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16 DE ABRIL DE 1999 2593

A crise da justiça nasce, em primeiro lugar, a montante da intervenção do aparelho judiciário.
A conflitualidade aumenta diariamente, por forma a poder falar-se de uma verdadeira explosão no recurso à justiça.
O discurso do neoliberalismo económico tem como complemento, na área do Direito, um discurso libertário, no sentido de que todas as demissões do Estado relativamente aos cidadãos, todo o laissez faire laissez passer tem o seu remédio no poder judicial.
A atitude desreguladora do Estado neoliberal, que tem na política do actual Governo um aprendiz de feiticeiro, está, por exemplo, na origem do consumismo que dá lugar ao endividamento das famílias que enxameia os tribunais.
Aquela atitude desreguladora fomenta exclusões, que torna cidadãos, nomeadamente jovens, potenciais candidatos do sistema prisional. Serve de arrimo a grupos poderosos, usando as mais sofisticadas formas de criminalidade, manipulando as garantias em processo penal, pondo em crise o próprio sistema garantístico.
Cedo o cidadão comum se apercebe de que não é verdade que a cada direito corresponda uma acção e que, ao amputar-se a ele mesmo de poderes de intervenção ao lado dos mais desfavorecidos, o Estado acaba por favorecer a impunidade dos mais poderosos, sobretudo na justiça penal.
Os recentes afloramentos mediáticos da crise da justiça mais não fizeram do que radicar no cidadão essa convicção, afastando-o ainda mais da justiça.
A crise da justiça, em segundo lugar, resulta também - e esta pecha vem de há muito - da escassez dos meios, técnicos e humanos, postos à disposição da investigação criminal.
Todos nos recordamos, porque são factos bem recentes, dos mandatos do governo do PSD, dos conflitos que estiveram latentes em torno dos escassos meios postos à disposição do Ministério Público, da amputação de poderes, do Ministério Público na fiscalização da actuação da Polícia Judiciária, e dos riscos de intromissão do executivo no exercício da acção penal, que resultaram da anterior Lei Orgânica do Ministério Público.
Mas todos nos recordamos muito melhor de acontecimentos bem recentes que provocaram nova mediatização da crise, pondo em causa, dada a envergadura dos problemas do processo - o da Universidade Moderna -, a análise serena da conjugação de esforços entre uma polícia vocacionada para a investigação e o Ministério Público, dirigindo essa investigação. No cerne dessa crise está de facto a questão dos meios postos à disposição de qualquer daquelas entidades.
O Ministério Público tem hoje instrumentos legislativos, justificados pela necessidade de combate à grande criminalidade.
Redobradas são, assim, as exigências de resultados palpáveis no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos relativamente à grande criminalidade como a do branqueamento de capitais, por forma a que se desvaneça a falta de confiança no poder judicial, resultante da convicção da impunidade dos poderosos.
Não se pode iludir o óbvio: existe, para o exterior, uma guerra entre magistraturas que as torna vulneráveis e as enfraquece! E temos para nós que alguma inabilidade do Ministério da Justiça no seu relacionamento com as mesmas foi factor que pesou no ecludir dessa guerra.
O Ministério da Justiça não pode forçar a aprovação, de supetão, de alterações ao Código do Processo Penal, discutidas na especialidade nas piores condições.
O Ministério da Justiça tem o especial dever de criar as condições que fomentem a coesão no poder judicial, porque o poder político democrático é parte interessada num poder judicial forte, que, como um verdadeiro poder, cauciona a legitimidade do poder político.

Aplausos do PCP.

Mas a crise da justiça resulta também, em terceiro lugar, da sua proverbial morosidade, que arrasta, em muitos casos, a sua ineficácia.
Esta morosidade não é, de facto, fácil de resolver. E não pode ser resolvida, como alguns desejariam, à custa do sistema garantístico que tem de continuar vigente quando em confronto estão, por exemplo, cidadãos de desiguais poderes, de desiguais recursos.
A morosidade está relacionada com o aumento da conflitualidade, mas também com a inércia na adopção de soluções informais para um número considerável de litígios que devem ser entregues, em nossa opinião, também a Julgados de Paz. Nesta matéria, o Ministério da Justiça nada fez.
Hoje, trabalhar nos tribunais tornou-se um verdadeiro «inferno», para todos os operadores. Para os magistrados, para os advogados, para os funcionários judiciais. Hoje, para os cidadãos que continuam a assistir aos adiamentos sucessivos dos processos aceder aos tribunais para o exercício de direitos, tornou-se um calvário, a dar redobrada razão ao provérbio «Mais vale um mau acordo do que uma boa demanda».

Aplausos do PCP.

E, no entanto, tem aumentado o número de processos findos, segundo mostram as estatísticas, mas aumenta sempre mais e mais o número de processos entrados, pelo que o trabalho esforçado do aparelho judiciário é manifestamente impotente para atacar, até onde é possível, sem violação dos direitos liberdades e garantias, a morosidade da justiça.
Até porque, e esta é outra das razões que contribuem para a crise da justiça - e que vem também detrás, reconheça-se -, não se fez a modernização devida dos meios ao dispor do aparelho judiciário.
Há, efectivamente, atrasos na modernização, nomeadamente em relação aos meios informáticos.
Se é certo que nos sucessivos Orçamentos do Estado houve aumentos nas dotações orçamentais do Ministério da Justiça, a verdade é que os meios foram escassos na modernização que poderia contribuir de uma forma eficaz para o combate a estrangulamentos que geram morosidades.