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926 I SÉRIE -NÚMERO 26

(...) nização, o fim do apartheid, as mudanças políticas nas nações onde reinava a ordem totalitária, o fim da guerra fria. A democracia e os direitos humanos tiveram um progresso e evolução significativos, ainda que haja um longo caminho a percorrer à escala planetária.
Os direitos humanos estão sempre ameaçados, ou, pelo menos, sempre confrontados com numerosos e graves desafios e ameaças. Onde não se respeita o princípio de igual dignidade de todos os seres humanos, há a tentação do abuso ou do seu desrespeito. O que dizer, ainda, do facto de todos os dias, segundo números do último Relatório da Amnistia Internacional, cada dia, hoje, morrerem de fome ou subnutrição 35 000 crianças em todo o mundo? E quantas morrem vítimas das guerras e das violências? O que dizer dos 1,3 biliões de pessoas que lutam para sobreviver com menos de 200 escudos por dia? O que dizer dos biliões de adultos, na sua maioria mulheres (o rosto privilegiado da fome), que não sabem ler nem escrever; e dos prisioneiros de consciência que definham em prisões espalhadas por todo o mundo; ou das vítimas de tortura num terço dos países do mundo?
O que dizer das lutas dos povos de homens e mulheres pela liberdade?
O que dizer do Mártir Timor Leste?
O que dizer de uma ditadura obstinada assente na corrupção e no terror?
Que dizer da heróica resistência de um povo que enfrenta a privação dos mais elementares direitos individuais: o assassinato, a tortura, o genocídio, o crime contra a humanidade?
Os direitos humanos - não nos podemos iludir - não são direitos espontâneos, naturais, mas emergiram na sequência de lutas históricas de grupos oprimidos, marginalizados ou excluídos. Uma luta que muitos tiveram de travar para serem reconhecidos como "seres humanos" na plenitude dos direitos humanos: os operários, as mulheres, os judeus (honra à memória e à grandeza de Aristides Sousa Mendes), os refugiados, as pessoas que pedem asilo, os ciganos, os homossexuais.
Mas no dia de hoje importa não esquecer, também, o carácter laico dos direitos humanos. E perceber o risco que implica o fundamentalismo religioso, o fundamentalismo islâmico, o fundamentalismo cristão ou um judaísmo fundamentalista têm a pretensão da verdade absoluta da religião com que se identificam e até a susceptibilidade da sua imposição pela violência. As legitimações religiosas, assim entendidas, são incompatíveis com o princípio da igualdade dos que são diferentes, ou aderem a outra religião. A legitimação laica dos direitos do homem, na sua indissociável tolerância e respeito pelo outro, é um referente essencial do humanismo universalista e do princípio da separação das Igrejas e do Estado.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

Mas se há outro desafio, também maior, que hoje se coloca à Declaração dos Direitos Humanos, é o que resulta do génio criador do Homem.
O progresso científico e técnico, quer ao nível do ambiente, do património genético ou comunicação por meios electrónicos. Entre o progresso e a vida, o desenvolvimento exige a harmonia dos equilíbrios, a sábia ponderação entre o que pode fazer-se e o limite dos direitos humanos quando "não se pode fazer tudo o que pode ser feito". Em nome da irredutível humanidade do ser humano. E sempre sem esquecer a ideia de um equilíbrio global, mais vasto, de desenvolvimento, o qual apela a uma melhoria sustentável da qualidade de vida. E o direito e o dever a um ambiente de vida humana "sadio e ecologicamente equilibrado".
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É o direito à igual dignidade de cada ser humano que consagra a humanidade do Homem.
Assim, o escândalo permanente da fome no mundo é um acto consentido e inadiável de desumanidade, o qual não tem sido contrariado com os programas governamentais de luta contra a exclusão.
O integrismo do mercado à escala mundial, tem conduzido à abolição das decisões colectivas e à imposição da supremacia dos valores do mercado sobre os valores políticos e sociais. Isto é, à maximização do lucro na indiferença das questões morais, éticas e sociais.
Se há direitos de protecção absoluta, na indiscutível indivisibilidade dos direitos civis e políticos e económicos, sociais e culturais, os que não admitem excepções ou derrogações são claramente o direito à dignidade do ser humano, à dignidade vital de subsistência, das condições de vida digna, o qual exclui ainda a tortura e a escravatura, ou qualquer pena ou tratamento desumano ou degradante.
Está a percorrer-se nos nossos dias um tempo especial e apreciável em que a humanidade procura, no exercício da memória e da prevenção, lutar mais consequentemente contra a tirania e a barbárie.
A adopção, pela primeira vez na história, de um Tribunal Penal Internacional permanente, em Julho último, no âmbito da ONU, abre um novo capítulo no combate à impunidade dos ditadores. Os crimes contra a humanidade, os crimes de genocídio, os crimes de guerra e os crimes de agressão passam a ser imprescritíveis.
Os ditadores, no activo ou na reforma, podem ser julgados para futuro e a todo tempo por este Tribunal Internacional.

Aplausos do PS.

É urgente que Portugal crie as condições da ratificação do Estatuto do Tribunal Internacional.
Mas mais do que um Tribunal imparcial e independente, e com processo equitativo, é importante aprofundar o papel do direito e da justiça. O caso Pinochet mostra que a memória das vítimas é forte: um sorriso, uma lembrança, a história, um rosto perdido, muitas vidas. A tolerância das vítimas - e das vidas também - tem inexoravelmente o direito à justiça. Seja com Pinochet, Suharto ou outros ditadores.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Um tempo de comemorações exige que se reflicta não só sobre a excelência dos princípios, mas sobre os desafios que nos estão colocados a nós próprios. Onde tudo parece dito - temos uma das mais modernas e afirmativas cartas de cidadania do nosso tempo: a Constituição da República Portuguesa -, mas onde muitos desafios apelam ainda à realização e ao nosso empenho. A começar pela irradicação da pobreza e exclusão social, das condições de degradação absoluta daqueles que ficam sem a direito a uma vida com condições de subsistência digna. E com particular incidência no caso das bolsas de pobreza suburbana, designadamente de muitos imigrantes que não têm asseguradas as condições da sua protecção social e integração cultural e cívica.