O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

0527 | I Série - Número 14 | 21 De Outubro De 2000

Passamos agora ao ponto seguinte da ordem de trabalhos, a apreciação do Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, que altera o Código do Processo Civil, na redacção que lhe foi dada pelos Decretos-Leis n.os 329/95, de 12 de Dezembro, 180/96, de 25 de Setembro, e 375-A/99, de 20 de Setembro, e o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 383/99, de 23 de Setembro [apreciação parlamentar n.º 25/VIII (PSD)].
Para dar início ao debate e apresentar o pedido de apreciação parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Num acto aplaudido por todos, registe-se desde já, o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata requereu a apreciação do Decreto-Lei n.º 183/2000, por o mesmo violar os mais elementares e estruturantes princípios do direito processual civil português, por conter normas absolutamente inadmissíveis e por padecer de erros e imprecisões intoleráveis.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Feito à pressa e derivando de uma injustificada febre de mostrar serviço, cedo o decreto-lei em análise mereceu a reprovação dos mais variados especialistas na matéria, de todos os operadores judiciários e do próprio Bastonário da Ordem dos Advogados.
E a pressa foi tanta, os erros foram tantos, que o próprio Governo teve necessidade de rectificar já o seu próprio decreto-lei, corrigindo alguns dos muitos lapsos cometidos. Fê-lo, como é sabido, pela Declaração de Rectificação n.º 7-S/2000, de 31 de Agosto.
Comecemos por aquilo que consideramos uma perigosa violação dos princípios estruturantes do processo civil, o novo regime da citação.
A citação é o acto mais nobre e mais rigoroso que qualifica o contraditório. Serve ela, como se sabe, para avisar o réu de que tem pendente contra si determinada acção, para lhe proporcionar a defesa e, sobretudo, para lhe fazer saber as consequências em que incorre no caso de não se defender, as quais são, normalmente, fatais em processo civil.
Pois bem, ao arrepio de uma longa e rigorosa tradição, ao arrepio do que sucede em todos os outros ordenamentos jurídicos - como ainda há bem pouco tempo escreveu o Professor Lebre de Freitas -, em nome da pura e dura celeridade processual, aligeirou-se, ou melhor, abastardou-se por completo esse importante acto judicial, permitindo-se que em quaisquer acções de dívida emergentes de contrato escrito, qualquer que seja o seu valor, a citação se faça por via postal simples, e não sob registo, como até aqui.
Desta forma, deixará de haver o mais pequeno controlo quanto à indispensável certeza de que o réu tomou, de facto, conhecimento da pendência da acção instaurada contra si. E note-se que podem estar em causa milhões de contos.
Creio mesmo que a norma em causa viola clamorosamente a incumbência (leia-se o dever) que recai sobre os tribunais de «assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos...», como determina o n.º 2 do artigo 202.º da Constituição. Deixar uma carta na simples caixa do correio, sem mais, e presumir-se daí que o réu está, de facto, citado, constitui um risco incalculável.
O réu que está hospitalizado, o réu que está em viagem, o réu que tem a sua casa em obras e que, por isso, muda de residência durante cerca de 30 dias, ou mais, e tantos, tantos outros exemplos se poderiam dar, todos esses réus, dizia, considerar-se-ão citados sem efectivamente o terem sido e, o que é mais grave, não poderão defender-se de uma acção, porventura, infundada e injustamente proposta contra si.
Quantas arguições de nulidade derivadas da falta de citação se irão fazer, embora se reconheça que seja difícil, senão impossível, fazer a prova negativa de um facto, isto é, demonstrar que o réu processualmente citado, afinal, não foi citado.
A regra da citação por via postal simples representa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, no nosso entender uma leviandade inadmissível.
A pressa de acabar com as pendências acumuladas não justifica tudo. Muito menos, pode legitimar a violação de direitos fundamentais.
Mas há outra inovação com que não concordamos: a notificação das testemunhas por via postal simples, igualmente não registada. A consequência disto é tão simples como a própria via postal simples: sabendo que o tribunal não pode assegurar que a testemunha foi, de facto, notificada, ela - também é simples - não vai ao julgamento. Todos sabemos o que custa ser testemunha, por razões de desconforto, de viagens, de problemas no emprego, etc.
Competirá, pois, à parte, e não ao tribunal, influenciar o comparecimento da testemunha, quiçá levando-a e trazendo-a, quiçá compensando-a pelo esforço e pelos prejuízos sofridos, quiçá pagando-lhe, o que é, no mínimo, repugnante, porque o Governo não pode pretender que sobre as partes (diga-se, sobre os portugueses) passem a recair as obrigações que competem ao Estado. Desta forma, como bem lembrou o Presidente da Ordem dos Advogados, a testemunha passará a ser um verdadeiro mercenário ao serviço da parte, e não ao serviço da verdade, como se impunha.
Acresce que o diploma em apreciação contém normas absolutamente intoleráveis. Uma delas é a que obriga o advogado de uma das partes a - imagine-se! - ser ele próprio, e, mais uma vez, não o tribunal, a notificar o advogado da parte contrária de tudo aquilo que haja requerido ou articulado nos autos. Mas, não só: depois disso, esse advogado, o tal que já viu duplicado a sua tarefa, tem ainda de demonstrar ao tribunal que procedeu à dita notificação, o que não duplica, mas, triplica a sua já difícil missão.
As normas em causa representam uma sobrecarga imensa das tarefas administrativas, burocráticas e processuais dos escritórios dos advogados e, consequentemente, provocarão um custo acrescido no final da acção.
Ora, quem vai sofrer as penalizações correspondentes são, obviamente, as partes. Porquê ? Porque este Governo quer, mais uma vez, onerar os portugueses com grande parte dos custos do serviço público da justiça.
As normas em causa demonstram até que o Governo não tem (ou não quis ter) a mais pequena ideia acerca do funcionamento de um escritório de advogados e nem tem ideia, até, da estrutura conflitual que, várias vezes, condiciona a própria tramitação da acção.
Algum Sr. Deputado presente (e apelo especialmente àqueles que exercem a advocacia) acha possível e lógico