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6 DE DEZEMBRO DE 1996 535

daquilo que sucessivas gerações de portugueses consideraram um calamitoso erro não pode deixar de se ver como um acto público de arrependimento. Mas todo o arrependimento, para ser consequente, deve encerrar em si propósitos de emenda e abjuração do erro cometido.
Assim é, de facto, a intenção que aqui nos traz para aprovarmos uma deliberação solene, em cujas alíneas se condenam as acções passadas e se historiam as razões do arrependimento dos portugueses pelas atitudes assumidas.
A nossa Constituição é o garante dos propósitos actuais do povo português de não aceitar discriminações, perseguições e exclusões e de, por todos os meios, defender os direitos do homem. Arrependidos, os portugueses, através dos seus representantes legítimos, aproveitam esta ocasião para reafirmarem as suas intenções de prosseguirem os caminhos da convivência pacífica com aqueles que não pensam como nós e para, conjuntamente com os outros povos, procurarmos os caminhos e os laços de solidariedade que cimentem uma autêntica humanidade.
Quando, a 5 de Dezembro de 1496, há cinco séculos, o rei Manuel I de Portugal assinava o édito de expulsão dos judeus do território nacional cortava com a tradição passada de uma convivência relativamente pacífica entre duas culturas e duas religiões. Fazia-o, invocando profundas razões de Estado mas abria na sociedade portuguesa um dos mais profundos sulcos de discórdia e de divisão.
Ao acabar formalmente com a possibilidade da existência entre os portugueses de seguidores de outra religião que não o cristianismo na sua forma considerada pura, o catolicismo, abria caminho a perseguições e a injustiças indizíveis. O Tribunal da Inquisição, nascido na sequência desse acto, no reinado posterior, iria de tal forma impor-se na sociedade portuguesa, abafando a procura da modernidade, perseguindo aqueles que se levantavam contra a prepotência do Estado e deformando as mentalidades, que muitos o consideram a mais nefasta das instituições, não só pelos seus crimes mas, sobretudo, pela castração cultural que impôs a um povo ao longo de três séculos.
Podemos dizer que sofremos, nós próprios, o castigo dos nossos actos como povo, ao sermos privados, por todo esse tempo, do melhor da nossa inteligência e que, ao expulsarmos e perseguirmos todos aqueles que, tendo conseguido escapar às malhas inquisitoriais, foram com o seu talento e trabalho enriquecer outros países e outras culturas, estávamos a ser fortemente punidos. São os estigmas da nossa obstinação.
Só lentamente a sociedade portuguesa se regenerou do erro fatal de ter mantido activo o Tribunal da Inquisição e de não ter deixado florescer livremente no seu seio aquelas premissas de humanismo e compreensão por um mundo novo que os portugueses revelavam. Uma cultura que oscilou entre a vontade de conviver e de compreender o outro como diferente e a teimosia de tudo reduzir à nossa
Mundovidência são interessantes temas de meditação, mas decerto insuficientes para nos livrarmos do pesado sentimento de culpa.
Orgulho-me de pertencer a uma terra, os Açores, que, no século XIX, albergou uma comunidade judaica, numerosa e profícua, que lentamente se entrecruzou com os portugueses ao ponto de vir a ser exemplo de portugalidade e de universalismo. Invocarei os membros da família Bensaúde, que souberam dar bem o exemplo de como se pode continuar a ser judeu e contribuir para o engrandecimento da Pátria que se escolheu. De entre todos, para o meu propósito, destacarei Joaquim Bensaúde, o sábio e entusiasta da ciência náutica portuguesa que defendeu o nome de Portugal na Europa e no Mundo e que, permanecendo judeu, nunca deixou de se considerar e de ser considerado pelos seus concidadãos como um português dos melhores.
Mas quantos anónimos, não só judeus, trabalharam e trabalham, sofreram e sofrem para nos ajudar a construir uma sociedade respeitadora da diferença e com sincero gosto pelo diálogo e pela compreensão. A eles deve Portugal um grande contributo de regeneração do mau caminho iniciado no nefando ano de 1496.
Mas por tudo isto Portugal encontra-se hoje num lugar privilegiado para compreender os sofrimentos passados do povo judaico e para com ele se congratular por ter finalmente reencontrado o seu caminho na construção do seu Estado, ao regressar à terra bíblica da sua morada.
Por lhe reconhecermos grandes capacidades de sobrevivência e de organização, dele esperamos que na sua terra dê exemplo vivo de repudiar aquilo que justissimamente condenou aos seus perseguidores e que procure, incessantemente e com convicção, os caminhos da paz e da convivência com os seus vizinhos, dando ao Mundo o exemplo da tolerância que tantas vezes lhe foi negada.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tenho agora o privilégio de dar a palavra ao representante do Partido Socialista, Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Presidente do Parlamento do Estado de Israel, Srs. Membros do Governo, Srs. Representantes da comunidade judaica em Portugal, Ilustres Convidados, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: É com profunda satisfação que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista dá o seu apoio à deliberação com que a Assembleia da República, evocando o 5.º centenário do édito da expulsão dos judeus de Portugal, pretende prestar homenagem a todos aqueles que foram vítimas de uma medida injusta e iníqua e reiterar do mesmo passo a determinação do povo português aqui representado de se opor a quaisquer formas de discriminação e perseguição religiosas.
Satisfação tanto maior quanto vemos hoje também superados os equívocos, as incompreensões e mesmo a estranha argumentação que, nesta mesma Casa, levaram à rejeição do voto, que apresentámos em 31 de Março de 1992, de condenação das discriminações da Inquisição e do édito de D. Manuel, por ocasião do 5.º centenário do decreto de Isabel a Católica que expulsava os judeus de Espanha.

Não partilhamos, com efeito, a concepção relativista da História que leva alguns a justificar todo e qualquer acto injusto e persecutório à luz dos condicionalismos mentais de um tempo, um espaço e uma cultura determinadas. Pelo contrário, acreditamos em valores universais de justiça, tolerância e liberdade que, independentemente do modo concreto como foram praticados, sempre tiveram os seus defensores ao longo da História. Tal como, aliás, no caso em apreço, o próprio Bispo de Silves, Dom Jerónimo Osório, contemporâneo de D. Manuel, que não hesitou em qualificar de «injusta» e «iníqua» a ordem de conversão
forçada dos judeus.