O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2452 I SÉRIE-NUMERO 71

Importará saber, a respeito da Lei Orgânica do Ministério Público, até onde vai o Governo na definição da autonomia do Ministério Público, isto é, se o desenho do modelo de Ministério Público corresponde às exigências de um Ministério Público dirigindo a investigação criminal, a cargo das polícias, agindo estas na dependência funcional daquele.
Importa saber se as alterações pretendidas cumprem, simultaneamente, os objectivos de combater a criminalidade, nomeadamente a altamente organizada, aquela que, insidiosa e impunemente, mina os esteios da democracia.
Mas, simultaneamente, também se tem de averiguar se os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, vítimas e arguidos, têm na legislação processual penal as garantias suficientes dos seus direitos fundamentais.
É necessário que se reconheça que, pouco e pouco, se chegou a determinado modelo, em que muito pesou a crise da justiça penal, o surto de novos e sofisticados fenómenos de criminalidade, próprios de uma sociedade a contas com um neoliberalismo selvagem, geradora de factores criminógenos entre os possidentes e que estrebucha sem meios para combater esses novos e sofisticados fenómenos, que, como um polvo, se alimentam da diminuição dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Somos atirados, assim, para modelos em que às garantias dos direitos fundamentais dos cidadãos se sobrepõem critérios de eficácia e oportunidade, com aqueles tornadas conflituantes, em nome da segurança que os cidadãos reclamam.
Isto porque não se tomam medidas a montante e a jusante, porque, em nome do neoliberalismo, se esqueceu, a montante, que a democracia tem várias vertentes - a económica, a social e a cultural - e que é a democracia, na sua plenitude; que eficazmente combate a criminalidade, a grande criminalidade, que vive do seu enfraquecimento, e, numa sociedade em crise, a jusante da intervenção da justiça penal, se cria um conflito artificial, fomentado por alguns, entre-a segurança dos cidadãos e a reinserção social do condenado.
No meio disto, situa-se a máquina judiciária, e quase que só a ela se exige que garanta a segurança dos cidadãos.
O modelo processual penal é acossado e, em nome do que dizem ser um excessivo garantismo, vamos fazendo alterações que sempre, teoricamente, encontram justificação, mesmo às vezes para cercear os direitos das vítimas, como aconteceu com o sistema de reparação das vítimas de crimes vazado no actual Código de Processo Penal.
Em nome da pureza do princípio da adesão, deixaram-se milhares de vítimas sem ajusta reparação que, no Código de Processo Penal de 1929, lhes estava garantida.
Salienta-se, desde já, como positiva, a alteração que, nesta matéria, o Governo propõe para o novo Código de Processo Penal.
Em nome da eficácia, foi enfraquecendo a figura do juiz de instrução, surgido, no modelo processual penal, como garante dos direitos, liberdades e garantias.
Acusada a falência dos juízes de instrução, criou-se o modelo de direcção da investigação constante do actual Código de Processo Penal, para o triunfo do qual se reivindicou - e nós reivindicámos - como necessário dotar o Ministério Público de verdadeira autonomia, dotá-lo dos meios técnicos e humanos necessários para verdadeiramente dirigir a investigação criminal, sem o que se corriam riscos de policialização da mesma, com todos os perigos inerentes.
A entrega da direcção da investigação ao Ministério Público, magistratura que, muito justamente, reivindicava a consagração constitucional da sua autonomia, indispensável a quem, pela própria Constituição, tem o estatuto de defensor da legalidade democrática, entrou no texto constitucional através da revisão de 1989.
Já aqui nos referimos aos projectos em que três partidos propunham, de facto, uma alteração, em obediência à autonomia do Conselho Superior do Ministério Público. Nós, em sede de especialidade, iremos apresentar uma proposta de alteração - e adie irei-me que o Sr. Ministro da Justiça, dada a posição do Grupo Parlamentar do PS nesta matéria', não a tivesse proposto - que, de facto, a Magistratura do Ministério Público também reclama.
Chegados ao ano de 1998, e depois de rejeitadas propostas do PCP para á revisão constitucional, de facto, impunha-se que se tivesse tomado outro rumo. E esta alteração não será de somenos importância na análise das propostas de lei, nomeadamente na análise da proposta relativa ao Estatuto do Ministério Público.
A questão da autonomia não é de somenos importância na reflexão sobre a constituição do Departamento Central de Investigação e Acção Penal.
Vem justificada a criação deste departamento com o facto de o Ministério Público, para verdadeiramente dirigir a investigação em crimes de grande complexidade, necessitar de concentração de meios que o municiem em relação à criminalidade altamente organizada. Esta foi, aliás, a justificação para a criação do NAT.
Como tive ocasião de assinalar durante os debates prévios, a proposta constitui um modelo de Ministério Público um tanto diferente daquele por que vínhamos clamando: não é, no entanto, um modelo completamente diferente, porque os meios proporcionados ao Ministério Público, com a criação do DCIAP, tornam possível o exercício de uma verdadeira direcção da investigação criminal, investigação que continuará a cargo das órgãos de polícia criminal, nomeadamente à Polícia Judiciária, a quem, aliás, devem também ser concedidos meios, que não têm, para a investigação de crimes de extraordinária complexidade.
Sem os meios, que é justo prever que o DCIAP proporcionará, teremos um Ministério Público completamente desmuniciado, apondo assinaturas em volumosos processos, sem poder, de facto, dirigira investigação criminal, mas também é necessário que se responda, do lado da magistratura judicial, com um juiz do processo, um juiz de instrução, que não ponha também o seu visto sobre o trabalho do Ministério Público.
A verdade é que os juízes de província não têm capacidade nem meios para os volumosos processos - não sei se haverá muitos pendentes - relativos, por exemplo, à criminalidade de branqueamento de capitais.
No entanto, temos algumas reservas em relação aos quadros do DCIAP. E temos reservas, porque, como, aliás, anotei no relatório que apresentei na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, os lugares do DCIAP são por nomeação em comissão de serviço, por três anos, renovável. Ora, muito embora a questão das directivas