O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

5 DE JUNHO DE 1998 2671

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta, que beneficia do tempo que tem mais o tempo que o CDS-PP lhe cede, que de 3,2 minutos.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: E indiscutível a necessidade de legislar sobre esta matéria. Já foi referida por colegas da minha bancada a sua importância a complexidade, que, em meu entender, não se compadece com o pouco tempo que foi atribuído a este debate. O desejo de ter filhos inerente a pessoa, deve ser apoiada fazer o tratamento da infertilidade é indiscutível. O vazio legislativo é inconveniente, pelo que devem ser estabelecidos por lei quadros que consagrem soluções Ética a socialmente aceitáveis. Por isso há que afirmar que os limites a estabelecer não podem ser apenas os da possibilidade técnica da realização. Nem tudo o que é tecnicamente possivel pode ou deve ser feito, nem se pode dar a esta questão um mero tratamento técnico ou médico, esquecendo os problemas filosóficos, éticos, psicológicos e jurídicos que a procriação medicamente assistida coloca.
Sublinho ainda que a essência da política impõe que os actos realizáveis e a definição de prioridades sejam feitos de acordo com os valores da comunidade.
Dito isso, impõe-se colocar, antes de mais, esta questão ao Governo: por que razão não submeteu ainda á Assembleia da República, para apreciação parlamentar, a Convenção para protecção dos direitos humanos e da dignidade do ser humano perante as aplicações da biologia e da medicina, a chamada Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina, assinada per Portugal há mais de um ano, em 4 de Abril de 1997, bem como do primeiro protocolo adicional que proíbe a criação de seres humanos geneticamente idênticos, designadamente por utilização de clonagem?
Come sabem, estes textos resultaram de mais de 1O anos de trabalho no âmbito do Conselho da Europa e contém princípios fundamentais, que deveriam ser aqui debatidos e, espero, aprovados.
A proposta hoje em apreqiação contém algumas soluções aceitáveis do ponto de vista social, ético e dos valores da comunidade as quais o Sr. Deputado Barbosa de Melo já se referiu.
Constavam, aliás - é bom sublinhá-lo -, dos pareceres do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, o primeiro de 1993 e o segundo de 1997, este já sobre a presente iniciativa do Governo.
Aceitamos como indiscutível que deve ser ajudado quero manifestar o desejo de procriar em case de infertilidade, mas tal ajuda tem de ser feita no respeito por um principio ético fundamental, e firmado pelo referido Conselho: o principio da não instrumentalização da pessoa humana.
Em nosso entender, essa instrumentalização não se verifica no caso da procriação medicamente assistida homóloga, em que os espermatozoides e os ovócitos provem do casal que quer assumir a geração do novo ser. A dissociação que, de facto, as técnicas da procriação medicamente assistida estabelecem entre o acto sexual e a procriação cede perante outros valores superiores, que são conhecidos.
Pelo contrário, a procriação medicamente assistida heteróloga coloca questões muito graves do ponto de vista ético a axiológico: desde logo a instrumentalização do dador, reduzido a simples produtor de células reprodutivas

e a sua desresponsabilização de um projecto em que intervem; depois, a quebra da unidade procriativa do casal, pela intromissão de um elemento fundamental, portador de determinantes genéticos da pessoa vindoura, que lhe é estranho é também a introdução de uma assimetria nesse projector finalmente - e é o mais importante, diria até que é o mais importante -, priva o nascituro das suas raízes genéticas e até mesmo das relações filiais com um dos seus progenitores, ou eventualmente com os dois, a que tem direito.
Entendemos não ser eticamente aceitável que se prive a criança do seu direito a identidade, que inclui o direito a conhecer os progenitores genéticos, a conhecer a origem do seu património genético. Este direito está, em certos países, como a Suécia, a pôr em causa o anonimato dos dadores, para retirar a dação de gâmetas o carácter despersonalizado, «coisificado» ou «reificado» com que se tinha apresentado.
Os direitos dos eventuais nascituros não podem ser secundarizados e muito menos esquecidos perante os anseios dos adultos. A solução de um determinado problema não pode criar problemas maiores a médio e a longo prazos.
Como nota o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida no seu parecer de 1997 - que contém, é verdade, anexas várias declarações de veto, mas a maior parte delas ainda mais contrárias á procriação medicamente assistida heteróloga do que o próprio parecer -, os progressos recentes das técnicas de micro-injecção intracito-plasmática de um espermatozoides poderão tornar praticamente dispensável o recurso á dádiva de sémen a curto prazo. Nos casos em que isso ainda não seja possivel, e que se vão reduzir cede vez mais, o recurso a adopção parece ser a melhor solução.
Por tudo isto, desejamos e esperamos modificações profundas no debate na especialidade. Aceitamos, como o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, a procriação medicamente assistida homóloga, mas não a heteróloga.
Em primeiro lugar - e para concluir, Sr. Presidente e Srs. Deputados -, devido a instrumentalização da pessoa, a violação de um direito fundamental do nascituro, que o previsto anonimato põe em causa e que aliás, como aconteceu na Suécia, não vai resistir assim que essas crianças atingirem a idade adulta; devido a um principio de ética da responsabilidade já que, pare resolver um problema hoje não podemos criar, a médio e a longo prazos, enormes problemas, muito maiores do que os actuais; porque devido a evolução rápida da ciência esta solução vai tornar-se dispensável; devido ao tratamento medicalizado que se pretende dar a esta questão, esquecendo as questoes éticas, filosóficas a psicológicas - não digo que o Governo o faça completamente, mas coloca-as em segundo plano - as quais se referiu a Conselheira Eng.ª Maria de Lourdes Pintassilgo na sua declaração de veto no conselho Nacional de Ética; devido também a verificação de sérias insuficiências na protecção da maternidade, nos cuidados de saúde, em geral, a na luta contra a infertilidade, cuja superação devia passar antes de qualquer ideia de procriação medicamente assistida.
Por tudo isto, o nosso veto dependerá do texto que aqui voltar. Lembro ainda que esta é uma matéria tão delicada, tão vasta e tão complexa que não tolera pressões e que deve ser vista á luz dos valores e dos princípios fundamentais que estão na nossa Constituição, a começar pela dignidade da pessoa humana.

Páginas Relacionadas