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1524 I SÉRIE-NÚMERO 41

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Srs. Deputados: Não vou repetir o que escrevi no relatório - que já foi, aliás, gentilmente citado pelo Sr. Deputado António Filipe - mas vou fazer algumas considerações, que espero sejam muito breves, sobre a temática fundamental que está em causa.
O Sr. Secretário de Estado reduziu, julgo eu, a função do bilhete de identidade à identidade propriamente dita no sentido de que "eu sou eu e não outro". No entanto, julgo que esta interpretação é muito redutora. Vou ler-lhe, se me permite, um texto, de 1985, que vem da União Europeia, concretamente da Comissão, Refere esse texto o seguinte: "Com efeito, o bilhete de identidade pode ser uma prova da identidade do seu titular,..." - tal como disse o Sr. Secretário de Estado - "... bem como, eventualmente, da sua nacionalidade ou ainda da sua residência no Estado-membro de que é nacional; pode assim constituir um título de viagem, à semelhança do passaporte".
O bilhete de identidade, Sr. Secretário de Estado, tem n funções e nós, legisladores, temos de ter em conta a prática da nossa vida corrente. Na verdade, já foi salientado que o bilhete de identidade, entre nós, não é prova plena para o que quer que seja; se calhar, nem sequer para a minha. identidade. Isto não é um título cartular. Se eu perder o meu bilhete de identidade, não perdi a minha identidade, hei-de arranjar outro; se perder uma letra, fico sem poder cobrar o crédito, mas se perder o bilhete de identidade, vou arranjar outro, este documento não é um titulo cartular. O bilhete de identidade tem uma certa função e nós temos o dever, como legisladores, de manter esta função adequada aos nossos hábitos sociais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Penso que há aqui uma redução grave do ponto de vista do que é este papel na mão dos portugueses, nos poderes do dia-a-dia.
Eu imaginei no relatório a seguinte situação: uma pessoa casa um mês depois de ter atingido os 16 anos - e entre os 16 e os 18 anos é menor - mas não consta no seu bilhete de identidade o estado de casada; todavia, essa pessoa adquire pelo casamento a plenitude de exercício dos seus direitos civis, políticos e muitos direitos públicos, o que é muito mais importante. De repente, essa pessoa tem de ir buscar uma certi4o de casamento para, juntamente com o bilhete de identidade, poder entrar no tráfico do dia-a-dia mais normal, .ou seja, abrir uma conta num banco ou fazer outra coisa qualquer. Ora, só com o bilhete de identidade essa pessoa não pode fazer isso. Se se tratar de uma conta que precise da maioridade ou da plenitude do exercício de direitos, ou situações deste tipo, essa pessoa tem de provar que está casado e que por isso atingiu a emancipação. Não se pode, pois, retirar do bilhete de identidade o estado civil.
Por outro lado, uma questão que já foi aflorada - e julgo que tem muito a ver com a nossa realidade concreta que sai, se calhar, dos grandes espaços urbanos - , é a de haver pequenas comunidades locais onde os nomes e os sobrenomes são os mesmos, a residência e o local do nascimento também são os mesmos e, por isso, as pessoas distinguem-se, de acordo com aquele princípio matriarcal que inclui a boa tradição portuguesa, dizendo: "este é o João da Ofélia, aquele é o João da Maria, o outro é o João da Rosa". São todos " Jões", mas são identificados pela sua filiação.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O elemento da filiação é fundamental também na nossa cultura profunda do País. Aliás, suponho que um raciocínio deste tipo deve ser tido em conta em relação, por exemplo, a Macau. É outra cultura, não é, sequer, a nossa cultura europeia urbana, é outra cultura civilizacional. Como ,é que se destinguem as pessoas em algumas culturas? E só pelo nome próprio. E o seu patronímico? Será que se pode dispensar assim, sem mais, em espaços como Macau, este dado? Não sei, mas gostava de ter visto isto melhor explicitado.
Em geral, saúdo o texto da proposta de lei. Penso que é uma boa acção esta de reunir tudo num diploma. Li com muita atenção o conteúdo da proposta de lei e penso que, em geral, está certo.
Em todo o caso, permita-me, Sr. Secretário de Estado, que seja um pouco pessimista, aliás, faz parte também! V. Ex.ª anunciou, e fez bem, e também é dito na "Exposição de motivos", que vamos ter um bilhete de identidade com uma fotografia e a assinatura digitalizadas e que isso não vai permitir mais falsificações. O Sr. Secretário de Estado foi um bocadinho excessivo nisto. É que o Estado, quando inventa uma coisa, tem de perceber que outros, contrários ao Estado, vão inventar outra igual,

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tudo é falsificável! Mas V. Ex.ª prometeu isto e di-lo na "Exposição de motivos" e eu, feliz, fui logo ler tudo e não encontrei vazada esta promessa em forma jurídica.
Do artigo 17.º consta uma alternativa, mas não fala da digitalização. Diz que é através do selo branco ou de outros meios que garantam a segurança - não estou agora a ler - do, documento. Julgo que é por aqui que quis aludir a essa questão. Isto é, o Governo assume uma obrigação cum potuerit, isto é, quando pudermos cumprir isso, vamos fazer o bilhete de identidade assim.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Logo se vê!

O Orador:. - Depois de verá!
V. Ex.ª foi excessivamente optimista nesta parte, mas foi mais noutra. Foi já aqui feita a referência àquela lei fantasmática que se produziu na última legislatura, que fez depender a sua entrada em vigor de um regulamento, regulamento esse que nunca foi publicado e agora nem sei que lei é essa, se ela existe, se não existe, se é preciso revoga-la, se não é. Nenhum de nós sabe! O melhor. é, realmente, revoga-la, .é um lixo. Como aquilo que fica no computador e depois, se não se sabe o que é que se há-de fazer, deita-se fora.
Sabe que neste caso há o mesmo risco, porque, no fundo, VV. Ex.as condicionam a efectiva entrada em vigor no que respeita ao bilhete de identidade - e disto é que trata a lei - não a um regulamento mas a um despacho. Se lermos com atenção o que se diz, verificamos que no n.º 1 do artigo 51.º refere que a emissão do bilhete de identidade no novo modelo inicia-se na data que for fixada no despacho referido no n.º 1 do artigo 45.º, ou seja, por despacho do Ministro da Justiça, do qual não consta qualquer prazo. O que há tempos aconteceu com a falta de um regulamento pode, desta feita, acontecer com a falta de um despacho. Não está assim tudo tão garantido, como V. Ex.ª pretendeu deixar entendido na Câmara.