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14 DE DEZEMBRO DE 1996 757

Metem medo a quem? Que impede hoje os municípios de se associarem a partir da liberdade de associação? Pois bem, a região administrativa será basicamente isso, não por via associativa, mas por via institucional.
Mas este é apenas um dos pratos da balança. No outro, a seu crédito, estão realizações e unidades de progresso que mudaram a face do País nas duas últimas décadas, com notáveis exercícios de poupança, na relação custo-benefício, relativamente ao poder central, esse, sim, às vezes esbanjador; esse, sim, quase sempre burocratizante; esse, sim, responsável por assimetrias e discriminações regionais, geradoras de rivalidades e competições que não raro colocam em causa - não, felizmente, em risco - a nossa preciosa unidade nacional, que tão perfeita e tão una é que, por isso mesmo, não pode ser invocado contra ela o falso risco de uma episódica desagregação.
Acresce que, duas décadas após a sua previsão, o mundo evoluiu para situações políticas, económicas, tecnológicas e civilizacionais que, longe de retirarem justificação à institucionalização das regiões administrativas, reforçaram essa justificação.
Direi, em breve resumo, quais foram essas mudanças.
Primeira: Entrámos para a União Europeia, que se autodefiniu como um espaço regionalizado.
Segunda: Em consequência, instituiu um Comité das Regiões, constituído por membros designados directamente por estas.
Terceira: Afectou verbas do Fundo de Coesão ao desenvolvimento das regiões mais deprimidas, como forma de corrigir as assimetrias regionais.
Quarta: Estabeleceu como princípio básico da sua ainda não escrita constituição material o de que os centros de decisão devem aproximar-se o mais possível daqueles a quem as decisões se destinam.
Quinta: Idem o princípio orientador, a que chamou da subsidiariedade, segundo o qual o Estado e as instâncias intermédias só devem exercer as competências que estas instâncias e as colocadas abaixo delas, em última análise os cidadãos, não possam exercer melhor do que elas.
Sexta: Ressituou em Bruxelas e no Luxemburgo centros de decisão antes localizados em Lisboa, o que, de acordo com aqueles princípios e a natureza das coisas, torna mais irrecusável a instituição de centros de decisão em cascata, até à maior aproximação possível daqueles a quem as respectivas decisões se destinam.
Sétima: A democracia representativa entrou em crise. A horizontalização das informações e dos conhecimentos - em especial via TV - incutiu nos cidadãos uma ânsia de participação política, e até um sentimento de rebelião, que contrapõe a sociedade civil à classe política e os eleitores aos eleitos. Cresce, até limites de fazer recear pela ordem pública e pela autoridade do Estado, o recurso a poderes de facto e outras formas de reivindicação e retoma de prerrogativas de democracia directa. O poder concentrado deixa-se cada vez mais prender no redil do anacronismo. - Um vento de ultra-liberalismo exige que o Estado se retire, deixando que a competição regule os conflitos. É o regresso, em formas subliminares, do pior anarquismo.
Que faz o Estado? Cada vez mais leis! Penas cada vez mais pesadas e cada vez mais inúteis, tudo para continuar a reter 'poderes que deve descentralizar e repartir.
E para quê inventar novas partilhas a benefício de inventário se os municípios e as freguesias - amanhã as regiões administrativas - estão aí, aptos a completar a sua institucionalização, aptos a receber mais poderes, meios e responsabilidades, a aproximar, enfim, as decisões dos destinatários delas, dando a estes um sentimento de autodecisão, ou no mínimo de co-decisão, que é garantia de tranquilidade e de paz?
Caras, as regiões?! Mais caros têm sido os Centros de Coordenação Regional, sem a vantagem da autonomia, ou seja, da natureza participativa do poder autárquico! Mais caro, porventura, é cada município, e são 305, e só os mal informados ou os mal intencionados podem pôr em dúvida que, em regra, os municípios fazem verdadeiros prodígios de gestão, vizinhos do milagre da multiplicação dos pães.
Há excepções? Há erros? Há prevaricações? Onde os não há?! Nos órgãos do poder central?! Nos templos do poder espiritual?! Onde houver homens, existirão o erro e o pecado. Mas é a excepção que confirma a regra e esta é confirmada, por seu turno, pelo apego que o povo tem aos seus autarcas - a nível de concelho ou de freguesia -, expresso na sua frequente, se não habitual, reeleição por uma e mais vezes! Já alguns são rotulados de «dinossauros». Que maior elogio, dada a sua natureza electiva? E que «pegadas» não deixam no teatro das suas funções?
Pois eu quero aqui afirmar que não são as excepções à regra da vossa devoção, da vossa seriedade, do vosso esforço ao serviço dos bens e interesses que vos são confiados que me impede de convictamente reconhecer e sinceramente vos declarar que as duas últimas décadas de poder local foram - não hesito em dizê-lo - o melhor de Abril.
Só os cegos que não querem ver é que podem negar o pulo que o País deu, da mais recôndita aldeia à mais resplandecente cidade, porque a par de um poder central que reflecte as contingências da revolução tecnológica e civilizacional da era moderna - o Mundo a mudar e as instituições e modelos a permanecer - existiu um poder local vigilante, a ouvir directamente os portugueses, a testemunhar o drama das suas vidas e a bater-se por melhoramentos que, sem ele, encontrariam obstáculo nos clássicos «ouvidos moucos» do Terreiro do Paço.
Que sabe Bruxelas do que se passa em Bragança? Que sabe o Terreiro do Paço do que se passa em Vinhais? Conhecem os locais por electrificar? Os alunos sem escola? Os doentes sem apoio médico? As aldeias sem infraestruturas mínimas? As habitações sem água canalizada e sem casa de banho? Os caminhos intransitáveis? As águas inquinadas? Ouvem, por acaso, o coro dos queixumes e dos protestos?
Pois tem sido precisamente nestes e outros domínios que a acção dos nossos autarcas tem conseguido milagres, gerindo bem os escassos meios de que dispõem; reivindicando apoios por fora; denunciando discriminações e injustiças, liderando, quantas vezes, movimentos de protesto que abalam a pacatez dos burgos.
Se o País do interior é outro é porque também sois outros em comparação com os vossos homólogos de antes de Abril.
Hoje é dia de comemoração mas também de debate. Vamos ouvir-vos e eu não quero monopolizar o tempo desta tão justificada e cativante cerimónia!
Estamos aqui reunidos a propósito de um evento mas também com um propósito claro: o de um reforço de mentalização dos que ainda duvidam de que o futuro do nosso País é, em matéria de localização do poder, a retoma do seu passado: a reafirmação e revalorização do seu poder local.