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26 DE ABRIL DE 1997 2315

Viria a ser mais fácil do que imaginavam. O medo, em 25 de Abril, funcionou ao invés. De guardador da vinha, passou a guardar, contra o usurpador, o dono dela.
Porquê assim, depois de tanta tentativa frustrada? Exactamente porque, durante o longo cativeiro, quase tão longo como o filipino, a alma portuguesa resistiu. Foram muitos os humilhados e perseguidos. Muitos os que padeceram nas masmorras da PIDE, ou pagaram com a vida a teima em serem livres.
Visitei há pouco, uma vez mais, o campo de extermínio do Tarrafal. A expressão mais aguda de crueldade gratuita, da orla da insanidade mental, que a pirâmide constituída pelo ditador, os ditadorzinhos e os ditadorzecos, se julgou autorizada a infligir a simples cidadãos, muitos deles jovens sonhadores, armados só com a "bazuca" dos seus ideais, com o propósito selvagem de que as condições naturais e prisionais se encarregassem de convertê-los ou matá-los.
Registam as crónicas que raros foram os que abjuraram mas muitos os que morreram. E quem visita as câmaras de tortura, onde a absoluta escuridão provocava a cegueira e a exiguidade do espaço, o calor tórrido e a humidade atabafante conduziam a extremos de desidratação e até à loucura, acaba por concluir que as fogueiras da Inquisição, também chamadas a castigar heresias, eram afinal menos desumanas porque mais expeditas.
A pergunta que salta é esta: porquê a crueldade desnecessária? Não bastavam os sólidos muros de betão, com os seus fossos, o seu arame farpado, e o mar imenso a rodear a ilha, para isolar de toda a contaminação ideológica os pobres encurralados neles?
A resposta é só uma: os monstros frios que nos governavam, quais deuses irados, tinham sede de sofrimento e de dor. A explicação da função preventiva, pelo medo, não basta. É que, longe de publicitarem o espólio macabro do seu delírio, ocultavam-no cuidadosamente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em pleno Tarrafal, interroguei-me sobre como tem sido possível que portugueses de recta intenção - quero crer - passem ao lado de tanta crueldade na tentativa de branquearem os responsáveis por ela.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

A verdade é que começa a ser frequente a evocação do maior culpado como governante sério e homem de bem. Talvez porque beneficie da insondável contradição que há em, apesar disso, presumir de piedoso e temente a Deus. Que contas daria ele ao Pai do Céu?
Devemos ser tolerantes. Democracia é tolerância. Mas não temos, necessariamente, de ser passa-culpas nem parvos. Efemérides como a que hoje celebramos servem precisamente para delimitar a fronteira onde a tolerância acaba e a conivência começa.

Aplausos do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado do PSD Mota Amaral.

Mais de duas décadas volvidas, que significado tem hoje comemorar o 25 de Abril? Não se tratará de mais um acesso de saudosismo piegas?
Seguramente não! Se o 25 de Abril foi o nosso reencontro com a liberdade por longo tempo recusada, recordá-lo há-de ser um acto de balanço do que fizemos dessa preciosa conquista. Estivemos à altura da sua preservação? Do seu aprofundamento?
Se a resposta é sim, felicitemo-nos! Se é não, teremos então de preocupar-nos!
Há-de reconhecer-se que os caminhos da liberdade, após Abril, não foram lineares. Esquecidos de que o excesso de liberdade pode matar a liberdade, não conseguimos travar os impulsos da longa espera em sermos livres. Vivemos essa nova condição com a embriaguez de uma aurora. E quando nos demos conta de que tínhamos ido longe demais, estávamos à beira da mais perigosa anarquia, que é a que precede as guerras entre irmãos.
Houve, para isso, razões conhecidas. Alguns mitos confortáveis do passado - nomeadamente os relacionados com a situação colonial - prolongaram por cerca de três meses, no espírito de alguns responsáveis, a esperança em soluções que a história havia condenado, por igual período adiando a paz.
A resistência a este facto, potenciada pela ansiedade com que os nossos soldados aguardavam o fim da guerra - que de antemão se sabia não conduzir a nada -, provocou um clima generalizado de indisciplina e até insubordinação, que num ápice contaminou a opinião pública civil. Sabemos ao que isso conduziu.
Corrigido o erro, e admitida a negociação directa com .os movimentos que nos guerreavam, sobreveio naturalmente a paz.
Mas tinha ficado entre nós a semente da discórdia. Foi preciso canalizá-la primeiro e neutralizá-la depois. Através de incidentes de percurso que são conhecidos, acabámos por lançar as bases do moderno Estado de direito que hoje somos. Não foi fácil. Mas, precisamente por isso, foi exultante.
Porque evoco eu a fase tormentosa desse processo? Precisamente porque entendo que, o ter sido difícil o parto, tornou mais precioso o resultado dele. A liberdade não nos caiu do céu. Foi forjada na terra, por homens que cometeram erros e aprenderam com eles. Que aprenderam, desde logo, que a liberdade tem de acautelar-se de si mesma. Já alguém disse que "no limite, a liberdade faz do homem livre um fora de lei".
Por isso, neste dia da liberdade, é oportuna uma reflexão sobre ela. Porque foi, no passado, tão difícil? Porque é, no presente, tão vulnerável?
São muitas as explicações. Desde logo a de que, muitas vezes, como lembrou Tocqueville, "é o progresso que gera as revoltas". A capacidade de rebeldia pressupõe, com efeito, as formas de emancipação que traz o progresso. Ou já esquecemos que, mais de milénio e meio depois de Cristo, ainda se incluía a pobreza na ordem natural das coisas, sem reacção contra ela? Sabedor disso, Salazar disse um dia que "um povo que tenha a coragem de ser pobre, é invencível". Pelas forças do progresso, queria ele dizer, porque foi sempre o progresso o seu principal inimigo.
Por outro lado, semeámos e exaltámos tanto, e durante tanto tempo, o espírito de desobediência contra o autoritarismo - pudera não! - que não pode espantar-nos a extensão desse espírito até aos domínios da autoridade legítima.
É também sabido que, com o acentuar da liberdade cultural e com a horizontazação dos conhecimentos, tornada possível pelas auto-estradas da informação, as mais elementares revelações da autoridade do Estado passaram a ficar à mercê da contestação da sociedade civil, cada vez mais reivindicativa e mais brigona, e com os cidadãos cada