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I SÉRIE - NÚMERO 56 1938

Assembleia da República mais um aniversário da Constituição de 1976.
Disse celebra? Disse e repito-o nos exactos termos em que, para nós, essa celebração se entende: a celebração da Constituição como o momento de reflexão sobre o nosso passado recente, que não deve, que não pode ser esquecido, e sem a referência matricial do qual não será possível dar presente ao futuro; a celebração da Constituição como o momento que nos remete inevitavelmente para a lembrança do fim da ditadura, para o 25 de Abril, para as primeiras eleições livres na sequência dele realizadas, para a esperança de milhares de mulheres e homens juntos, finalmente juntos, num gesto novo em liberdade, a eleger pela primeira vez a sua Assembleia, os seus Deputados e aneles confiar para que das suas mãos nascesse um novo texto constitucional, de ruptura com o passado.
Um texto novo para um tempo novo, acreditava-se...
Um desafio que não foi fácil, mas os Constituintes souberam honrar; no confronto das suas ideias, na vivacidade do debate, na pluralidade de opiniões e na diversidade de conceitos, elaborando, no novo Parlamento, um texto que o fez, então, credibilizar.
Um texto de extrema importância: programático, definidor dos nossos valores fundamentais, orientador do sentido da construção que à nossa história colectiva pretendíamos imprimir para o futuro, e orientador do sentido da construção que se cria traçar - uma sociedade humanizada, solidária, justa e ecologicamente equilibrada.
Um texto, como autêntica "carta da liberdade", consagrados de um conjunto de clássicos direitos, liberdades e garantias fundamentais, que o regime ditatorial de todo eliminara.
Mas, mais e ainda, um texto definidor de um vasto conjunto de direitos positivos de natureza económica, social, cultural e ambiental - também eles negados no passado -, de modo a dar conteúdo a um conceito global e indivisível de democracia: a democracia não só como a liberdade mas como as condições do exercício dessa liberdade.
Um conceito que hoje, mais do que nunca, faz sentido sublinhar nesta celebração que não temos para nós como ritual esvaziado de conteúdo, que não entendemos como simples evocação e homenagem saudosa àqueles que marcaram este lugar, e a morte já roubou, que não confundimos com desejo de travar a História, congelar o tempo e recusar a mudança; mas uma celebração que nós, Os Verdes, preferimos associar à memória viva das coisas vivas, lembrando precisamente, neste momento em que a Constituição da República atinge a sua idade maior, que há valores, como a liberdade e a solidariedade, que não morreram, que não morrem, que não perdem a sua juventude, que resistem ao tempo e que resistem à mudança; valores eternos de que hoje, mais do que nunca, Srs. Deputados, em nome da nossa memória, importa não abdicar; valores que constituem, inquestionavelmente, um valioso e indivisível património de direitos, que é forçoso, enquanto reserva colectiva, saber preservar, pondo fim ao tremendo fosso entre a sua proclamação e a sua vivência, dando-lhes o conteúdo que, em muitos domínios da política, do social e do cultural, não raro lhes falta, sob pena de total descrédito das instituições e da própria democracia.
Uma nova fase, que se reclama, que permita ultrapassar o velho patamar da proclamação de direitos para o seu exercício; uma nova fase em que não basta proclamar paixões, porque aquilo que verdadeiramente conta é fazê-las viver - da educação à cultura, da saúde à habitação, do emprego à reforma.
Direitos e bens estes que não podem ficar à mercê da vulgar lógica dos mercados, vendidos como se de um qualquer bem de consumo se tratasse; direitos e bens que a todos têm de ser garantidos e que, por isso, têm de ser socialmente partilhados. Trata-se de um investimento que não é um investimento qualquer, mas um investimento do País na sua riqueza maior, nas pessoas - aquelas que lhe dão identidade, corpo e sentido, aquelas que quotidianamente constróem o seu presente, aquelas que garantirão o seu futuro.
Um futuro, Srs. Deputados, que há que, também ele, de modo antecipativo, equacionar no Texto constitucional, numa reflexão que atenda às transformações da sociedade portuguesa, aos novos fenómenos que nela se manifestam, aos diferentes contornos da organização social, aos sinais de mudança que é preciso interpretar e fazer reflectir numa nova geração de direitos, que façam evoluir conceitos, que incorporem novos bens jurídicos, que atendam aos novos desafios da ciência, que alarguem mecanismos de garante e de controlo dos cidadãos face às instituições, que diversifiquem formas de participação nas tomadas de decisão e que respondam aos novos paradigmas que se colocam à Humanidade.
Direitos esses que correspondam à multiplicidade da organização familiar e que a protejam, qualquer que seja a expressão que ela assuma; que tenham em conta os direitos dos homossexuais; que, atentos ao eclodir dos inquietantes fenómenos de intolerância, combatam o racismo, garantam os direitos dos imigrantes e respeitem os direitos das minorias étnicas, como a dos ciganos, hoje tão gravemente ameaçada no nosso País; que dêem resposta aos gritantes problemas de exclusão social; que ponham fim à estigmatização dos deficientes; e que não se alheiem do novo debate que à bioética nos impõe travar.
Direitos e respostas novas que urge encontrar para questões como a igualdade e a não discriminação entre sexos, como uma questão-chave dos direitos humanos e da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, manifestamente longe de, até hoje, ter sido atingida, uma situação gritante que, nos nossos dias, confronta não as mulheres mas a sociedade no seu conjunto com as suas limitações, falências-limite, que põem em causa a própria democracia; enfim, uma realidade que impõe uma redefinição de conceitos, valores e a adopção de uma estratégia que permita ultrapassá-la. Uma estratégia que, à linear lógica dos números - que qualquer quota poderia sugerir -, se não restringe, antes está muito para além desta, na identificação das causas, na interpretação dos interditos, na assumpção da discriminação, que no feminino se conjuga. Uma estratégia que a todos os níveis de organização da vida comunitária importa implementar: na educação, na formação, na cultura, na vida profissional e económica, na vida privada e familiar, na vida pública e política.
Respostas ainda que se reclamam prioritárias perante o novo paradigma que à Humanidade se coloca e que o Texto constitucional tem de encontrar na defesa dos valores ambientais, como os valores da vida, da paz, como valores inerentes ao próprio desenvolvimento.