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11 DE DEZEMBRO DE 1998 929

ponderam - são direitos e pão, tendo por falsa (infelizmente nem tanto) a recíproca exclusão.
Sexta razão: o ter sido redigida, no dizer de René Cassin, de acordo com preocupações «ecuménicas». «Despida - segundo ele - de todo o espírito de competição nacional, doutrinal ou confessional - como escreveu o seu Pai Fundador - não consagrou, nem o triunfo de um sistema metafísico ou social, nem tentou conciliações impossíveis de teorias adversas.
Foi pois o denominador comum de muitos espíritos de boa vontade.
Sétima razão: o facto de, desta vez, a afirmação dos direitos humanos não ter voltado a ser uma criação abandonada. Bem ao invés, a ONU promoveu a sua divulgação e programou o seu acatamento. Quer através de sucessivas resoluções e recomendações da sua Assembleia Geral e do seu Conselho Económico e Social, que foram adquirindo crescentes autoridade e aceitação, e estiveram na base de um novo direito internacional consuetudinário. Quer dotando-se de órgãos destinados a desempenhar um relevantíssimo papel na criação de condições para que os direitos do homem viessem a ter o impacto que tiveram no futuro do Mundo, nomeadamente o Tribunal Internacional de Justiça. Quer instituindo órgãos e instrumentos em especial dedicados à defesa, promoção do respeito e denuncia da violação dos direitos humanos, tais como a Comissão dos Direitos do Homem à qual foi cometida, exactamente, a preparação da Declaração Universal e a Comissão da Condição da Mulher, a Subcomissão da luta contra as Medidas Discriminatórias e da Protecção das Minorias, a Subcomissão da liberdade de Informação e de Imprensa e a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, entre muitas outras. Quer ainda animando e apoiando a criação de instituições especializadas de idêntico escopo, como a OIT e a UNESCO, ou regionais como o Conselho da Europa, a OEA e a OUA, imbuídas do mesmo espírito. Destaque merece também e já aqui foi destacada a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que de certo modo actualiza e prolonga a Declaração Universal e confere às suas normas a natureza jurídica que a sua matriz não tinha.
É sabido que a Convenção Europeia transformou dezoito princípios proclamados pela ONU, em obrigações jurídicas, garantindo os principais direitos civis e políticos do homem.
Tudo isto e as ONG constituídas para a defesa dos direitos humanos. Tudo isto e o crescente papel dos mass média, foram instrumentos relevantes para a defesa dos direitos humanos e a denúncia da sua violação, em especial para a flagelação do colonialismo e do appartheid, como o estão a ser agora do racismo, da xenofobia, do fundamentalismo, dos tráficos ilícitos e da exclusão social.
Estas terão sido as razões principais da consagração universal e do triunfo dos direitos humanos. Foi como se, em pleno florescimento da razão, tivessem substituindo a voz de Deus.
Daí que os defeitos que foram apontados à Declaração, quando viu a luz do dia, se tenham esfumado ao embale do estrondoso êxito que teve.
Realçou-se então o seu caracter demasiado abstracto e não vinculante, o facto de aspirar à universalização, desconhecer, apesar disso, as diferenças culturais dos povos a que se dirigia, o facto de conter lacunas como a não consagração dos direitos de petição e autodeterminação entre outros, questionou-se a sua natureza jurídica, dado que tinha sido aprovada por simples resolução da Assembleia Geral; do Leste veio, como se disse, a objecção de que não curava da criação das condições necessárias à efectivação dos direitos nela enunciados; tentou-se enfim desvalorizá-la caracterizando-a como um «corpo mínimo» de princípios éticos.
Mas estava escrito que esses pretensos «defeitos» não inviabilizariam as virtudes que revelou, se é que não eram, ou não foram, uma sua condição.
Devemos com efeito questionar-nos sobre se a opinião pública universal estaria preparada para aceitar um código juridicamente vinculante; ou um corpo máximo de princípios, em vez de mínimo; ou a afirmação de valores para cujo triunfo ainda não tinha chegado a hora; ou mesmo a exigência da imediata garantia do exercício dos direitos declarados.
Tudo se quer na hora certa e no momento próprio. A ONU foi aliás fendo a percepção da oportunidade de preencher as lacunas da Declaração, desenvolvendo princípios, aprovando resoluções, promovendo pactos. Foi, com particular relevo, o caso já aqui mencionado do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
Para além disso, a Declaração estava destinada a funcionar como fermento das mais diversas leveduras. Foi assim que os princípios nela consagrados vieram a consumir a fonte jurídico-política de inúmeros tratados internacionais, bem como a referência filosófico-política de um sem número de instituições e organizações. Mais: serviu de inspiração à prática legislativa e até judicial da generalidade dos Estados democráticos. Isto para já não referir os que como Portugal, lhe deu assento constitucional e a recebem como seu direito interno.
Esta circunstância é rica em consequências nem sempre consciencializadas. Quando oiço com iodo o respeito, defender que se arrede o limite material de revisão da Constituição que impõe a natureza republicana do nosso regime político, lembro-me sempre de que. para que se franqueasse em abstracto o regresso a uma monarquia hereditária, teria de ser simultaneamente revogado o artigo 21.º da Declaração Universal, a qual não contempla nenhuma via para a sua própria revisão. E o sagrado não se revoga!
Neste tempo de deserção dos tradicionais valores, é talvez pertinente que nos questionemos sobre se princípios como os consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, não serão afinal os novos valores de que as sociedades humanas precisam para entrar confiadamente no futuro, listaria assim em formação uma nova consciência, mais cívica do que ética, mais colectiva do que individual. Mas que bastaria para desautorizar os que já falam numa era paraética. ou mesmo anti-ética.
«Os direitos do homem - escreveu a este respeito Robert Badinter, ex-Ministro da Justiça de França - constituem a afirmação de uma ética social fundada sobre uma certa ideia do Homem considerado como um ser livre, titular de direitos fundamentais cujo respeito se impõe a todos, incluindo o listado. Essa concepção do homem que e o fundamento da nossa civilização, e se exprime em declarações solenes e convenções internacionais, deve encontrar a sua expressão no novo Código Penal». Resta acrescentar que, entre nos, já encontrou. Mas se o dia de hoje deve ser aquele em que anualmente reafirmamos o nosso apreço pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, deve ser também a oportunidade para um duplo balanço: dos direitos funda-