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928 I SÉRIE -NÚMERO 26

(...)der. Apenas doze fiéis (um deles nem tanto...) recrutados entre gente desarmada e simples. O pobre no lugar do rico; a igualdade no lugar da diferença; o despojamento dos bens no lugar da riqueza; a austeridade no lugar da opulência; a família humana no lugar do parentesco do sangue; o amor universal no lugar do ódio.
Que revolução! Outra de idêntico sinal, custar-lhe-ia hoje por igual a morte, ou a vida, como se queira, se um desígnio superior a não tivesse determinado.
Passou-se algo de semelhante - salvaguardadas as devidas proporções - com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. A liberdade onde era a sujeição; a igualdade onde era a discriminação; o direito à vida onde eram a pena de morte e a guerra; o trabalho livre onde era o trabalho forçado ou ainda escravo; a segurança onde era o risco; a justiça e a legalidade onde era o arbítrio; a privacidade onde era a devassa; o pensamento livre onde eram o dogma e a censura; a palavra solta onde era o silêncio; enfim direitos e não só deveres!
Que salto! E no entanto, também desta vez a semente da mostarda gerou a mostardeira! Aparentemente inermes, os "Direitos Humanos" venceram exércitos, derrubaram ditaduras, vergaram ditadores. Ao ganharem raízes no coração dos homens, adquiriram mais força do que muitas toneladas de trinitroglicerina!
Que fenómeno é este, que torna o fraco forte, o pouco muito, e o circunscrito universal?
A pergunta tem tanta mais justificação quanto é certo que a Declaração Universal dos Direitos do Homem não nasceu tão dotada de originalidade que o seu êxito possa encontrar explicação no impacto do novo sobre o velho. Cristo, sim, foi surpreendentemente além dos anteriores profetas.
Não assim a Declaração. Toda uma genealogia de textos versando a temática dos direitos humanos a precedeu sem que os valores antípodas sofressem o menor incómodo.
Mergulha as raízes no húmus longínquo da filosofia estóica e no direito natural. E se a Idade Média, com a sua intolerância, não foi favorável ao florescimento dos direitos humanos, o iluminismo, que serviu de caldo de cultura ao triunfo da razão, criou condições para a sua afirmação na Declaração de Independência dos Estados Unidos, em 1776, na Declaração Francesa de 1789, depois convertida em declaração preambular da Constituição de 1791. Voltaram a marcar presença não apenas simbólica no Pacto que criou a Sociedade das Nações, em 1919, na Carta do Atlântico, em 1941, e na Carta das Nações Unidas, em 1945, cujos objectivos "repousam expressamente sobre o respeito universal dos direitos do homem". Refere-os sete vezes.
Antecedentes podem também ser considerados o Tratado de Viena, de 1815, relativo à proibição do comércio de escravos, as primeiras Convenções de Genebra, de 1864, relativas à protecção de feridos e doentes em tempo de guerra, a Constituição da OIT, de 1919, centrada no respeito pela dignidade dos trabalhadores. Isto para não recuar até à Magna Carta Inglesa ou ao Bill of Rights.
O próprio René Cassin, que foi o mais influente progenitor da Declaração - após parto difícil, precedido de 1400 votações, quase palavra a palavra - não terá podido imaginar o rotundo êxito que viria a ter, dado que foi de imediato considerado um "documento não obrigatório, apenas com valor moral, sem força executória". Apesar disso, anotou Cassin, "o seu valor ultrapassa o de uma simples recomendação".
De facto, que "milagres" podia um tão fino jurista esperar de normas não juridicamente vinculantes, que não fossem "algo mais do que uma recomendação", mas em qualquer caso menos do que uma eficaz imposição?
Não se tinham os textos anteriores, apesar da sua dignidade formal, ficado pelo limbo das intenções piedosas? Acaso impediram eles as guerras mais violentas e o genocídio mais cruel?
É certo que a Declaração fazia apelo à dignidade inerente a toda a pessoa humana e à inalienabilidade e imprescritibilidade dos direitos à liberdade e à igualdade. Mas não havia a filosofia cristã feito durante séculos apelo à dignidade do ser humano? E a liberdade e a igualdade não haviam sido tónicas da trilogia famosa da revolução francesa?
Porquê, então, esse novo êxito de princípios e regras ético-sociais que, verdadeiramente, pouco ou nada tinham de novo?
Creio eu que por diversas razões.
Primeira razão: o lugar em que nasceu. Ela nasceu no espaço da primeira organização política mundial que adregou pegar de raiz e ver-se respeitada.
Segunda razão: o momento em que a sua boa nova foi dirigida ao coração dos homens. Esse momento foi o termo recente da guerra mais global, mais destrutiva e mais cruel da era moderna. Aquela em que o ser humano desceu até ao ponto mais baixo do seu aviltamento.
A Humanidade estava farta de se indignar, farta de sofrer, mais do que nunca desiludida consigo mesma. Estava pois madura para a "boa nova" que a Declaração continha.
Terceira razão: estávamos no dealbar do processo de globalização, com a explosão tecnológica a criar pela primeira vez condições para uma Organização Mundial, e para um código de conduta que aspirasse à universalidade. Esse fenómeno, que viria a assumir contornos irreversíveis, minou os alicerces tradicionais da soberania do Estado-Nação, principal obstáculo ao florescimento e à aceitação de princípios e regras de validade universal. A Carta Constitutiva da ONU, de passo que reafirmava a soberania dos Estados, definia-a como "um centro onde se harmonizassem os esforços das nações, em direcção a fins comuns", nos quais se inscrevia, precisamente, a aprovação de uma "Declaração Universal de Direitos do Homem".
Quarta razão: o risco nuclear. A guerra tinha acabado com um holocausto: a explosão de duas bombas de hidrogénio. O sentimento universal de um novo risco potencialmente destrutivo do próprio planeta, por um lado impediu novas tentações de guerra quente e por outro deu aos seres humanos um sentimento novo de pertença a uma só família, viajando a bordo da mesma nave no espaço sideral.
Quinta razão: a guerra fria que se seguiu à quente. Os direitos humanos serviram ao Ocidente de arma de arremesso político contra os países do Leste. Os do Leste a explorarem a distinção entre direitos formais e direitos reais, e a acentuarem que os direitos humanos dependem menos da sua ligação à natureza humana do que às garantias económicas e sociais do seu efectivo gozo. Que mais vale - questionaram - pão sem direitos ou direitos sem pão? E os do Ocidente a enfatizarem a sua ligação à democracia e à eminente dignidade da pessoa humana, e a sobrevalorizarem o seu reconhecimento formal e o alto grau da sua realização concreta. O que mais vale - rés-