2318 I SÉRIE - NÚMERO 66
democracia representou para a modernização do País, a sua abertura ao mundo, a sua transformação cultural e a criação de uma mentalidade contemporânea, inovadora, criativa e capaz de iniciativa.
Na sua concepção e realização, este programa poderá juntar os jovens, os artistas, os cientistas, os professores, as Escolas, as Universidades e envolver as associações da sociedade civil, os centros de novas tecnologias e de criação cultural. Tomar-se-ia, assim, numa manifestação de confiança na nossa capacidade para enfrentar o século XXI, num testemunho do poder realizador da liberdade individual e colectiva, numa afirmação, afinal, dos valores universais da democracia.
Neste tempo que é o nosso, caracterizado como nunca pela consciência que temos da complexidade de tudo, da aceleração da vida, da instabilidade dos modelos e da incerteza, precisamos saber agir, simultaneamente, com flexibilidade e com firmeza. Isto é, com expectativa e abertura à novidade e à mudança, mas também com fidelidade a princípios fundamentais e determinação na sua defesa. O fim das certezas definitivas não significa que não tenhamos convicções, nem que renunciemos a lutar por elas. A política não pode confundir-se com uma mera táctica de conquista ou de conservação do poder. Precisa, mais do que nunca, de ideias e de causas claramente assumidas, de ideais e de objectivos, mesmo que saibamos que são contingentes, como tudo o que pertence à vida dos homens e ao que eles concebem e realizam.
As mudanças tão radicais dos últimos anos transformaram a sociedade e a cultura, a economia e a política. Hoje, o mundo é outro. A própria imagem que tínhamos de nós foi alterada. É preciso responder com novas ideias, novos valores e novas formas de acção a novíssimas questões. Não devemos ter receio de mostrar que não sabemos nem podemos tudo e que não temos respostas feitas e fáceis. Procuremos, pois, com a vontade de encontrar e encontremos com o desejo de procurar ainda. Não tenhamos a tentação de substituir a busca que é feita com consciência. imaginação, competência e rigor pelo pensamento pronto-a-usar, que pode provocar alguns efeitos sensacionalistas, mas pouco serve para o que verdadeiramente conta no futuro.
O regime democrático que nasceu com o 25 de Abril, nos 23 anos em que se consolidou e desenvolveu, teve de responder a muitos problemas complexos, alguns específicos e próprios da situação portuguesa, outros enfrentados por todos os países. Tivemos de vencer dificuldades e contradições, tornear obstáculos, afastar riscos.
Essa experiência histórica representa um património muito valioso. O código genético da nossa democracia tem as marcas da adaptabilidade e do auto-aperfeiçoamento, mas é também portador de referências e valores sólidos que são fundamentais. Os primeiros desses valores são, naturalmente, a liberdade e á tolerância. As referências capitais são o impulso solidário e a vontade modernizadora e de abertura.
Neste dia, é bom que lembremos os nossos direitos democráticos, mas também os nossos deveres para com a democracia, a nossa responsabilidade na sua vitalidade e aperfeiçoamento. É necessário lutar contra as rotinas que geram o imobilismo e contra as formas de instalação que provocam o comodismo, a passividade ou a indiferença. Sabemos que a democracia tem de ser praticada e participada, com uma atitude activa. Mas é preciso, num tempo em que tudo mudou, inventar novas formas de participação, de intervenção e de mobilização, pelas quais a cidadania se exerce, vencendo a tentação do egoísmo que fecha os indivíduos e os grupos nos seus interesses imediatos.
Por isso, é fundamental que encontremos novos meios de aproximação da política aos cidadãos e de abertura à sociedade e aos movimentos que a percorrem e lhe dão dinamismo. Esta procura cabe, em primeira linha, aos partidos políticos, que têm de ser prestigiados e tidos como os grandes instrumentos de intervenção política na vida colectiva.
Todos sabemos que não é fácil, nas condições de hoje, desempenhar esta função. A própria natureza do poder e do seu exercício alterou-se completamente. O poder está, actualmente, multiplicado, despersonalizado, disperso, mundializado, mediatizado e os seus efeitos produzem-se a partir de dispositivos móveis e mutáveis, cuja substância, em tantos casos, conhecemos mal e não controlamos. Vivemos num mundo de signos, de objectos de consumo, de fluxos de informação, de técnicas, de imagens, em que os laços sociais tradicionais se fragmentaram e fragilizaram, no qual o conceito de realidade se alterou e em que culturas ancestrais se desagregaram. À razão una e universal, sucedeu uma pluralidade de nacionalidades diferenciadas, específicas e locais. Nas nossas sociedades desenvolvidas, a produção e a difusão de informações e de imagens ocupam o lugar que, no passado recente, era o dos bens materiais.
Face a esta situação tão complexa, desconhecida e incerta, os partidos políticos podem ter a tentação de se fecharem sobre si mesmos. Mas esse risco corre-o também a própria sociedade e os indivíduos, como, infelizmente, se tem visto com a emergência de fenómenos de racismo, xenofobia, nacionalismo agressivo, populismo e com o recurso a formas violentas de afirmação identitária e a meios ilegais de autoprotecção c autodefesa.
Temos de prevenir esses perigos, de que, também entre nós, têm aparecido alguns preocupantes sinais. A exclusão tem de ser combatida, decididamente, nas suas causas, que são culturais, económicas e sociais, mas também nos seus efeitos.
Devemos ter consciência de que a identidade individual ou colectiva se afirma, não no medo que paralisa e gera a intolerância, mas no reconhecimento praticado de que a nossa dignidade é inseparável da dignidade daqueles que são nossos semelhantes, quaisquer que sejam as diferenças em relação a nós, às quais, aliás, têm pleno direito.
As grandes áreas urbanas, por exemplo, são, actualmente, universos complexíssimos, submetidos a tensões permanentes e a rupturas bruscas e nas quais tantas vezes a falta de raízes, a erosão dos valores, a crise das referências, a solidão interior e as condições duríssimas de vida são marcas dramáticas que criam uma espécie de anonimato moral e afectivo.
Fenómenos como a droga e a criminalidade, que lhe está associada, não podem ser combatidos eficazmente sem serem analisados deste ponto de vista.
Por isso mesmo, é comum dizer-se que o futuro das nossas sociedades se decidirá, em larga medida, na capacidade que demonstrarmos na luta contra estes flagelos e na necessária re-humanização da vida nos grandes aglomerados urbanos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A democracia é o regime em que os princípios e os valores se afirmam e em nome dos quais se age e reage com legalidade, razoabilidade e eficácia. A democracia, porque é aberta, antidog-