26 DE ABRIL DE 1997 2309
O 25 de Abril deve ser comemorado aqui, na sede da representação nacional, porque, sendo a matriz conformadora do regime democrático, ele tem de ser a primeira referência de todos os órgãos de soberania, de todas as instâncias do Estado e de toda a Administração Pública, sem excepção.
Também as Forças Armadas comemoram de forma especial a data da liberdade, porque, tendo delas emergido a acção militar de força que derrubou o regime fascista, o 25 de Abril deve ser para elas motivo de legítimo orgulho e de referência permanente do dever cumprido para com o povo português e para com Portugal.
Mas é com as comemorações populares que o 25 de Abril ganha todo o seu significado, Aquele povo que tomou no seu coração a Revolução, logo nas primeiras horas, ainda os tanques percorriam as ruas de Lisboa, comandados pelo saudoso e tão injustificado capitão Salgueiro Maia. Aquele povo que encheu as praças de todo o País no 1.º de Maio mais carregado de esperança e confiança de toda a nossa História.
Este ano, as comemorações populares vão ter um momento particularmente alto aqui, em Lisboa. Num dos seus sítios mais nobres e centrais, a cidade vai abrir à vista de todos um monumento ao 25 de Abril, a sua homenagem à Revolução. Era um sonho de muitos portugueses, e particularmente de muitos lisboetas, terem na capital do País uma evocação significativa da Revolução. Bem haja a Câmara Municipal de Lisboa, que deu corpo ao monumento que hoje à tarde é inaugurado.
Aplausos do PCP, do PS, de Os Verdes e dos Deputados do PSD Mota Amaral e Silva Marques.
Mas os portugueses que hoje comemoram os 23 anos da Revolução não vão limitar-se à festa. Vão olhar à sua volta e fazer o balanço da situação em que vivem e das perspectivas que se abrem para o seu futuro. Vão querer saber onde está a justiça social a que têm direito. Vão querer saber por que está adiado o desenvolvimento equilibrado do País, por que é que a riqueza está cada vez mais concentrada, por que razão o trabalho tem cada vez menos valor social, por que razão quem trabalha está cada vez mais desprotegido e sujeito à prepotência. Vão querer saber como é que um país pode ir desmantelando insensatamente a sua agricultura, as pescas, a indústria mineira, como é que um país pode progredir, deixando cada vez mais à sua sorte os sectores produtivos da economia. Vão querer saber como é que se defende a independência nacional, quando é cada vez maior a sujeição económica do País.
Foi o 25 de Abril que traçou os grandes desígnios nacionais, vertidos depois para a Constituição da República.
Grande desígnio nacional assumido com o 25 de Abril é a democracia, a liberdade e o pluralismo; é a justiça social; é a democracia económica, com a subordinação do poder económico ao poder político; é a democracia na empresa, com a garantia dos direitos dos trabalhadores; é a democracia cultural e a igualdade de oportunidades no acesso à educação e ensino; é a descentralização do Estado; é a garantia da unidade do Estado e da independência nacional.
Não faz parte dos desígnios nacionais ter um exército de dois milhões de trabalhadores em regime de trabalho precário ou manter no desemprego perto de meio milhão de portugueses. Também não faz parte dos desígnios nacionais deixar a indústria têxtil portuguesa à mercê de uma concorrência internacional mortífera, aceitando uma imposição pela Comissão Europeia no sentido do desarmamento alfandegário antes dos prazos acordados e definidos para a nossa indústria proceder à sua preparação e reestruturação.
Nem faz parte dos desígnios nacionais vender de forma sistemática o valioso património acumulado por gerações de empresas estatais ou com participação estatal, permitindo a reconstituição do desmesurado poder de um punhado de grupos económicos, onde avultam alguns dos grupos que foram o sustentáculo do regime fascista e, simultaneamente, abrindo o progressivo domínio de importantes sectores da economia portuguesa a empresas estrangeiras e multinacionais.
De igual modo, não faz parte dos desígnios nacionais a aceitação da imposição a Portugal pela União Europeia de acordos comerciais com terceiros países que conduzem ao enfraquecimento impiedoso de um sector industrial tão importante para o nosso País como o conserveiro e, simultaneamente, ao enfraquecimento do sector pesqueiro que serve essa indústria.
Os portugueses do Portugal de Abril não podem aceitar de braços cruzados a quebra de um compromisso como o da fixação do horário máximo das 40 horas, histórica aspiração do movimento sindical e dos trabalhadores portugueses, hoje a ser frustrada por um capcioso manobrismo na aplicação da lei pelas autoridades do Estado e pela aceitação de uma espécie de diktat neocorporativo feito por um patronato retrógrado e por quem se molda aos seus interesses. Desta tribuna aproveito para saudar os trabalhadores que há 20 semanas consecutivas lutam pelas 40 horas, usando os direitos que Abril consagrou!
Os portugueses não entendem também que um projecto nacional como o da regionalização, cujo edifício legislativo devia estar agora em conclusão, tendo em vista as eleições dos órgãos respectivos já na data das próximas eleições municipais, tenha sido mais uma vez adiado e metido numa monumental embrulhada cheia de alçapões que o podem comprometer.
De igual modo, também os jovens não podem aceitar que, perante um quadro de degradação do sistema de ensino e de crescentes dificuldades no acesso ao posto de trabalho, que só conseguem em inaceitáveis condições de precariedade, em vez de se travar com eles a batalha pela educação e pelo emprego, se afunile toda a política para a juventude na aplicação das injustas e inaceitáveis propinas.
Não é desígnio nacional que se compatibilize com os ideais de progresso e independência nacional do 25 de Abril sujeitar o desenvolvimento do País e o bem-estar dos cidadãos aos ditames espartilhantes do Tratado de Maastricht e a uma moeda única que não só vai retirar a Portugal instrumentos decisivos de política económica como vai subordinar o País às orientações e interesses dos poderosos países do centro da Europa.
Por que querem a todo o custo impedir que o País discuta com profundidade esta opção decisiva para o seu futuro? Por que impedem o debate aprofundado e a decisão soberana que só o referendo sobre a moeda única podem propiciar? A resposta é simples: porque sabem que o debate iria provar que a moeda única é uma opção contra o desenvolvimento do País, contra os interesses do nosso povo e contra a independência e soberania nacionais. Porque o debate iria provar que a moeda única pode ser um desígnio dos grandes grupos transnacionais e dos países poderosos, mas não é, a título algum, um desígnio nacional.