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29 DE JANEIRO DE 1999 1529

com a proposta que altera o regime das perícias médico-legais e, agora, com a presente autorização legislativa. Ou seja, estamos perante um louvável incremento da adopção de medidas transversais, com incidência directa nas áreas da justiça, da saúde bioética e também da educação e ciência.
Com efeito, estas iniciativas densificam conteúdos e direitos fundamentais dentro do tecnicamente possível, respeitando sempre os limites da ética, da moral e da consciência individual.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Nas últimas décadas, o avanço fascinante da ciência no sentido de desvendar os mistérios da vida ou de procurar prolongá-la, bem como o esforço titânico em suplantar os dramas decorrentes das enfermidades, dos defeitos congénitos e dos conflitos psíquicos de vária índole, tem levado inevitavelmente os cientistas a uma maior manipulação do corpo humano quer ao longo da vida quer, especialmente, após a morte física.
Encontrar na enunciação normativo-legal da dissecação lícita de cadáveres o ponto de equilíbrio entre um desejável desenvolvimento das ciências e o respeito dos direitos fundamentais e dos direitos de personalidade do homem, não é seguramente tarefa fácil. Não obstante, a presente autorização legislativa procura trilhar esse caminho.
Assim, desde logo prevendo que a dissecação de cadáveres e a extracção de órgãos, peças ou tecidos para fins de ensino e de investigação científica seja permitida quando a pessoa tenha expressamente declarado em vida a vontade de que o seu cadáver seja utilizado para aqueles fins.
Fora destes casos, prevê-se que aquela utilização só seja possível desde que a pessoa não haja manifestado, em vida, a sua oposição ou que quem legalmente possa reclamar a entrega do corpo o não faça dentro de um prazo de 24 horas após a tomada de conhecimento do óbito.
Consagra-se, assim, a ideia de que a decisão - quer a decisão afirmativa quer a negativa - cabe ao próprio doador, através de uma decisão livre e consciente.
Por outro lado, pretende-se regular a manifestação de oposição nos mesmos moldes em que já se procedia com o Registo Nacional de não Dadores, acrescentando-se que os não dadores aí inscritos se presumem não dadores para os efeitos previstos na presente autorização legislativa.
Estabelece-se, ainda, com uma moldura penal ajustada, a proibição de comercialização de cadáveres e de peças, tecidos ou órgãos dele extraídos, bem como a revelação da identidade da pessoa cujo cadáver tenha sido dissecado ou o destino dado a peças, tecidos ou órgãos dele extraídos.
Estão ainda devidamente salvaguardadas as questões que têm a ver com a conservação e utilização dos cadáveres, o seu transporte e o destino dos despojos, sempre na linha de uma preocupação de um grande respeito devido aos restos mortais humanos.
Julgamos que o diploma ora em apreço, com as condicionantes apontadas e nos contornos traçados, consegue um justo equilíbrio entre um desejável contributo para o progresso da medicina e um incontornável respeito quer pelos direitos fundamentais e de personalidade do ser humano quer pelos valores éticos, morais e religiosos que lhe estão indissociavelmente inerentes.
Merece, por tal, a nossa concordância e merece igualmente que lhe seja associado uma séria e inteligente campanha de sensibilização pública que, também nesta matéria, conduza a uma sociedade mais esclarecida, passível de traduzir em actos de generosidade e solidariedade o seu contributo para satisfazer as necessidades prementes do ensino e da pesquisa nestes domínios.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Srs. Deputados: Quero, em nome do meu partido, saudar esta iniciativa, porque, de facto, vem clarificar, de forma equilibrada, uma situação de alguma perplexidade que se criava em torno desta questão. E dizemos equilibrada, porque, do nosso ponto de vista, pelo que ficou exposto na intervenção do Sr. Secretário de Estado, embora corroboremos o lamento do Sr. Deputado Barbosa de Melo pelo facto de não ter chegado à 1.ª Comissão nem, sequer, aos nossos grupos parlamentares o texto do projecto de decreto-lei, conseguiu conciliar-se aquilo que, para nós, era fundamental, ou seja, o respeito pela dignidade humana e a questão da solidariedade e, portanto, o esforço que todos devemos fazer para perceber e entender a necessidade académica e de evolução da ciência médica que há e que decorre da disposição dos cadáveres.
Por outro lado, consagrando o primado da decisão da própria pessoa - o doador - e proibindo, de uma forma expressa e inequívoca, qualquer espécie de comercialização, estas são as componentes do equilíbrio que nos fazem, sem qualquer espécie de embargo, regozijar com esta iniciativa.
Para terminar, quero aproveitar esta ocasião para fazer um apelo aos grupos parlamentares no seguinte sentido: há cerca de um ano, foi aprovada na generalidade, nesta Câmara, o diploma que determina os critérios de verificação da morte, que é de primordial importância que seja articulado com esta lei e que jaz na 4.ª Comissão, penso eu, sem, que tenha tido ainda uma saída útil. É evidente que a conclusão destes trabalhos é de uma importância que dispensa qualquer comentário, pelo que fica aqui o apelo para que, rapidamente, consigamos articular estes dois diplomas legais com a certeza de que são fundamentais.

Aplausos, do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Srs. Deputados: Esta proposta de lei esclarece, logo no inicio - e essa é uma prevenção importante -, que o que se vai regular é a disposição de cadáveres para dissecação para efeitos de ensino e investigação cientifica, sendo esse o seu âmbito, e parte de um pressuposto, que é correcto e preocupante, da falta de cadáveres para o ensino e para a investigação cientifica, com prejuízos para ambos, especialmente, atrever-me-ia a dizê-lo, para a formação prática dos estudantes de medicina que se vêem, em muitas situações, na formação que lhes é dada, alheados de uma prática que teria de ser, necessariamente, mais intensa e mais frequente neste âmbito e utilizando estes instrumentos.
É evidente que recenseada esta necessidade, que, julgo, todos acolhem, estamos numa área de sensibilidade, de algum melindre em que é preciso encontrar as soluções equilibradas que não ponham em causa princípios e questões sociais que nesta matéria sempre se colocam.