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536 I SÉRIE - NÚMERO 15

É por isso que consideramos lícito o apelo à memória de todos os actos e momentos em que esses valores foram postergados para, sem qualquer intuito autoflagelatório, assumirmos perante as gerações contemporâneas o firme propósito de tudo fazer para evitar que tais actos e momentos se repitam. Com estas ou outras vítimas e, sobretudo, com as mesmas motivações. Branquear a História em nome da boa consciência do peso da nossa tradição humanista ou do relativismo histórico-cultural dos grandes valores é um convite a caminhar de olhos fechados e coração empedernido nas estradas do presente e do futuro. Um presente e um futuro que pretendemos seja cada vez mais o de um reencontro dos povos e suas religiões ou convicções ideológicas na base dos valores da liberdade, da paz e da tolerância, num mundo infelizmente ainda ameaçado pelo recrudescer de fundamentalismos étnico-religiosos vários.
Porque se há uma lição a tirar do acto e do momento histórico que aqui hoje evocamos essa é, ainda e sempre, a do perigo que representa para a liberdade e a justiça o conúbio entre o Estado e qualquer religião ou Igreja na prossecução de interesses político-religiosos convergentes.
No caso evocado, aquilo que fora inicialmente uma medida do poder real ditada por objectivos políticos hegemónicos em breve se converteria num instrumento do poder clerical para aumentar os seus privilégios próprios pela exploração do fanatismo da plebe. E se, de início, D. Manuel I garantiu, pela lei de 30 de Maio de 1497, que não haveria «inquirições» sobre as práticas religiosas dos judeus conversos, durante 20 anos, e chegou a condenar à morte os responsáveis fradescos do primeiro massacre de cristãos-novos em 1506, já com o estabelecimento da Inquisição por D. João III, em 1536, foi dado livre curso à sanha persecutória em todo o império português. É a partir de então que se processa a fuga em grande escala de tantos e tantos cristãos-novos para França, Holanda, Itália, Inglaterra, Alemanha, África do Norte, Istambul. Será preciso esperar por Pombal para se pôr cobro à distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos e à exigência do documento da «limpeza do sangue» para o exercício de determinadas funções civis e eclesiásticas. E se aos
constituintes liberais de 1821 devemos a revogação do édito manuelino, na sequência da extinção do Tribunal de Santo Ofício, é só com a I República - não o esqueçamos - que é finalmente levantada a proibição de cultos públicos que não o católico.
Reconhecida pela Constituição de 1976 a inviolabilidade da liberdade de consciência, religião e culto, aguardamos agora a proposta de lei governamental que visa tomar mais efectivo e equitativo o exercício da liberdade religiosa pelas diversas confissões.
Minhas Senhoras, Meus Senhores: Herdeiros do que há de mais tolerante e progressista na tradição histórica portuguesa, é de consciência tranquila e até com orgulho que, como democratas, como republicanos e como socialistas, nos associamos a esta homenagem. Com ela pretendemos partilhar o reencontro simbólico não propriamente com uma comunidade estranha ou marginal mas com uma parte de nós próprios, uma parte integrante, de pleno direito histórico, do povo português, co-obreira - não o esqueçamos - da fundação do Reino de Portugal, no duplo esforço da reconquista e do povoamento do território, que D. Sancho I bem soube reconhecer quando considerava qualquer ofensa contra «os da Nação Hebraica» como praticada contra ele próprio. E como poderíamos ser hoje tanto mais cultos e prósperos se a tentação inquisitorial se não tivesse apossado de Portugal, levando à rejeição de uma comunidade que tanto e tão bem se distinguiu na vida económica e na vida cultural?
Daqui saudamos, pois, a comunidade judaica portuguesa, fazendo votos para que se intensifiquem os esforços de valorização do património histórico-cultural comum.
E daqui saudamos também o Presidente do Parlamento do Estado de Israel, fazendo votos para que o exemplo aqui dado de reencontro e cooperação de povos e cultura seja seguido por todos aqueles a quem cabe a pesada responsabilidade de levar a paz, a tolerância e o respeito pela autonomia e dignidade dos povos na martirizada terra da Palestina.

Aplausos do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegou o momento tão significativo da votação do projecto de deliberação n.º 32/VII - Saúda a reaproximação entre o povo judeu e o povo português, subscrito pelo Presidente e Vice-Presidentes da Assembleia da República e Presidentes dos Grupos Parlamentares.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Aplausos gerais, de pé.

Sr. Presidente da República, Sr. Presidente do Parlamento do Estado de Israel, por si e em representação do Presidente da República de Israel, Sr. Ministro da Presidência e da Defesa, por si e em representação do Primeiro-Ministro e demais membros do Governo.
Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e Tribunal Constitucional, Sr. Procurador-Geral da República, Sr. Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Srs. Deputados, Srs. Representantes do Corpo Diplomático, demais Autoridades Civis e Militares, Ilustres Membros da Comunidade Judaica, Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Sr. Presidente da República, que as minhas primeiras palavras sejam para realçar e agradecer a presença de V. Ex.ªs neste acto jubiloso de reaproximação entre os povos judeu e português.
A história das nossas relações não foi linear. A memória dos nossos encontros históricos não foi sem mácula.
A harmonização dos nossos sentimentos recíprocos não foi sem dor.
Mas é exactamente por ter sido assim que, para Portugal - aqui representado por V. Ex.ª - e para o colectivo do povo português, aqui personificado pela Assembleia dos seus representantes, este acto se reveste do alto desígnio de uma reaproximação mutuamente desejada, tão impregnado de simbolismo como carregado de memória.
Sr. Presidente do Parlamento do Estado de Israel, encontra-se V. Ex.ª entre nós na dupla qualidade de Presidente do Knesset e de representante do. Presidente do Estado de Israel, logo de representante do povo e do Estado de Israel.
É para nós suprema honra que tenha acedido a tomar assento na Mesa desta Assembleia e perante ela usar da palavra. É este o acto de mais alto significado político e o momento mais solene de um conjunto de cerimónias evocativas que se desenrola por vários dias, e em diversos lugares, com significado religioso, político, memorialista e cultural.
A comissão organizativa desse vasto programa não foi avara a medir em eventos de alto simbolismo o significado do que se trata de memorar.