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I SÉRIE - NÚMERO 53 1964

No entanto, quem ler o que foi escrito por qualquer comentador daquela alteração à lei verificará que ele não deixa de dizer que é absolutamente ininteligível que não haja eleições quando estas se realizaram há menos de um ano. Isto é, ninguém consegue perceber qual é a rabo desta norma porque ninguém consegue dizer uma coisa muito simples que é a de que a ratio desta norma não é racional. E a rabo que é, é a do seu tempo!
Assim, o que se passou foi que, agora, estamos perante uma situação nova: a situação nova, que se passa com Vizela, Trofa e Odivelas, é a de que estas autarquias vão existir, durante três anos ou mais, sem órgãos representativos eleitos. A vida das comissões instaladoras, que, no máximo, seria de dois anos, passa, agora, a poder prolongar-se por mais de três anos.
O problema, então, é o de saber como dar resposta adequada a esta situação que é de anomalia democrática e de constitucionalidade muito duvidosa. Mas uma coisa tenho por certa: a resposta a uma situação de anomalia democrática não pode passar por um regime excepcional com um nível de anomalia ainda maior que configure uma espécie de aberração democrática, insustentável face aos princípios democráticos e face à Constituição.
Ora, a proposta que o Governo aqui apresenta é precisamente isso; é pura e simplesmente, uma aberração democrática. E por uma razão evidente: em primeiro lugar, a proposta do Governo põe de parte os poderes típicos de uma comissão instaladora, tal como, aliás, a lei o definiu e eu já aqui os descrevi. Põe de parte os princípios característicos de uma comissão instaladora que são os da transitoriedade, da precaridade e da falta de legitimação democrática e transforma a comissão instaladora num sucedâneo de órgãos representativos eleitos, misturando poderes da câmara com poderes da assembleia municipal, acumulando todos os poderes da câmara e ainda poderes da assembleia municipal, incluindo o poder de fixar a taxa de contribuição autárquica e de exercer os poderes tributários. Isto é espantoso! Uma comissão que exerce os mais típicos poderes do Parlamento, que são os poderes tributários, e ainda todos os outros poderes da assembleia municipal bastando invocar «relevante interesse público municipal»...!
Ainda por cima arranjam um sistema de controlo governamental que é uma «ratificação ministerial» absolutamente inqualificável no quadro da autonomia do poder local. Esta aberração de uma comissão nomeada pelo Governo com funções de instalação vir a adquirir todos os poderes dos dois órgãos representativos eleitos do município, câmara e assembleia, é totalmente inaceitável.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso - e o Sr. Secretário de Estado saltou aquele «paragrafozinho» em que se referia à Associação Nacional de Municípios e à ANAFRE -, a Associação Nacional de Municípios e a ANAFRE não hesitam e dizem que esta proposta de lei é inaceitável. Sei que lhe custa que isto seja dito, mas é o que consta dos pareces destes dois órgãos representativos dos municípios e das freguesias portuguesas.
E, Sr. Secretário de Estado, não há qualquer administrativista que consiga encontrar na expressão < gestão dos assuntos correntes» qualquer âncora para aquilo que os senhores fazem que é o exercício pleno não só dos poderes do executivo mas também dos próprios poderes do órgão deliberativo da Assembleia.

Aliás, devo dizer-lhe que tenha algum cuidado com essas generalizações acerca dos «poderes de gestão corrente» porque em matéria de vida da Assembleia da República e de relações com o Governo isso teria terríveis implicações!...
Há uma outra norma da proposta, que já aqui foi referida e que merece uma severa crítica, que é a do artigo 13.º, que estabelece o tal período de suspensão - sublinhou agora o Sr. Secretário de Estado - até um ano.
Suspensão em relação a quê? De todos os processos respeitantes a pretensões dos particulares, a contratos ou a pagamentos? O Sr. Secretário de Estado encontrou similitude na Câmara Municipal de Lisboa que ardeu e perderam-se os processos. Perderam-se! Os processos arderam, foram queimados.
Portanto, havia acções a decorrer e teve de se encontrar uma solução jurídica porque, senão, decorriam prazos e as pessoas ficavam defraudadas. Foi para proteger as pessoas que se encontrou esta solução. Aqui não, aqui é para atacá-las que encontram esta solução.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Esta solução chama-se «estado de sítio administrativo».

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Bem lembrado!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP); - Muito bem!

O Orador: - É um «estado de sítio administrativo» que põe de parte direitos fundamentais dos cidadãos.
Aliás, a Associação Nacional de Municípios diz a propósito desta norma isto que é lapidar: «Qualquer solução deve ter em conta que os particulares não poderão ficar prejudicados com a criação do novo município, já que o objectivo geral que preside sempre à criação de um novo município é o de prosseguir melhor os interesses de duas ou mais comunidades locais» e V. Ex.ª Sr. Secretário de Estado, com esta norma consegue descobrir uma forma de servi-lo pior.
O quadro de aberrações estende-se também à questão da entrada em vigor - aliás, a lei é espectacular, é um caso para estudo universitário, porque tem uma norma que diz que ela entra em vigor no dia seguinte e tem outra norma que diz que produz efeitos desde 15 de Setembro de 1998.
Já falei com alguns juristas que estão satisfeitíssimos porque vão ter numerosíssimos processos em torno da consolidação dessas duas normas e, portanto, agradecem essas normas e agradecem a «capacidade técnica» do Governo que conseguiu congeminá-las.
Mas, para além destas querelas jurídicas, ponho aqui uma outra questão - sei que isto se pode resolver na especialidade - que é a seguinte: o que é que significa esta retroacção da norma? O que é que significa reportar os efeitos da norma a 15 de Setembro? Significa o quê?
Que neste momento as comissões instaladoras estão a exercer poderes que não têm? Significa que acreditaram ou foi feita pelo Governo a promessa de que depois a Assembleia da República faria uma lei que lhes daria «cobertura» a actos ilegais que agora aqui estão a cometer? Pergunto: em que estado é que está - numa solução como esta sei que é uma coisa menor - uma coisa que se chama direitos dos administrados? Em que estado é que isso está? Alguma dessas comissões instaladoras está a prati-