I SÉRIE-NÚMERO 47 1718
Vamos dar início ao debate requerido pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, ao abrigo do n.º 2 do artigo 76.º do Regimento, sobre a Agenda 2000.
Para uma intervenção, na qualidade de Deputado relator da Comissão de Assuntos Europeus, tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.
O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A Assembleia da República é convocada para, no âmbito do n.º 2 do artigo 76.º do Regimento, promover uma abordagem sobre a Agenda 2000 - documento da Comissão Europeia, realizado a solicitação do Conselho Europeu e tornado público em 16 de Julho de 1997.
Este debate em Plenário surge, assim, oportuno e poderá constituir também o reforço da tomada de consciência pela Assembleia da República do que verdadeiramente está em jogo na mais difícil de todas as negociações políticas desde que Portugal é membro de pleno direito da União Europeia.
Registe-se, todavia, que a Comissão de Assuntos Europeus havia já decidido promover um conjunto de audições sobre a Agenda 2000 quando o Grupo Parlamentar do PCP propôs este debate, que se revela de grande momentâneidade.
O que se discute, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é um complexo dossier político que pretende marcar os próximos anos futuros da União Europeia - de 2000 a 2006 - e cujos traços identificadores se poderiam resumir num conjunto de interrogações implícitas na pergunta-chave: que políticas e que dinheiro temos para o ,que queremos?
Acresce que os sinais do comportamento político do euro, nestes primeiros dias de vida, se confortam os que estiveram na base do que foi necessário fazer para estar na primeira linha, como sucedeu com as autoridades de Portugal, nem por isso dissipam uma certa inquietação face a posições por vezes contraditórias dos nossos interlocutores, ou até mesmo irredutíveis dos nossos parceiros sobre a Agenda 2000.
Vejamos: a Comissão Europeia apresentou um documento base que aponta a despesa global da União Europeia para os sete anos e, simultaneamente, pretende alterar a repartição de verbas.
Justo é afirmar que se trata de um conjunto de três documentos - o documento-base, que acabei de referir, o Regulamento dos Fundos (de Março de 1998) e o Relatório sobre os Recursos Próprios da União (de Outubro de 1998) - matrizadores de um histórico cenário: a incorporação de povos. cujas elites outrora (note-se, ainda há menos de 10 anos) olhavam para a União Europeia como um bastião do capitalismo multinacional, que repudiavam, mas que hoje a olham ansiosos, vivendo o desejo de ascenderem a esse novo paradigma. político da Europa.
Este aspecto, o da adopção de novos Estados membros, que não é menos importante, deve estar sempre presente quando nos debruçarmos sobre o complexo dossier que é a Agenda 2000, que pretende marcar os próximos anos, no decorrer dos quais se procederá a um aprofundamento e alargamento da União Europeia. E este último, com certeza, será o mais significativo de toda a história comum contemporânea da Europa e, necessariamente, originará alterações institucionais - aliás, está já prevista, para o próximo ano, a abertura de uma conferência intergovernamental para o efeito - e deverá estabelecer um padrão de comportamento dos decisores de modo a que a «União seja mais forte e mais ampla».
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Sublinhemos que a questão do alargamento aparece, por agora, um tanto ao quanto «congelada», o que de todo pode vir a constituir um desânimo para os países candidatos que tudo têm feito para aderirem em breve, com esforços e sacrifícios que se reflectem nas próprias vidas dos povos.
Todavia, a negociação da Agenda 2000 deve ter em conta que ainda será possível a adesão de alguns países candidatos durante a sua vigência. No entanto, a pré-adesão aparece reforçada na agenda ao ser criado um novo instrumento - o partenariado para a adesão -, que proporcionará uma gestão programada plurianualmente, bilateral, integrada e coerente das verbas disponibilizadas para os países candidatos. Ou seja, para além do Programa Phare, propõe a Comissão, note-se, retirar dos fundos agrícola e estrutural contribuições que atingem 3000 mecu/ano.
Desde o seu aparecimento que a Agenda 2000 suscitou reacções emotivas, designadamente entre nós. O Governo e oposições, bem como diversas instituições responsáveis e personalidades, evidenciaram o seu protesto: Portugal ficava a perder, fundamentalmente, porque a Comissão Europeia se propunha manter inalterado o patamar financeiro - 1,27% do PIB, que corresponde, objectivamente, a 1,13% -, embora ampliasse as responsabilidades e, como é óbvio, também as despesas, designadamente as ajudas de pré-adesão.
A resistência de alguns países membros em não considerarem a possibilidade de aumentar os recursos próprios da União Europeia, com alguns mesmo a pedirem «o seu dinheiro de volta» ... - a lembrar o caso da Sr.ª Thatcher, noutros tempos! -, outros a protestarem perante a possibilidade de o princípio da coesão económica e social vir a ser atingido e, consequentemente, verem diminuídos os envelopes financeiros a que recorriam para superar dificuldades e atrasos e, desse modo, se aproximarem das médias de prosperidade da União Europeia.
Mais grave: das propostas da Comissão ficou claro que os países da «coesão» (Espanha, Grécia, Irlanda e Portugal) eram os mais sacrificados, visto que as acções estruturais iam diminuindo de 37% do total de despesas, no ano 2000, para 30,8% em 2006.
Em síntese, poderia dizer-se que a dificuldade reside no conflito entre quem paga mais e quem paga menos, ou entre países com graus diferentes de desenvolvimento, ou até mesmo, parafraseando Francisco Lucas Pires, podemos estar perante uma «luta entre os ricos do Norte e os pobres do Sul por causa do Leste».
Portugal tem sido coerente, e tem manifestado, sem hesitações, o apoio político aos que «batem à porta» dos 15, mesmo sabendo que pode vir a ser prejudicado.
Neste quadro, pode dizer-se que Portugal tem encontrado palavras de compreensão e de apoio para as suas legítimas reivindicações de não ver substancialmente afectado o nível de fluxos financeiros e de programas comunitários. E a perspectiva ensaiada por alguns sobre o facto de os países do euro não merecerem continuar a beneficiar da ajuda para a coesão é não só irrealista como moralmente injusta, se não mesmo perversa e claramente violadora dos princípios consignados no Tratado de Maastricht! Todos estamos de acordo.
Até Março de 1998, o debate praticamente assentou em generalidades, o que, aliás, ficou patente no tipo de conclusões a que se chegou no Luxemburgo. Aí, basicamente, deixou-se um tema em aberto, o binómio de recursos próprios/linha directriz agrícola, e apenas se assentou na