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6 DE DEZEMBRO DE 1996 539

É meu privilégio conceder a palavra ao Sr. Presidente do Parlamento do Estado de Israel, que aqui também representa o próprio Presidente do Estado de Israel.

Tem a palavra, Sr. Presidente.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente do Parlamento do Estado de Israel

(Dan Tichon): - S. Ex.ª o Presidente da República, S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, SS. Ex.ªs os Srs. Membros do Governo, SS. Ex.ªs os Srs. Deputados à Assembleia da República, Ex.mos. Srs. convidados e Representantes da Comunidade Judaica em Portugal, Senhoras e Senhores: Está perante VV. Ex.ªs um judeu da terra de Israel, um representante do Estado de Israel, livre e independente. Mas eu não me encontro aqui sozinho, nem sou o seu único representante. A meu lado estão milhares de judeus, vítimas da Inquisição. As suas almas acompanham-me hoje e perguntam a razão do ocorrido há 500 anos atrás, aqui e não somente aqui.
Encontro-me aqui como um continuador do caminho dos chamados «marranos» ou «cristãos novos», como o cumpridor do seu testamento: conservar a religião e a tradição judaicas, apesar de todas as dificuldades e sacrifícios.
Gostaria de começar por agradecer a V. Ex.ª pela honra com que me agraciaram, a de discursar perante a Assembleia da República de Portugal e, por seu intermédio, perante todos os cidadãos do vosso país.
A honra não me foi concedida a mim, pessoalmente.
Esta é uma honra conferida ao Estado de Israel e, sendo eu o seu representante, sou porta-voz de cinco milhões e meio de cidadãos do Estado de Israel, sendo também em nome de todos eles que hoje vos agradeço.
No próximo fim-de-semana comemorará o povo judeu, em todas as partes do mundo a festa de Chanuká. Na festa de Chanuká, há 500 anos atrás, não foi um milagre o que aconteceu aos judeus de Portugal, como o milagre que havia acontecido aos judeus alguns milhares de anos antes, pois que, há 500 anos atrás, promulgou
el-rei D. Manuel I, soberano de Portugal, um decreto que ordenava a todos os judeus que abandonassem os seus lares e o seu país ou que, em vez disso, se convertessem. Mais uma vez, e exactamente num país considerado como hospitaleiro aos judeus, estes foram obrigados a pegar na vara errante e a partir para o exílio.
E eis que hoje está perante vós um representante daquele mesmo povo judeu, desta vez preenchendo o cargo de Presidente do Parlamento do Estado Judeu, independente e soberano. Porventura, há 500 anos atrás, algum judeu teria sonhado que tal pudesse vir a acontecer?
Temo que, mesmo há 100 anos que fossem, tal seria visto de uma forma um tanto ou quanto fictícia.
Encontro-me hoje aqui, perante vós, um tanto perplexo.
Perplexo, porque não estou certo do que sinto. Amargura pelo que foi feito à gente, do meu povo? Vontade de não esquecer no presente o que ocorreu no passado? Ou deverei antes manifestar-me assim: reconciliemo-nos e vivamos em paz? Todos estes sentimentos se misturam na minha mente e é humano que vós tenteis compreender esta perplexidade.
A expulsão dos judeus da Península Ibérica pôs termo à presença judaica nesta península, presença que floresceu durante 1500 anos, sob o domínio dos cristãos e dos muçulmanos. O florescimento cultural foi interrompido, e nomes como Baruch Spinoza, Menashe Ben-Israel, Uriel DaCosta e outros desapareceram da paisagem cultural portuguesa.
Contudo, e em consequência da dispersão destas famílias em países europeus mediterrâneos e americanos, floresceu um sistema bancário internacional, o comércio e também a cultura, e da contribuição dos judeus oriundos de Portugal tiraram proveito os cidadãos franceses, holandeses, alemães, os súbditos do Império Otomano e mais tarde os cidadãos do Brasil e de outros países das Américas e da Ásia.
Mas não escondamos a realidade: a expulsão concorreu para uma crise de identidade profunda no seio do judaísmo.
Causou um florescimento das correntes místicas no judaísmo, por um lado, e uma vontade de fortalecer o sentimento judaico, por outro. Assim foi criada uma ligação entre os judeus cognominados de «cristãos novos» e o judaísmo nos países europeus e, em conjunto, também foi criado o «novo judeu», exemplificado na figura de Baruch Spinoza.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Parlamento: A história dos chamados «marranos» ou «cristãos novos» representa em Israel um exemplo de heroísmo e de lealdade, no sacrifício de vidas como mártires da fé. No decorrer destes 500 anos, a história dos «marranos» é contada de pais para filhos. Mas somente hoje, postado perante este lugar, perante esta terra, sinto uma emoção verdadeira, e quanto mais profundo o sentimento, tanto maior a incompreensão: como teria sido possível forçar milhares de cidadãos, cujo único pecado residia na religião que professavam, a converterem-se. E não apenas isso, mas ainda torturá-los, submetê-los a humilhações, «relaxá-los» aos autos de fé.
Poderá, porventura, um homem do nosso século entender semelhantes factos? Sim, eu sei, 450 anos mais tarde vimos que se pode chegar bem mais no fundo, naqueles dias obscuros que se abateram sobre a Europa, exterminando o judaísmo aí existente.
Tenho consciência, Sr. Presidente, de que a promulgação do édito de expulsão não foi unânime. Mesmo dentro das paredes do palácio real surgiam muitas divergências.
É difícil hoje abstrairmo-nos da contribuição dos judeus de Portugal, que representavam então, segundo alguns historiadores, a quinta parte da população do país. Sei que alguns queriam abrandar a gravidade da resolução e até mesmo dificultar a sua concretização. Mas até aqueles não conseguiram amenizar a mão implacável do Santo Ofício, cujos desideratos continuam a ser hoje muito difíceis de entender. Será que foi só a crença cega de que o judeu é a razão de todas as agruras do mundo? Sinto dificuldade em acreditar nisso, pois que entre os clérigos de então havia também homens cultos e intelectuais, e ainda assim a desgraça não conseguiu ser evitada.
Ressalto hoje estes acontecimentos. Minhas Senhoras e Meus Senhores, porque no meu coração há um forte temor de que nem todas as raízes da intolerância e do anti-semitismo tenham sido extraídas e exterminadas por completo. Em certos lugares do mundo, particularmente na Europa Oriental, mas não apenas aí, defrontamo-nos com fenómenos de anti-semitismo e de xenofobia. Este problema. Minhas Senhoras e Meus Senhores, não pertence somente ao povo judeu: a xenofobia é uma endemia mundial geral e, se não for cessada a tempo, poderá causar destruição à sociedade humana. É exactamente aqui, nesta data histórica, que eu venho reconhecer a necessidade de expressar estes pensamentos.
Sr. Presidente, o povo judeu tem hoje um estado soberano, independente e sólido. Este Estado possui um governo estável, uma economia forte e uma sociedade saudável, apesar de nos confrontarmos com tão poucas