3624 I SÉRIE-NÚMERO 99
Os socialistas ignoraram tudo e todos, mesmo tudo e todos, sem qualquer excepção que fosse.
Como se tudo isto não bastasse, o Governo levou tão longe o seu secretismo que a imprensa, nunca desmentida, noticiou que o próprio Presidente da República visitou Alqueva dias depois da assinatura da Convenção sem ter conhecimento do seu conteúdo e das suas implicações para aquele empreendimento, cujos responsáveis, aliás, partilhavam do mesmo desconhecimento.
Quanto ao diálogo, foi, pois, o que se viu, quanto ao consenso institucional estamos conversados, quanto às noções de continuidade do Estado e de permanência do interesse nacional, ficamos igualmente esclarecidos.
Em vez de aceitar que o acordo alcançado com Espanha resultou de um complexo processo negociai iniciado na Cimeira de Lãs Palmas de 1993, cujos princípios essenciais foram depois enquadrados pela Declaração Comum da Cimeira do Porto de 1994, e que foi prosseguido com firmeza até à abertura formal de negociações em 1995, o Governo socialista pretendeu fazer crer que tudo o que se passou antes dele não existiu, a fim de tudo recuperar em seu exclusivo proveito partidário. Pequenos actos contentam pequenos espíritos.
Vozes do PSD: - Exactamente!
O Orador: - Também aqui fez mal: perdeu tempo e atrasou o processo, com isso prejudicando o País.
À leviandade do Governo contrapõe o PSD um profundo sentido de responsabilidade. Saberemos distinguir entre o juízo político profundamente negativo sobre tal comportamento do Governo e a avaliação objectiva do conteúdo da Convenção face ao interesse nacional.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Foi sempre este que nos moveu e não será hoje - nem nunca - que o perderemos de vista ou que dele nos afastaremos.
Pela nossa parte, consideramos que esta Convenção, no plano jurídico-constitucional, representa um passo em frente em relação ao regime jurídico em vigor e não esquecemos o contributo decisivo dos governos do PSD neste processo.
Felicitamos o actual Governo por ter conseguido prosseguir as negociações encetadas com Espanha pelo governo anterior sem ter posto em causa ou comprometido os princípios essenciais então traçados e vertidos na Declaração Comum de 1994: ...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Em boa hora!
O Orador: - ... princípio de gestão por bacias e inclusão, na mesma, de preocupações ambientais e de qualidade da água; princípio de avaliação prévia por cada país do impacto dos empreendimentos levados a cabo por cada um deles nas bacias partilhadas; princípio de utilização sustentável na base do planeamento e da gestão dos recursos hídricos; princípio da aplicabilidade do direito internacional aos convénios anteriormente celebrados entre os dois países; por último, princípio de obrigação da troca permanente de informação entre ambos os países.
Mas, atenção: reconhecermos a esta Convenção as suas virtualidades jurídicas e diplomáticas, bem como a consagração de princípios que são caros a todos quantos o actual Governo manteve na ignorância em vez de envolver muna saudável cumplicidade institucional, não significa que fechemos os olhos às sua insuficiências e às suas limitações ou que passemos uma esponja sobre a tibieza negociai socialista na defesa do interesse nacional. O Governo deveria ter sido mais firme, deveria ter ido mais longe, deveria ter negociado melhor.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O gosto pela retórica de circunstância, a crónica incapacidade dos socialistas em tomarem decisões e a sua propensão para as adiar ficaram, também aqui, bem patentes ao terem permitido manter na Convenção equívocos que deveriam, à partida, ter ficado claros, ao terem aceite adiar o que deveria ter ficado agora decidido, ao alimentarem no presente ambiguidades que nos podem vir a custar caro no futuro.
Não podemos, sobretudo, calar as enormes dúvidas que nos suscitam alguns aspectos bem concretos desta Convenção e, em particular, do seu Protocolo Adicional, bem como as profundas preocupações que nos causam. São, sobretudo, 10 grandes preocupações.
Primeira preocupação: os caudais anuais mínimos garantidos para os vários rios são muito exíguos. Com excepção do Guadiana, a ordem de grandeza dos caudais mínimos torna-os quase inúteis quando comparados com os mínimos históricos registados em cada bacia hidrográfica.
Oxalá que estes caudais mínimos garantidos se não transformem em caudais habituais ou até em caudais máximos, porque, a ser assim, estaríamos a falar de volumes de água nos nossos rios que representariam, em média, 25% do seu volume habitual.
Segunda preocupação: os caudais mínimos são garantidos apenas para os anos normais, não valendo para aqueles em que seria suposto serem mais necessários, isto é, para os anos de excepção. Para estes nenhum valor foi acordado, não existe nenhuma garantia quantificada quanto aos caudais que devem ser praticados, cuja definição, adiada, se remete para o futuro. Aliás, os critérios utilizados para a definição de «anos de excepção» faz com que os mesmos sejam tudo menos excepcionais, já que poderão ocorrer de 7 em 7 anos no rio Minho, de 14 em 14 anos no rio Douro, de 4 em 4 anos no rio Tejo e no Guadiana, neste último caso se apenas considerarmos as precipitações.
Terceira preocupação: o regime de excepção que vigorará, designadamente nas situações de seca, desobrigando a parte espanhola do reenvio de água para o território português, corre o risco de se transformar com facilidade em «regime definitivo» por virtude dos longos ciclos hidrológicos de seca que se têm verificado na Península Ibérica, particularmente nas regiões mais meridionais, como o Alentejo e a Andaluzia e a Estremadura espanholas.
Quarta preocupação: no Guadiana, o regime de excepção não depende apenas dos factores climatéricos, mas também dos volumes armazenados nas barragens e nas albufeiras espanholas, os quais, podendo contribuir para diminuir a frequência dos anos ditos «de excepção», têm como consequência uma dependência estratégica acrescida em relação a Espanha.
Quinta preocupação: com excepção da bacia do Guadiana, não foram negociados regimes de caudais distribuídos ao longo do ano, mas apenas caudais anuais totais, sem qualquer referência à sua distribuição ou ao seu escoamento ao longo do ano.
No limite, Espanha poderá cumprir a sua parte no acordado ao proceder a uma única descarga anual, face, por exemplo, a uma enorme enxurrada, a qual, por vezes - convém não esquecermos -, acontece mesmo e causa as cheias e os prejuízos que ciclicamente os ribatejanos tão bem conhecem.
Sexta preocupação: a natureza transitória do Protocolo Adicional corre o risco de se tornar definitiva, já que este prevê a revisão dos caudais acordados mas não fixa o seu horizonte temporal de revisão. Oxalá não tenhamos razão neste alerta e neste aviso sério.
Sétima preocupação: o rio Lima, cuja bacia é maioritariamente espanhola, não aparece mencionado no Protoco-