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2668 I SÉRIE-NÚMER0 77

O PSD quer saudar a intenção do Governo, implícita na proposta de lei n.º 135/VII, de desencadear o processo tendente satisfação de uma incumbência legislativa resultante da última revisão constitucional.
A ordem jurídica portuguesa sofre, de facto, de um vazio legislativa quase absoluto no domínio da procriação medicamente assistida, contrariamente ao que ocorre na generalidade dos Estados da União Europeia. A falta de uma legislação reguladora suficientemente desenvolvida dá origem a perplexidades, a indefinições, a obscuridades que são intoleráveis, quer para os profissionais da saúde, quer para as pessoas que a eles recorrem, e esta a ocasionar ou a permitir, aqui a ali, porventura, práticas menos consentâneas com a cultura ético-jurídica própria do Estado de Direito.
A verdade é que a procriação medicamente assistida há muito corrente nos centros de Lisboa, Porto e Coimbra, quer em estabelecimentos públicos; quer em estabelecimentos privados, e parece nem sempre haver aí unidade de orientação em aspectos fundamentais juridicamente relevantes como nos foi possivel inferir das audições de eminentes especialistas a que a Assembleia da República, em boa hora, recorreu para preparar a sua decisão legislativa.
O atraso do legislador está, assim, provavelmente, a ter custos humanos, públicos e sociais consideráveis. Em debate temos hoje questões que não são de pura estética ou elegância legislativa, mas questões nucleares, pelos protagonistas que envolvem e pelos valores que põem em jogo. A procriação assistida, com efeito, afecta directamente o canal estéril, o médico e o estabelecimento de saúde, o biólogo, os dadores, o embrião, o filho procriado, a família, a sociedade, a espécie humana; e mexe com os valores cimeiros da civilização respeitantes á integridade da mulher, a vida privada e familiar do casal, ao filho procriado e aos dadores, a responsabilidade do médico, a preservação do património genético da humanidade, ao estatuto jurídico do embrião in vivo ou in vitro, a dilucidação dos problemas da filiação, a paz e a felicidade das famílias, etc., etc.
Pare o PSD, o critério geral de uma boa lei da procriaq5o medicamente assistida deve assentar no reconhecimento de que a criança a procriar e, ela mesma, o centro de toda a valoração dos interesses, múltiplos e qualitativamente muito diversos, que concorrem ou se inscrevem nas situações de infertilidade de um canal heterossexual. Os interesses dos adultos, sejam quais forem os protagonistas, estão-lhe subordinados sempre e em qualquer caso.
Como diz uma autora numa formula feliz, «a criança e um fim em si mesma e não uma prótese que se ofereça ao canal para colmatar a sua deficiência de procriação». E esta a ideia basilar da atitude do PSD nesta matéria.
A necessidade de uma lei com este objecto não precisa, portanto, de ser elencada. Assim, bem andaram o Governo, ao desencadear este processo legislativo, e a Assembleia da República, ao prestar-lhe o maior cuidado e ponderação.
Os princípios gerais em que a proposta de lei assenta, inspirando as soluções apresentadas, constam da excelente exposição de motivos que antecede o articulado. Não cumpre ao PSD reapresentá-los nem sobre eles tecer mais considerações.
O que me proponho fazer rapidamente a apontar as nossas divergências quanto a alguns desses princípios a ás nossas criticas a soluções tiradas de princípios que nos

parecem certos, mas que são, elas próprias, inaceitáveis á luz de um bom tratamento legislativo desta matéria.
Assim, o PSD recusa ou põe as mais sérias reservas aos princípios e soluções perfilhados e apresentados pela proposta de lei, que a seguir vou referir.
Em primeiro lugar, o princípio da admissibilidade da utilização de espermatozoides ou ovócitos de um dador ou dadora, ou de um dador e de uma dadora, estranhos ao canal beneficiário (inseminação ou fecundação heterólogas). A, luta contra a infertilidade e o sofrimento que ela traz ao canal justificara a possibilidade do recurso a dadores (de sémen, de ovócitos, de embriões) estranhos ao canal? Não violará este princípio a exigência constitucional segundo a qual a lei da procriação assistida visa «proteger a família»? Cremos, seguramente, que sim. Mas das razões que temos sobre reservas a fecundação ou inseminação heterólogas falará, mais apropriadamente, o meu colega Pedro Roseta.
Em segundo lugar, a proibirão de inseminação ou de fecundação da mulher com esperma do marido ou do homem com quem vivia em união de facto (portanto, inseminação ou fecundação homóloga), após a morte deste, ainda que ele houvesse consentido na utilização do seu sémen para tal fim. Este tema já foi abordado e a própria Sr.ª Ministra distanciou-se da solução a que se chegou.
Do nosso ponto de vista, é evidente que não pode proibir-se esta inseminação. O que deve fazer-se, em nosso juízo, não é proibir uma inseminação que a homóloga. O que há a fazer é pôr um prazo á utilização do sémen pelo marido.
Há aqui um argumento que a Sr.ª Ministra já aduziu numa resposta que deu á Sr.ª Deputada Isabel Castro. E que ha negócios que podem fazer-se com esta procriação tardia. Mas isso, meus caros companheiros de tarefa, pode acontecer com toda a procriação medicamente assistida. Desgraçadamente, também nesta matéria, pode haver negócios em todos os momentos do processo.
Aliás, se fosse proibir-se a inseminação com sémen do marido ou do companheiro mono só porque ele morreu, aqueles bancos previstos para a recolha de sémen teriam de saber em cada momento se algum dador já tinha morrido, caso contrario estaríamos a tratar diversamente os que nada tem a ver com o casal e um que fez parte do casal. A soluq5o não é sequer congruente do ponto de vista da racionalidade jurídica.
Em terceiro lugar, o recurso a técnicas de procriação medicamente assistida e, bem assim, a identidade de qualquer dos participantes são abrangidos na proposta de lei por um rigoroso dever de confidencialidade.
Ora, como é que se pode negar a alguém - eis a duvida - o direito de saber circunstâncias objectives, registadas e arquivadas e que outros têm acesso que dizem respeito a si próprio e a sua origem a que lhe é vedado chegar lá? Como é que se pode fazer isto? Este é um ponto em que assenta a proposta de lei e que nos merece as maiores críticas.
Por último, dou um outro exemplo de um princípio que também nos parece mau: é preciso estabelecer claramente o limite ao número de pessoas nascidas com recurso a gâmetas de um mesmo dador. E a biodiversidade imprópria da espécie humane que assim o exige. Aliás, em Direito Comparado esta solução a sempre seguida, e dou o exemplo do Code de Sante Publique onde se estabelece que do mesmo dador só pode ser utilizado sémen para cinco crianças assim nascidas. Portanto, tem de haver um limite para isto.

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