21 DE DEZEMBRO DE 1996 857
nomeadamente à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, os seus pareceres por escrito. Esta audição, que entendemos dever ser feita o mais rapidamente possível, de preferência já no início de Janeiro, não impedirá que mais tarde estas ou outras entidades sejam ouvidas sobre um texto legislativo concreto.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Antes de mais, quero dizer que a regra de não utilização de telemóveis na Câmara aplica-se igualmente aos jornalistas, porque o problema que há com os telemóveis verifica-se também quanto a eles. Assim, solicito que os desliguem.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O presente debate sobre o regime jurídico do segredo de justiça antecipa o verdadeiro e magno debate que aqui, faremos, seguramente, nos primeiros meses do próximo ano, a propósito da reforma do Código de Processo Penal.
Na verdade, as questões relativas à publicidade do processo e ao segredo de justiça estão neste momento a ser objecto de apuramento e revisão em sede da Comissão de Revisão do Código de Processo Penal e serão alvo de adequação às novas realidades da sociedade mediática em que hoje vivemos.
Aliás, quem tiver seguido com atenção as palavras do Ministro da Justiça, em 10 de Outubro passado, no decurso do seminário «Justiça e Comunicação Social», organizado pela Procuradoria-Geral da República e pelo Sindicado dos Jornalistas, facilmente poderá intuir que o Governo, designadamente o Ministro José Vera Jardim, tem sobre esta matéria uma intenção ponderadamente reformadora.
De acordo com as palavras do Ministro da Justiça, «Numa fase de duração longa como a do inquérito e a instrução, a defesa, custe o que custar, do segredo de justiça não é uma posição realista». E acrescentava o Ministro José Vera Jardim: «Será necessário encararmos o que tenho chamado de `janela aberta' sobre o processo na fase de inquérito e de instrução». Tal vale por dizer, Srs. Deputados, que, mais cedo do que tarde e em tempo próprio, o Governo apresentará, como, aliás, sempre prometeu, uma proposta de lei que, entre outras matérias, alterará o artigo 86.º e seguintes do Código de Processo Penal, exactamente os que regulam o segredo de justiça, a publicidade do processo é as faculdades de acesso a actos processuais por parte dos cidadãos e pela comunicação social.
Sem embargo, o presente debate poderá constituir - e vê-se que está a constituir, até pela consensualidade expressa - um valioso contributo e uma estimulante reflexão para o apuramento de uma matéria que tem vindo a ser alvo de excepcional controvérsia. Creio mesmo que poderá ser um factor de enriquecimento dos trabalhadores preparatórios que a Comissão de Revisão do Código do Processo Penal tem entre mãos.
Na verdade, Srs. Deputados, é hoje um facto inquestionável que a conceptualização, o âmbito e os limites do segredo de justiça, em confronto com a liberdade de informação e de expressão, se tornaram em matéria de excepcional melindre e delicadeza.
A informação em tempo real e a avidez pelo direito à informação e pelo correspectivo direito a ser informado geraram fenómenos incompagináveis com os tempos e prazos dos ritualismos processuais da justiça. Daí a conflitualidade latente entre os valores que preexistem ao segredo de justiça e à liberdade de informação.
É bem verdade que no nosso direito adjectivo penal a regra é a da publicidade do processo, devendo o segredo ser a excepção, na esteira, aliás, da mais generalizada doutrina constitucional moderna, vazada nas diversas declarações e convenções sobre os direitos humanos.
Não obstante, em nome dos interesses e da defesa do bom nome do suspeito ou do arguido e também em razão dos interesses materiais da qualidade investigatória, o processo penal do nosso país, como na quase generalidade dos países europeus, tem de se conformar com a regra processual do segredo de justiça. E, reconheçamo-lo, tal limitação é necessária, desde que proporcionada e adequada à já mencionada salvaguarda dos valores da dignidade da pessoa humana e à eficácia investigatória em matéria criminal.
Só que, e todos diariamente o constatamos, a regra processual instrumental do segredo de justiça, mesmo na vertente da protecção dos direitos da personalidade ou da presunção da inocência do arguido, tem sido frequentemente violada, dando azo, muitas vezes, a inauditas pré-condenações e a irreparáveis sentenças de opinião pública, tantas vezes infirmadas em sede judicial.
Mesmo nos casos em que, tecnicamente, não se verifica violação do segredo de justiça, designadamente quando a comunicação social acede a factos sem mediação dos intervenientes processuais obrigados a sigilo, inúmeras são as vezes em que cidadãos assistem impotentes a verdadeiros atentados aos seus direitos de intimidade, da vida privada e ao bom nome:
Tais realidades decorrentes da mediatização social e da vertigem informativa carecem, obviamente, de que se encontrem regras proporcionadas que, sem ferir legítimos direitos de informar e de ser informado, acautelem os valores que subjazem, por um lado, ao segredo de justiça e, por outro, à ética de conduta dos profissionais da comunicação social.
É que, em matéria de direitos e liberdades fundamentais, a autolimitação e a ponderação devem ser a regra. E, se os valores da defesa do bom nome e da presunção da inocência do arguido ou da eficácia investigatória, em que radica o segredo de justiça, não podem ser erigidos em direitos absolutos, também o não é a liberdade de informação e expressão, quando, de forma irrestrita, invada ou colida com outros direitos fundamentais de matriz superior.
É também por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que consideramos inevitável que, na futura revisão do Código de Processo Penal, se proceda à efectiva «abertura de janela», na feliz expressão do Sr. Ministro da Justiça, de que este tem vindo a falar.
E assim, em sede de alteração do artigo 86.º do Código de Processo Penal, mercê da actual consagração de uma longa fase de inquérito, a que se pode, em certos casos, seguir uma fase de instrução, entendemos preconizar que esta segunda fase, a de instrução, deverá poder ser pública, desde que tal seja solicitado pelo arguido, embora sujeita a decisão do juiz de instrução e ponderados os interesses investigatórios.
Por outro lado, e visando acautelar os interesses de cidadãos suspeitos ou arguidos, directa ou indirectamente, atingidos por notícias inverdadeiras ou tendenciosas ou, ainda, para acautelar os interesses da tranquilidade pública ou de eficácia da acção de justiça, deverá admitir-se que, em fase de inquérito ou de instrução e a requerimen