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21 DE DEZEMBRO DE 1996 855

de justiça, que se contém, fundamentalmente, no artigo 371.º do Código Penal e nos artigos 86.º a 90.º do Código de Processo Penal, visa tão-só assegurar a eficácia da investigação e evitar a perturbação da instrução processual. Daqui adviria a ideia de que o segredo de justiça ou, melhor, os normativos que entre nós o regulam não visariam, em nenhuma medida, proteger o bom nome e reputação dos cidadãos, a sua intimidade e vida privada, nem assegurar a presunção da sua inocência ou garantir o respeito pela dignidade da pessoa humana.
Recuso liminarmente tal interpretação, mas não posso deixar de registar que ela resulta de uma linha geral do actual Código de Processo Penal, que privilegia a acusação em detrimento das garantias do arguido e, designadamente, do princípio da igualdade de armas. Como não posso deixar de salientar que semelhante interpretação não é de todo alheia à frequência com que o segredo de justiça vem sendo violado em Portugal, particularmente em fases processuais em que, já não comprometendo a eficácia da instrução, não deixa, porém, de atentar com a honra e o bom nome dos cidadãos e com o princípio constitucional que assegura a presunção de inocência.
Daí a importância que, em nosso entender, assume a filosofia que se pretenda emprestar à reforma do processo penal em curso, embora ainda em fase de trabalhos preparatórios. As alterações que se entenda dever vir a introduzir na regulamentação do segredo de justiça tenderão, ou não, a ser as mais adequadas a dar resposta às graves consequências da degradação a que chegou aquele instituto e à reposição da dignidade que lhe deve caber, quanto a legislação processual penal evolua, ou não, num sentido mais garantístico do que o actual.
Que ninguém se iluda, porém (nem nos iludamos nós como legisladores), se pensarmos que a questão depende tão-só dos contornos legislativos de que se reveste (ou venha a revestir) a regulamentação do segredo de justiça.
Em termos gerais, e apesar de tudo, a legislação actual não merece reparo de maior. A questão é fundamentalmente de acatamento e observância da lei e até de respeito por elementares garantias constitucionais. E é aqui, neste particular, que temos de encontrar respostas adequadas a assegurar o cumprimento da lei, em termos tais que se compatibilizem e harmonizem os valores, os princípios e as garantias que a Constituição confere a todos os cidadãos.
Importa, igualmente, ter presente que as mais conhecidas situações de violação do segredo de justiça, assumem particular gravidade e amplitude, porquanto envolvem a divulgação de factos ou de actos do processo pela comunicação social. E como aos media pouco importa as envolvências processuais ou judiciais do cidadão comum, os casos mais frequentes de violação do segredo de justiça e da sua publicitação, de um modo geral, respeitam a figuras públicas e em particular a responsáveis políticos.
E por isso também se ouvem algumas insistentes vozes no sentido de que, quanto às figuras públicas, não se coloca a questão do respeito pela intimidade e privacidade que se põe em relação a qualquer outro cidadão.
Não nos repugna aceitar (e é hoje comummente aceite) que as figuras públicas estão mais expostas e as responsabilidades políticas de muitas delas consentem, em alguma medida, a devassa da área de reserva da sua intimidade e privacidade, em nome da transparência, da responsabilização e do direito de informar e de ser informado.
Porém, não nos parece minimamente legítimo que, por via de tal redução do núcleo da privacidade e intimidade dos responsáveis políticos e das figuras públicas, se lhes retire o direito ao bom nome e reputação, à honra, ao respeito pela sua dignidade como pessoa e à presunção de inocência.
O exercício de cargos públicos e a sua projecção social não pode, num Estado de direito, traduzir-se numa capitis deminutio, intolerável numa democracia consolidada.
Nem tão pouco a questão se coloca, ou deve colocar, em termos de prevalência de este ou de aquele direito fundamental em detrimento de outros, designadamente da preterição do direito ao bom nome e ao respeito pela intimidade em favor do direito de informar e de ser informado.
Do que se trata é de compatibilizar direitos e garantias constitucionais não hierarquizáveis. O que se exige é que se tenha sempre presente que, no centro de todas estas preocupações, deve estar (e está) o homem e a sua dignidade. Em nenhuma circunstância é eticamente admissível que o direito de informar muitos possa prevalecer quantitativamente sobre o respeito pelo bom nome de alguns ou até de um só que seja!
Mas por isso, também, o segredo de justiça deve reduzir-se ao estritamente necessário, não apenas à eficácia da investigação mas também ao respeito pela dignidade de cada qual e pela observância da presunção de inocência até ao trânsito em julgado de sentença de condenação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pré-condenar alguém, seja quem for, no tribunal da opinião pública sem audição prévia, sem contraditório e de ânimo leve é algo que tem muito de «totalitário». Por isso, e por elementar defesa da liberdade responsável e da democracia plena, não podemos deixar que tal se institucionalize impunemente.
No que respeita aos princípios e valores constitucionais, que importa conciliar no âmbito do segredo de justiça, temos como boa a regra de «que deve haver tanto segredo quanto for necessário e tanta liberdade de informação quanto possível».
Por assim ser, a «liberdade de imprensa» não pode, nem deve, ser minimamente afectada por alegado «segredo de justiça» que não esteja legitimado pelos pressupostos legais. Nem pode estar em causa o jornalismo de investigação, que constitui, em democracia, um meio importante de denúncia de irregularidades que, muitas vezes, de outro modo, não chegariam à luz do dia. Importa é que, em qualquer caso, os princípios e as regras deontológicas sejam por todos escrupulosamente observadas, o que passa sempre pelo respeito pela presunção de inocência e pela prévia audição dos visados.
Igualmente importante é que, em matérias respeitantes à justiça, envolvendo delicadas questões respeitantes a direitos fundamentais, seja assegurada a adequada formação dos profissionais da informação. Aliás, tal afigura-se-nos cada vez mais necessário e indispensável à credibilização dos órgãos de comunicação social.
E bom que todos tenhamos presente que, em matéria de direitos fundamentais, mais importante do que proclamá-los é garantir o seu efectivo respeito.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alguma reflexão mais temos ainda de fazer sobre a eventual evolução do instituto jurídico-processual do segredo de justiça. Restringi-lo até ao termo da fase de inquérito ou até ao momento em que é possível requerer a abertura da instrução parece-nos elementar. Encontrar mecanismos que,