2776 I SÉRIE - NÚMERO 8O
O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se alguma dúvida pudesse haver sobre as reais intenções do PS e mesmo até do Governo por ele apoiado relativamente às instituições e aos aspectos basilares da nossa sociedade e da nossa cultura, essas dúvidas poderiam ficar exemplarmente dissipadas com a apreciação do presente projecto de lei e das sua motivações - as confessadas e as implícitas.
Não se pode esperar, em rigor, que o PS aceite que a família constitui a base primeira e essencial, a estrutura fundamental da nossa sociedade, e que seja precisamente na família que o indivíduo se transforma em pessoa, recebendo as primeiras e determinantes noções acerca do bem e do mal, do afectivo, da solidariedade, do significado de ser amado, da estabilidade e do desenvolvimento emocional, de forma a prepará-lo, o melhor possível, na sua única e irrepetível vivência e destino.
Não se pode esperar que o PS aceite que a família, o casamento - o compromisso de uma ligação estável com outra pessoa e a justa medida da responsabilidade de gerar e de educar filhos -, seja qualquer coisa que, pela sua função de solidariedade social, geracional, educacional e afectiva, transcenda a mera álgebra dos indivíduos que a compõem e se projecte em todo um papel e uma importância muito para além desses mesmos sujeitos, ganhando foros de instituição primeira da nossa sociedade e da nossa cultura.
Muito pelo contrário, o PS faz profissão de fé em desencorajar a realização das autênticas condições de geração humana, tudo apostando na sensação do momento, na compensação da ocasião, na manutenção do casamento só e enquanto for compensável, só e enquanto for imediatamente estimulante e aliciante.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Exactamente!
O Orador: - É certo que homem e mulher devem ser inteiramente livres de escolher o seu destino, o modo como se pretendem ligar, viver, afectiva e emocionalmente, e constituir família.
Nenhuma discriminação deve haver sobre isso; nenhuma discriminação pode acontecer sobre famílias constituídas no casamento ou fora dele - estas devem ser, de forma absolutamente rigorosa, igualmente respeitadas, apoiadas e consentidas. Só casa quem quer, e quem não quer não pode sofrer qualquer penalização por esse facto.
Mas é precisamente por isto - facto indesmentível entre nós - que este projecto de lei do PS é particularmente chocante e inaceitável, precisamente por pretender menorizar, descaracterizar, envilecer mesmo, o casamento ao não permitir que a sua excelência, a sua estabilidade, o seu carácter institucional possa, entre nós, de forma igualmente livre, exercer a sua pedagogia cívica, a sua pedagogia do nosso sentir e da nossa cultura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não nos repugna que o período de tempo de separação de facto, para que objectivamente possa ser requerida a dissolução do casamento através do divórcio, possa ser inferior a seis anos. Compreende-se, sem custo, que seis anos é tempo mais do que suficiente para se concluir pela solvabilidade de um casamento.
Parece-nos igualmente que o período de ausência, sem que haja notícias, por quatro anos é igualmente excessivo, não obstante dever aqui verificar-se particular cuidado a previsão ou na assimilação por parte do legislador de todo um conjunto de situações que deverão ser criteriosamente ponderadas e pensadas.
A determinação dos períodos de tempo adequados e o acautelamento daquelas situações apenas referidas será todo um trabalho que, em nossa opinião, deverá ser desenvolvido em sede de especialidade e para o qual nos declaramos, desde já, disponíveis.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os aspectos essenciais deste projecto passam justamente pela abolição de um período de tempo mínimo de vivência do casamento - hoje de três anos - para que o divórcio por mútuo consentimento possa ser requerido.
É certo que o nosso actual sistema legal não comete a violência de obrigar os cônjuges a um casamento insustentável, já por que o divórcio litigioso, com base na violação culposa dos deveres conjugais, é peticionável a todo o tempo, já que a própria separação de facto é um meio adequado de se obter a dissolução do casamento.
Isto para referir, fundamentando, que o divórcio por mútuo consentimento se tem de centrar no absoluto poder de disposição dos cônjuges, na sua exclusiva vontade, sendo precisamente por isso que a lei ou faz sentir a função institucional e a dignidade primeira do casamento, precisamente decorrente da sua função social e cultural única, ou o esvazia de conteúdo, o banaliza e lhe retira esse carácter institucional que deve preservar, envilecendo-o.
É exactamente isso que este projecto lei pretende: a descaracterização do casamento, e fá-lo mesmo com algum cinismo, ao pretender aumentar o período que obrigatoriamente medeia entre a 1.ª a 2.ª conferências de divórcio de três para seis meses.
Ou seja, este projecto de lei permite que no dia a seguir ao da celebração do casamento, e, supostamente, por "dá cá aquela palha", os cônjuges possam dirigir-se ao tribunal e, solenemente, pedir a dissolução do casamento, para, depois, passados seis meses, lhes voltar a perguntar se, afinal, sempre querem. Edificante!
Mas não se fica por aqui e vai mais longe, ao retirar a possibilidade do divórcio por anomalia psíquica de um dos cônjuges.
A lei actualmente em vigor prevê toda uma regulamentação que tenta conciliar o carácter institucional do casamento, a aplicação, no seu máximo, do dever de cooperação entre cônjuges, designadamente ao não permitir que nesta modalidade e nestas circunstâncias o divórcio seja decretado se tal facto for susceptível de agravar o estado de saúde do cônjuge requerido, e o direito compreensível do cônjuge de pretender refazer a sua vida familiar.
É uma necessidade histórica a regulamentação dos divórcios em todo o mundo civilizado.
Ao fazer-se desaparecer a especialidade legislativa desta situação, o PS quase que ridiculariza o dever de cooperação entre cônjuges, e, num caso limite, desculpabilizando e empurrando o cônjuge são, e que não pretende a manutenção do casamento, para o rompimento precoce e sem alternativa da vida em comum e do seu casamento, com vista a contabilizar o tempo imprescindível para que, agora com o único fundamento possível, o da separação de facto, seja decretado o seu divórcio.
Passaremos, assim, todos - digo alguns - a ter a excelência da pedagogia da solidariedade socialista e ainda da coerência de um sistema legal que, à segunda-feira, decreta divórcios por violação culposa dos deveres conjugais - neste caso do dever de cooperação -, e, às terças-feiras, decreta divórcios constatando e sancionando situações precisamente de violação do mesmíssimo dever de cooperação, da forma mais grave e mais desumana, para a qual precipitou os cônjuges.