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0524 | I Série - Número 14 | 21 De Outubro De 2000

Em jeito de conclusão, o Governo legislou mal e legislou de má fé, tentando combater a despesa pública com a saúde, onde menos devia, ou seja, reduzindo a comparticipação dos doentes.
Ao mesmo tempo e por absurdo, a par desta realidade em que o Governo tenta reduzir as comparticipações de inúmeros doentes, o mesmo Governo permite, por exemplo, que os objectores de consciência tenham medicamentos e assistência médica, para si e para todo o agregado familiar a seu cargo, completamente gratuitos. Não se compreende, repito, como é que doentes com necessidades efectivas tenham comparticipações limitadas e, ao mesmo tempo, que objectores de consciência, pelo simples facto de o serem, obtenham gratuitamente não só medicamentos como assistência médica, para si e para todo o agregado familiar à sua guarda!
Impõe-se que o Governo combata efectivamente a despesa pública com a saúde, mas julgamos que não o deve fazer por este caminho, isto é, à custa dos interesses dos doentes, que são, precisamente, aqueles que menos devem ser sacrificados. Isso, e no que dependa de nós, nunca o permitiremos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Ponte.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Decreto-Lei n.º 205/2000, de 1 de Setembro, que reformulou o regime de comparticipações do Estado no preço dos medicamentos, não só não resolveu nenhum dos problemas graves que a legislação em vigor suscitava como agravou esses problemas.
O primeiro problema que o regime em vigor suscita é o da sua falta de rigor e transparência. O regime é vago e remete sistematicamente para despachos ministeriais a decisão de comparticipação. Sabemos bem onde tem conduzido este carácter remissivo do diploma: foram já publicados dezenas e dezenas de despachos ministeriais concedendo comparticipações do Estado no preço de determinados medicamentos, por razões que podem ser muito louváveis mas que ninguém conhece. O sistema é, assim, cada vez mais burocrático, menos controlado, mais injusto e mais caro.
Entende o PSD que, em matérias de tão grande impacto na despesa pública e em que se jogam interesses económicos tão relevantes, o Estado deve resguardar-se numa posição de total isenção e independência, definindo com rigor na lei as condições em que um medicamento será ou não comparticipado.
Esta falta de rigor resulta ainda do facto de o regime em vigor comparticipar, ou não, o preço dos medicamentos em função das entidades que os prescrevem ou dispensam. Esta solução, em vigor desde 1998, veio dar cobertura a situações de discriminação injustificada entre o Serviço Nacional de Saúde e o sector privado, em prejuízo deste último, porque se tem traduzido sempre em comparticipar melhor os medicamentos prescritos ou dispensados nas instituições do Estado.
Esta situação é subjectiva, arbitrariamente discriminatória e totalmente injustificada. Os medicamentos devem ser comparticipados, ou não, em função de critérios técnicos, contrariamente ao que está previsto na legislação em vigor.
O favorecimento das instituições do Serviço Nacional de Saúde neste domínio é, por outro lado, um dos factores de crescimento da despesa, na medida em que faz crescer a intervenção do Serviço Nacional de Saúde na distribuição de medicamentos. É conveniente lembrar que, já hoje, 2/3 do orçamento da saúde correspondem a despesa pública e apenas 1/3 a despesa privada.
O regime de comparticipações, em vigor desde 1998, contém assim, pelas razões sumariamente indicadas, um grau de incerteza tal que o tornou praticamente incontrolável.
Ora, o Decreto-Lei n.º 205/2000, de 1 de Setembro, não só não resolveu nenhum dos problemas do regime anterior, como veio agravar substancialmente o seu grau de subjectividade, pelas razões que a seguir indicamos.
Em primeiro lugar, deixou intocáveis todos os aspectos negativos do artigo 3.º do regime anterior.
Continua a admitir-se a comparticipação de medicamentos utilizados no tratamento de «determinadas patologias» ou de «grupos especiais de doentes» em condições a regulamentar. Que patologias? Que grupos? Em que condições? Com que critérios? Ninguém sabe!
Continua a admitir-se comparticipar diferentemente o mesmo medicamento em função das entidades que o prescrevem ou dispensam. Que entidades? Com que critérios? Ninguém sabe, nem há qualquer regulamentação a este propósito. Proliferam, às dezenas, as situações desta natureza, com custos para o Orçamento do Estado que ninguém consegue controlar.
Continua a admitir-se que a comparticipação pode ser aprovada apenas para determinadas indicações terapêuticas, a fixar no despacho de comparticipação. Que indicações terapêuticas? Ninguém sabe! Como é que estas situações se controlam? Ninguém sabe!
Em segundo lugar, o Decreto-Lei n.º 205/2000 deixa intocável o reconhecido uso e abuso do regime especial de comparticipação para os pensionistas com rendimento abaixo do salário mínimo nacional.
Em terceiro lugar, o diploma em apreciação criou um novo escalão de comparticipação cuja aplicação vai depender de um processo de negociação entre o Infarmed e o laboratório! É inacreditável como em matéria de tal relevância se deixa assim, ao sabor de uma negociação com todo o grau de incertezas, pressões e subjectividades a que um processo desta natureza está naturalmente sujeito, a aplicação do referido escalão de comparticipação.
Este novo escalão é, aliás, uma porta aberta para o Estado reduzir a comparticipação nos medicamentos, transferindo encargos para os doentes sem adoptar, simultaneamente, medidas eficazes no domínio dos preços.

A Sr.ª Natália Filipe (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Aquilo que foi, no passado, um processo objectivo e transparente está hoje transformado numa balbúrdia, em que as decisões de comparticipação podem ser casuísticas, obtidas por despacho ministerial ou negociação e, como tal, muito subjectivas e potencialmente injustas. Como é possível que o Governo faça promessas sucessivas de contenção da despesa e acolha ao mesmo tempo esta confusão? É preciso não esquecer que, para além de outros aspectos, o regime de comparticipações é um dos factores essenciais do crescimento da despesa.
Entendemos, assim, que é nosso dever recusar a ratificação do diploma e desencadear os mecanismos legislativos