.

O Sr. Presidente da República (Jorge Sampaio): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Presidente do Parlamento do Estado de Israel, por si e em representação do Presidente do Estado de Israel, Srs. Membros do Governo, Srs. Embaixadores, Ilustres Entidades e Autoridades Civis, Judiciais e Militares, Srs. Convidados Representantes da Comunidade Judaica em Portugal, Sr.ªs e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: No dia exacto em que se cumprem 500 anos sobre o decreto que expulsou os judeus de Portugal ou os obrigou à conversão, renegando a sua fé e as suas tradições, a Assembleia da República, sede da representação nacional, decidiu aprovar, por unanimidade, uma deliberação na qual se expressa um juízo moral claro sobre um facto da nossa História, ao mesmo tempo que são reiterados também claramente os princípios da tolerância e do universalismo em que nos reconhecemos.
Esta decisão, tomada em nome do povo português, assume um alto significado simbólico e tem um excepcional valor pedagógico. É como se, hoje, restituíssemos uma parte do que, há 500 anos, fora negado.
É certo que o passado não se anula, nem se reescreve - assume-se, esclarece-se, interpreta-se, narra-se. Mas também se avalia e se julga criticamente. A História é, afinal, isso mesmo: memória crítica, activa e vigilante.
Uma atitude científica moderna não significa neutralismo ético ou demissionismo moral, menos ainda se pode aceitar o negacionismo ou a mistificação intencional.
A História de um povo é memória viva e identidade consciencializada. Tem de ser assumida no que tem de melhor e de pior, de grandioso e de pequeno, no que representou de erro e de acerto. A História de Portugal tem períodos de glória e momentos condenáveis. Uns e outros a constituem, uns e outros formam a herança que recebemos, com a qual dialogamos criticamente e que nos identifica como Nação. O passado não prescreve e não há histórias isentas de erros graves ou funestos.
A expulsão dos judeus portugueses, quaisquer que sejam as razões que, na época, a possam ter motivado, foi um acto iníquo, com profundas e nefastas consequências na ordem moral e na ordem material.
Foi ainda injusta, pelo muito que devíamos a esses portugueses que também eram judeus. Iniciou um ciclo de violência e obscurantismo, cujas marcas perduraram; provocou sofrimentos sem conta, perdas, humilhações, ofensas; empobreceu-nos como povo, como país, como cultura, como vida colectiva. Essa noite da História
constituiu um acto contra nós próprios, contra a nossa identidade, contra a presença do outro nela, uma presença que sempre nos tornou maiores, nos acrescentou, nos abriu ao mundo, nos fez ir ao encontro do desconhecido e do diferente.
Esse gesto representou uma cedência a pressões exteriores, o sacrifício de sentimentos e princípios fundamentais, a renúncia ao melhor que éramos e tínhamos, em favor do calculismo estreito e imediato.
Antero de Quental, na conferência tão bela e tão lúcida em que analisa as «Causas da Decadência dos Povos Peninsulares», diz que a expulsão dos judeus e mouros teve proporções de «calamidade nacional».
E acrescenta, em terríveis palavras, que, desde então, «um terror invisível paira sobre a sociedade: a hipocrisia torna-se um vício nacional, a delação é uma virtude religiosa, a expulsão dos judeus e mouros empobrece as duas nações, paralisa o comércio e a indústria e dá um golpe mortal na agricultura (...)»
Quem não reconhece, ao longo da História e até em tempos não muito longínquos, a actualidade destas palavras, o eco destes avisos, os reflexos desta atitude mental?
É por isso que os actos com que lembramos esta data de trágica memória não se esgotam na pura evocação do que aconteceu. Olhamos o passado, mas como ensinamento