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6 DE DEZEMBRO DE 1996 533

depende a prazo a nossa própria sobrevivência, segurança e futuro comuns. Uma sobrevivência, uma segurança e um futuro comuns que têm de ser diferentemente pensados e construídos. Não como meras ausências de conflito mas na capacidade, que é também cultural, de compreender que a busca da paz, do equilíbrio no Planeta não se encontram pela força das armas, pela repressão, pela negação dos
outros, pela submissão, pelo confronto mas se encontram no diálogo, na aproximação dos povos, na desnuclearização, no desarmamento e no estabelecimento de um diferente código de conduta dos homens com a Natureza e dos homens consigo próprios, que permita uma utilização sustentada dos recursos da terra e uma partilha socialmente justas.
Minhas Senhoras e Meus Senhores: A via em que acreditamos não é certamente linear nem fácil; busca-se com interrogações, nem sempre com certezas, e também na aprendizagem feita com os erros passados. Mas busca-se e encontra-se seguramente na esperança e convicção inabaláveis de que é preciso, necessário e urgente redefinir conceitos, escolhas, prioridades para o nosso viver colectivo. Um viver colectivo que terá de se pautar por diferentes valores e valias, pela aproximação de povos e culturas.
Uma aproximação que não é uma utopia. Depende em exclusivo do nosso desejo e da nossa vontade. Um desejo e uma vontade de aproximação que hoje, aqui e agora, comunidade judaica e povo português nos fizeram reencontrar e que importa, sem mais desperdício de tempo (porque também o tempo é um recurso finito), em nome do direito à vida, em nome do direito à paz, não mais deixar de multiplicar.

Aplausos de Os Verdes, do PS, do PSD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tenho agora o privilégio de dar a palavra ao representante do Partido Comunista Português, Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Presidente do Parlamento do Estado de Israel, Srs. Membros do Governo, Ilustres Convidados, Representantes da comunidade judaica portuguesa, Sr.ªs e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Enfrentando uma interrogação da consciência contemporânea - se se mantém válida a distinção entre direita e esquerda - o filosofo italiano Norberto Bobbio formulou para a ela uma resposta afirmativa ancorando-a em dicotomias de raízes bem fundas na História da humanidade.
Ao longo dos séculos da vida do homem em sociedade, uma constante perpassa pela vida política e social e que define duas posturas face a ela: a que se baseia na solidariedade - e aí temos a raiz mesma da postura de esquerda - e a e que se baseia no privilégio - e aí se queda a essência da postura de direita.
No fundo, trata-se de saber como cada homem define o seu comportamento face aos outros, como concebe o seu relacionamento com o próximo. Se se conclui que com ele há um constante antagonismo ou se, pelo contrário, a própria essência e razão de ser da vida social se traduz na solidariedade.
Ver no outro um ser solidário cria as bases mesmo da liberdade; o privilégio, antagonizando os homens, cria a necessidade da opressão.
Norberto Bobbio invoca a História para alicerçar a sua conclusão. Nós, portugueses, directamente encontramos na nossa a razão de ser dessa indissociabilidade.
Sempre que, nos oito séculos que nos forjaram, a prática do poder político se aproximou do interesse e da vontade do povo em geral, viveu a nossa, terra e quantos nela construíram uma Pátria um quotidiano de solidariedade; pelo contrário, a defesa do privilégio pelo poder sempre correspondeu à exclusão, ao confronto, ao agravar de contradições, à recusa da diferença, ao conflito e à opressão.
Portugal foi tolerante nos finais do século XIV quando 1383-1385 constituiu o prelúdio do fim da Europa feudal e o irromper da cidadania. Dessa presença da liberdade na política e da tolerância na concepção do mundo nasceu uma epopeia de navegações que foi possível só pela conjugação de saberes e experiências várias - as ciências e experiências cruzadas das culturas mediterrânicas árabes, muçulmanas, judaicas, cristãs, plasmada na variedade de quantos conceberam a partida das caravelas e de quantos nelas embarcaram. Caravelas que partiram, não receando o outro, o homem diferente, mas, pelo contrário, indo em sua busca com ele procurando o encontro, a troca, o conhecimento.
Um século decorrido, dealbavam os anos 500, o poder político português, na linguagem directa do nosso tempo, virou à direita. Essa mesma expansão, que buscava e vivera o encontro e o trato, mudou em conquista, em saque, em intolerância com aqueles de terras onde havíamos chegado, alegando paz e procurando entendimentos. E a intolerância, lá nos portos onde os nossos barcos chegaram, cedo se seguiu nos portos de onde eles saíam, cedo ela chegou ao nosso país.
Foi então, há 500 anos, que um poder empenhado em restaurar o privilégio de uma aristocracia decadente e com sonhos imperiais convocou a diferença religiosa para edificar sobre a intolerância o seu poder político e aumentar a sua riqueza pelo saque e pela espoliação.
Os marranos portugueses não foram as únicas vítimas da Inquisição; eles eram, até então, tão portugueses quanto tantos outros; eles foram os primeiros portugueses que sofreram a intolerância mas as portas dos cárceres da Inquisição não se fecharam apenas sobre os judeus, as polés dos seus torcionários não dilaceraram apenas corpos de cristãos-novos. A diferença religiosa foi o pretexto e o incentivo para o ajuste de contas, para a vingança, a denúncia, o confisco.
Esse esfacelar da sociedade portuguesa custou ao País a própria independência, do mesmo passo que reduziu, durante três séculos, uma nação que se revelara industriosa a uma «pobre, apagada e vil tristeza». Séculos que viram o País feito puro objecto dos jogos imperiais europeus, campo de batalha de tropas estrangeiras. Pátria abandonada pela sua classe dominante que, colocando-se a um oceano de distância, deu uma imagem sem paralelo na História do afastamento entre governantes e o seu povo.
Para que a tolerância regressasse à letra da lei, para que os Constituintes de 1820 lavassem a nossa ordem jurídica da vergonha do Édito de 1496, houve mártires da Pátria, executados à luz de um luar que regozijou carrascos que não adivinharam que, afinal, as luzes triunfavam. Então, como sempre, a liberdade e a tolerância foram lutas comuns.
Mas a fúria inquisitória! não fora banida de vez.
Regressou ao serviço, como sempre, da classe dominante.
O País conheceu meio século durante o qual de novo foi