532 I SÉRIE - NUMERO 15
A Constituição da República Portuguesa proíbe hoje, com a dignidade de um princípio fundamental, qualquer forma de discriminação fundada em razões de raça, religião, convicções políticas ou ideológicas e garante a todos a inviolabilidade da liberdade de consciência, de religião e de culto.
Através do seu então Presidente, Dr. Mário Soares, a República Portuguesa, numa atitude que fez caminho nas relações internacionais, de passo que reconheceu que a História se assume inteira, no que tem de honroso e no que tem de condenável, pediu perdão ao povo judeu pelas humilhações e os sofrimentos que lhe infligiram os actos de conversão forçada e expulsão.
A República Portuguesa mantém, na base dos preceitos constitucionais aplicáveis e de sentimentos recíprocos, relações de cooperação e amizade com o Estado de Israel - consagração de um sonho milenar do povo judeu -, partilhando com este um anseio universal de justiça e de paz.
E em Portugal vive hoje uma importante e estimável comunidade judaica, política e socialmente integrada, que, não obstante, preserva uma profunda e assumida identidade própria.
Nestas circunstâncias, a Assembleia da República, em sessão plenária de 5 de Dezembro de 1996, convocada expressamente com esse objectivo, e com a presença do Presidente da República, do Presidente do Parlamento do Estado de Israel e de representantes da comunidade judaica, deliberou por unanimidade e aclamação:
Primeiro, saudar a reaproximação de povos, culturas e civilizações que o fundo de apreço recíproco entre o povo judeu e o povo português salvaguardou através dos séculos, ultrapassando os agravos causados pelo Édito de 5 de Dezembro de 1496; segundo, saudar a decisão dos Constituintes de 1820, revogando o édito e abrindo à sociedade portuguesa os caminhos da liberdade e da tolerância religiosa, tão gravemente postas em causa pelo édito e, após ele, pela Inquisição; terceiro, interpretar a vontade e o sentir do povo português, na afirmação do desejo de que sejam reforçados os laços de amizade, respeito mútuo e cooperação em todos os domínios entre o Estado e o povo de Israel e o Estado e o povo de Portugal; quarto, afirmar o propósito e o desejo de preservar, estudar e divulgar os documentos e testemunhos da presença e da vida da comunidade judaica no espaço português e formular, nesse sentido, um apelo à comunidade científica; quinto, saudar o ilustre Presidente do Parlamento do Estado de Israel e todo o povo judeu, onde quer que se encontre, com uma especial palavra de apreço para a comunidade judaica residente em Portugal.
É meu privilégio dar agora a palavra, para uma primeira intervenção, à representante do Partido Ecologista Os Verdes, Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Presidente do Parlamento de Israel, Srs. Membros do Governo.
Ex.mos. Convidados e Representantes da Comunidade Judaica em Portugal, Sr.ªs e Srs. Deputados:
Diz o ditado popular que «mais vale prevenir do que remediar» e é com esta sabedoria tão cara aos ecologistas que hoje, aqui e agora, a reflexão em torno da expulsão dos judeus de Portugal importa fazer-se.
Assinalar um acontecimento trágico não para expiar inúteis e tardios sentimentos de culpa, que a nada conduzem. Assinalar um acontecimento trágico não para
celebrar um qualquer ritual litúrgico, que este não seria o local. Tão pouco assinalar um acontecimento trágico para julgar um passado que, porventura, não é este o momento de julgar. Mas assinalar num Parlamento, em liberdade, 500 anos depois da trágica expulsão de judeus em Portugal, reunindo pessoas de tão diferentes convicções políticas, filosóficas, religiosas e culturais, para lembrar o que não deve ser esquecido. Porque os povos que esquecem a sua
História estão fadados a vivê-la outra vez!
Lembrar a História de um povo que soube, é certo, dar contributos inovadores para a experimentação, a ciência, o conhecimento do planeta, a aproximação de povos e culturas. Que soube antecipar-se na abolição da odiosa pena de morte. Que foi berço de um homem que arriscou a sua vida para salvar milhares de outros perseguidos pelo nazismo. Que foi capaz da generosidade de uma revolução
feita de cravos.
Mas lembrar a História de um mesmo povo em que a cruz, demasiadas vezes, benzeu por caminhos sangrentos. Em que em nome da fé se violaram consciências. Em que pelo terror se forçaram conversões.
Um país onde fanática, obscurantista, intolerante e brutal, uma tenebrosa Inquisição durante anos ferozmente silenciou. Um país que desprezou o supremo valor da vida e violou os mais elementares direitos, sujeitando seres
humanos à escravatura. Ao colonialismo. Fomentando o ódio. O racismo e a xenofobia.
Um país que hoje, em nome do direito à memória, não deve fugir ao seu passado mas deve, sobretudo, em nome dessa mesma memória, saber aprender com os seus
próprios erros para que eles jamais se possam repetir no futuro.
Um futuro em que é preciso aprender a vencer o medo da diferença, a deixar de temer o confronto de olhares, a não recear o outro, o desconhecido.
Um futuro em que é preciso compreender que, mais do que o reconhecimento das diferentes identidades culturais, religiosas, étnicas ou sociais, há que respeitá-las e permitir a sua livre expressão.
Um futuro em que é preciso compreender que a diversidade nos seres humanos, tal como na Natureza de que somos parte integrante, constitui não um elemento de
divisão mas de equilíbrio fundamental para a própria vida.
Um futuro em que é preciso entender que é precisamente nessa diversidade e nessa pluralidade cultural, natural, étnica e religiosa que a Humanidade se enriquece,
acrescenta, transcende e adquire a sua riqueza maior que, como um valioso património comum, é forçoso preservar.
Um património hoje ameaçado na Europa e no Planeta, perante velhos fantasmas que de novo se agitam. Sem fronteiras. Provando que a intolerância, o racismo, a
violência e a guerra existem. Alastram. Não são ficções, muito menos coisas do passado. São uma realidade do presente que, inquietantemente, ganha novos contornos e raízes na profunda crise que abala o Planeta.
Uma crise gerada e alimentada pelos graves desequilíbrios entre povos e regiões, pelo desemprego, pela injusta desigualdade nas trocas, pela ruptura ecológica e pela constante ameaça da guerra, responsáveis, uma e outra, pelo êxodo de milhares de crianças, idosos e mulheres que, condenados à desertificação, à fome ou à repressão, buscam noutras latitudes a sobrevivência, o abrigo e, não raro, a própria liberdade.
Uma crise civilizacional aquela com que nos confrontamos, mas que é imperioso ultrapassar já que dela