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852 SÉRIE - NÚMERO 22

penal que menos se pode identificar com a justiça, porque não é ainda a fase de julgamento.
Entendemos assim que, culminando o inquérito num despacho de acusação ou num despacho de arquivamento, a notificação desse despacho aos interessados deve determinar o momento em que o segredo é levantado. Nem se .mostra já necessário, como faz o artigo 86.º do Código de Processo Penal, esperar a decisão instrutória ou o esgotamento do prazo para requerer a abertura de instrução, quando a ela não haja lugar. A instrução, dado o seu carácter contraditório e a circunstância de ser dirigida por um juiz, é uma fase em que já se não justifica, a nosso ver, a vinculação dos intervenientes processuais ao segredo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é sabido, o segredo de justiça pode ser violado por revelação ou divulgação, consistindo a revelação na transmissão do facto para o conhecimento de terceiro, de forma directa ou indirecta, e a divulgação na comunicação do facto a um número indeterminado de pessoas. É do segredo objecto de divulgação que aqui curamos; do segredo externo, do segredo extraprocessual; interessa-nos a violação da proibição de tornar públicos os actos processuais, proibição que impende sobre os cidadãos, partes ou não, que estejam abrangidos pelo segredo num determinado processo.
Quando ocorre a violação do segredo, quando o conteúdo de uma peça processual, de um documento de prova, de um acto processual, se tornam públicos sem que o devessem, qual deverá ser a conduta apropriada da parte da entidade que preside à fase processual em que a violação ocorre?
O mínimo que podemos dizer é que há várias soluções: em França, o Procurador da República está autorizado a emitir comunicados de imprensa relativamente a factos que determinaram um concreto processo, bem como o Ministério Público a recorrer com frequência a comunicados escritos, a fim de por termo à propagação de rumores e inverdades; na Bélgica, o Ministério Público tem a faculdade de fornecer informações aos órgãos de comunicação social, se estas se justificarem por um interesse superior e geral; também na Suíça, várias leis processuais autorizam os magistrados a dirigir-se à opinião pública quando existir um interesse público consubstanciado em finalidades de tranquilidade, prevenção ou rectificação de notícias falsas.
Defendemos aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma posição muito próxima das acabadas de citar. Perante a propagação de rumores e de inverdades, deverá passar a constituir uma responsabilidade do Ministério Público' a defesa, se necessário através de rectificação pública de notícias inexactas ou incompletas, não só de valores como a isenção, a independência e a eficácia da acção judicial, como a salvaguarda dos direitos fundamentais dos arguidos, e, designadamente, a presunção da sua inocência.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Porém, pode legitimamente questionar-se a fonte deste dever de conduta, no sentido de saber se se trata de um dever oficioso ou dependente de uma manifestação de vontade dos lesados com a divulgação de factos cobertos pelo segredo.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Qualquer das soluções, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é defensável.
A nosso ver, contudo, quando estiver primacialmente em causa o direito à imagem ou ao bom nome dos arguidos, ou a tutela da presunção da sua inocência até sentença transitada em julgado, deve caber aos interessados solicitarem a intervenção do Ministério Público, no sentido mais adequado à reparação e preservação desses seus direitos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É inquestionável a oportunidade deste debate, pois sabemos que este Governo prepara uma revisão do Código de Processo Penal. Será, pois, a altura de também rever o, regime do segredo de justiça, tarefa para a qual quisemos contribuir com a realização deste debate, aqui deixando as nossas propostas, que queremos ver completadas com as demais que no decurso deste debate surgirem. As dificuldades de que hoje padece o regime do segredo de justiça são mais uma manifestação do que propriamente um fenómeno. Com efeito, as novas tecnologias, por si e através das modificações que produziram na mediatização da justiça, alteraram os dados da questão. Por outro lado, a crescente criminalização de condutas e a valorização, em sede penal, da tentativa e da negligência impõem cautelas acrescidas no tratamento da informação relativa aos processos criminais. É neste jogo complexo que tem de equacionar-se e resolver-se a questão do segredo de justiça.
Não ignoramos também que o jornalismo de investigação bebe, com frequência, nas mesmas fontes e cruza-se naturalmente com a investigação oficial. Não somos só nós a dizê-lo, é também o Sr. Procurador-Geral da República, no Relatório da Procuradoria Geral de 1992. Mas é nestes tempos, em que as técnicas de manipulação da opinião pública se refinam e as relações entre o poder político e a administração da justiça se transformam, que urge reafirmar as exigências mais elementares do Estado de direito e, em especial, a protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos, o princípio da separação dos poderes e o imperativo da igualdade das partes em processo penal.
Para finalizar, queremos relembrar que não temos uma perspectiva tumular do segredo de justiça; antes, julgamos que ele se deve limitar a assegurar, na fase de inquérito, a dupla função de, por um lado, proteger a investigação contra o arguido hipoteticamente culpado e, por outro lado, a de proteger o arguido hipoteticamente inocente contra a investigação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que afirmámos podem parecer minudências, mas para nós não o são. São, neste particular, a face visível daquilo que está mal, daquilo que é caduco, daquilo que foi ultrapassado pela sociedade de comunicação em que vivemos.
Esperamos que o debate possa contribuir para a discussão destas questões, caso em que os contribuintes não darão por mal empregue o tempo que aqui vamos gastar.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Guilherme Silva e Mário Videira Lopes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, antes de mais, queria lamentar que, numa matéria desta importância e sendo do conhecimento público que o Governo parece estar a trabalhar na alteração da regulamentação do segredo de justiça, o Governo não esteja presente neste debate.