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2312 I SÉRIE - NÚMERO 66

no seu processo de integração .na Europa, e encerrá-la-á, esperamos todos, com sucesso. Mas defrontará novos problemas, alguns dos quais inéditos na nossa História dos últimos 200 anos, e não é líquido que nos estejamos a preparar para os defrontar.
Uma economia que sempre viveu protegida, uma sociedade em mutação rápida, sujeita a tensões consideráveis, uma vida política que está muito vezes presa aos esquemas e aos problemas do passado, tudo isto constituirão fontes de dificuldade acrescida.
Existe hoje um divórcio entre os problemas e a sua percepção pública, um divórcio entre o que precisávamos de estar a fazer e aquilo que fazemos. Esse divórcio alarga-se porque, sendo este o tempo de políticas difíceis, está a tornar-se o tempo em que a facilidade se torna comum.
Ora, este divórcio é ou deveria ser, pela sua própria natureza, o primeiro factor de preocupação da política democrática e dos políticos.
São por isso preocupantes os sinais de que, em vésperas de uma mutação qualitativa na vida de Portugal, com a plena integração na União Europeia, fazendo novos desafios e grandes exigências, muito da nossa vida política permaneça dominada por preocupações de puro tacticismo, subordinado mais à imediaticidade mediática do que a uma visão estratégica dos problemas nacionais. A redução da acção política apenas à garantia de que se ocupa espaço no jornal do dia seguinte, a política esvaziada de conteúdo de cartas abertas, as voltas e reviravoltas tácticas destinadas a gerar "novidade" - logo, noticias estão intimamente associadas a uma profunda falta de consistência na acção política e à consolidação da ideia de que a política em democracia é um mero jogo que não depende de ideias, princípios, valores e convicções.
Este carácter superficial da vida política é gerado e agravado essencialmente pelo vazio do poder, pela incapacidade de decidir, pelo medo de assumir as responsabilidades, gerando uma apatia social difusa, que parece uma acalmia, mas é apenas o prenúncio de tempestade.
É o caso gravíssimo da clara quebra da autoridade do Estado.
Há uma frase lapidar de um grande poeta português, Mário Cesariny de Vasconcelos, escrita contra a censura e o regime autoritário do Estado Novo. Foi uma frase inserida num documento político escrito por um poeta, que, num assomo de rara lucidez, os censores compreenderam na sua perigosidade, e censuraram. Essa frase é simples: "Todo o homem é teatro de uma inexpugnável autoridade".
Há nesta frase uma dupla subversão: a da afirmação da individualidade e a da afirmação da liberdade. Mas o que há nela de poderoso é que Cesariny utilizou uma palavra estranha, de má fama entre os que têm da liberdade uma ideia superficial - apalavra "autoridade". Alias, a mesma que era uma palavra-chave do discurso do regime autoritário de Salazar.
Mas é esta "autoridade" do poema que materializa a liberdade. Não há liberdade sem autoridade, sem autoridade sobre nós próprios, para sermos livres face à coacção, sem autoridade sobre o que é nosso pelo amor, pela amizade, pela solidariedade e pela posse do nosso espaço e das nossas coisas. A autoridade numa democracia é penhor de que a minha casa é protegida, de que meu nome me pertence, de que a minha palavra e o meu voto são livres, de que possa escolher a parte que me cabe do nosso destino colectivo, segundo o que penso e desejo.
Mas não há liberdade individual se essa autoridade não se estender naturalmente à sociedade e ao Estado, se também no Estado não houver uma parte desta "inexpugnável autoridade", que nos defende essencialmente do medo.
A preocupação, com aquilo que consideramos ser a autoridade do Estado, ou seja, a capacidade de no Estado democrático se respeitar a ordem e a segurança de todos, vem de que a existência desta autoridade é uma das fontes da própria legitimação do Estado em democracia.
Por isso, a farda de um polícia numa rua protege-nos, mas a farda de um polícia numa manifestação ilegal ameaça-nos.
Mas mais. Mais do que a afronta a um Estado e a uma ordem que devia ser respeitada como emanação da democracia, mais me ameaça o silêncio e a complacência face à violação da lei por quem é o seu garante, o que é um acto de completa perversão da legitimidade de quem governa. No Estado e na democracia não há meia ordem, ou há ordem ou não há, e não houve. É assim que em democracia se perde a razão e é assim que se pode perder a democracia.
A democracia representativa assenta numa delegação de autoridade, de todos nós a quem nos representa e governa, e nessa delegação de autoridade está inclusa uma obrigação de a exercer. E isto por uma razão muito simples: para que o voto popular seja eficaz e ninguém mande mais, por interesse próprio - nem grupos, nem corporações, nem sindicatos, nem poder económico - do que o povo que a todos nós ordena.
A crise de autoridade do Estado põe em causa o primado da política e da soberania popular, torna o Estado menos democrático e a representação mais fraca, favorece os grupos de pressão e a demagogia, põe em causa a democracia e põe em causa o 25 de Abril.
Viva a democracia!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Sr.ªs e Srs. Convidados, Caros Colegas Deputados: Começo esta intervenção por saudar os militares que derrubaram a ditadura e promoveram as condições para o estabelecimento de um regime democrático constitucional em Portugal e o fizeram enfrentando todos os riscos, até o de prejudicarem as suas próprias carreiras militares.

Aplausos do PS, do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PSD.

Bem hajam também por terem cumprido a promessa de regresso a quartéis e de o terem feito voluntariamente!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quando escrevi na comunicação enviada ao reprimido Congresso da Oposição Democrática reunida em Aveiro em 1973 que "a actual situação de Portugal aponta três ordens de soluções que convém trilhar