0062 | I Série - Número 02 | 21 de Setembro de 2001
fê-lo de forma demasiado mecanicista, até no próprio nome de «agência» que, traduzido da língua original para a nossa língua, dá um significado diferente e que, nalguns aspectos, parece mais um instituto. Nós gostaríamos de uma tradução menos mecanicista e de uma maior auscultação, verificação e constatação das realidades nacionais.
No entanto, temos muita pena de não podermos discutir este projecto de resolução na especialidade sem o votar, porque, à parte algumas recomendações muito boas e até excelentes que ele tem, à parte uma reflexão que todos nós deveríamos fazer sobre o que está a passar com o nosso litoral, este projecto aponta algumas medidas que não podemos perfilhar. De facto, é notória a falta de relatórios e de publicações que dêem, permanentemente, a quem tiver que tomar decisões, o estado de evolução da nossa costa de forma projectiva, isto é, também com os planos, e indiquem o que vai acontecer com o modelo de desenvolvimento, etc. Isto era extremamente necessário.
Não podemos concordar que haja uma «agência» qualquer que tenha a seu cargo, por exemplo, a definição ou o estabelecimento das linhas de política para o litoral. Srs. Deputados, o estabelecimento de linhas de política não pode ser atribuído a uma qualquer agência, é uma função do Governo e da Assembleia da República!
O projecto de resolução prevê também outras medidas, como a avaliação de propostas que nem sequer estão contidas nos planos de ordenamento do território, e receitas, através de taxas de utilização do litoral e também da promoção, possivelmente imobiliária, de alguns aspectos do litoral - isto, do nosso ponto de vista, é um bocado o que se chama, na linguagem comum, «entregar o ouro ao bandido». Foi essa mesma denúncia que nós fizemos aqui, aquando da apreciação parlamentar dos projectos de lei que criaram as sociedades anónimas portuárias e os institutos portuários com autonomia administrativa e financeira, quando dissemos o que isso ia dar e que, aliás, no preâmbulo do projecto de resolução transparece, que é, ao fim e ao cabo, a necessidade de esses organismos sobreviverem a pilhagens de areias de qualquer modo e a exploração indevida.
Naturalmente, o que faz falta é, sobretudo, respeitar - e este projecto também não o faz - o princípio da subsidiariedade estabelecido na nossa Lei de Bases do Ordenamento do Território e nos PDM. E não vamos pôr a orla costeira apenas na dependência das câmaras, porque os PDM são aprovados pelo Governo e subordinados aos planos regionais de ordenamento do território, elaborados pelas comissões de coordenação regional, sob a direcção do Governo. Além disso, existem, no nosso ordenamento, os planos de orla costeira, que são planos especiais que vinculam directamente os particulares e que, esses, sim, devem ser feitos com rigor e com participação de todas as entidades. E é aí que se definem as políticas!
Mas, depois, há ainda outra coisa extremamente importante: é que não basta ter planos correctos - e, pelos vistos, nem isso temos -, é preciso ter instrumentos jurídicos que permitam a fiscalização e o controlo da aplicação dos planos, para que não aconteça como no nosso ordenamento administrativo, onde princípios administrativos se sobrepõem a todos os instrumentos de gestão territorial, ocasionando, depois, uma panóplia de direitos adquiridos, de deferimentos tácitos, etc., que subvertem completamente os instrumentos de gestão territorial. E é nesse aspecto que gostaríamos de discutir o que está a acontecer ao nosso litoral, quais as medidas políticas de fundo que deveriam ser tomadas e a orientação que esta Assembleia deveria dar.
Portanto, em sede de comissão, gostaríamos de discutir em profundidade este projecto de resolução, que consideramos muito útil mas que, tal como está, tem alguns princípios que não podemos subscrever.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quer-nos parecer que este projecto de resolução tem, de facto, a maior oportunidade. Pena é que o tenhamos, sequer, de discutir. Melhor seria, do nosso ponto de vista, que estivéssemos já a analisar os resultados de medidas concretas que este Governo tivesse sido capaz de implementar. Mas não conseguiu, nunca, fazê-lo!
É mais ou menos evidente que, com raríssimas e muito honrosas excepções, a zona costeira portuguesa está a saque, como disse há muito pouco tempo. Esta realidade é particularmente grave num país com as características de Portugal, não só pela sua extensa zona costeira, mas também pelo facto de, a crer em dados relativamente recentes, cerca de 80% da população portuguesa estar fixada no litoral.
Ora, a zona costeira é extremamente frágil, sendo que, quando as suas potencialidades são degradadas, dificilmente se consegue a sua recuperação. No nosso País, a devassa verifica-se por acção dos particulares mas também, e muitas vezes, se não a maior parte delas, por força da actuação das próprias autarquias. E, quanto às autarquias, a responsabilidade tem, muitas vezes, uma dupla natureza: umas vezes, promovem directamente a ocupação e a exploração desregrada e sem critérios da zona costeira; outras vezes, são as próprias autarquias que não fiscalizam a aplicação da lei nem sancionam a sua violação, de forma clara, por particulares e por empresas.
Acresce que a degradação da zona costeira se deve ainda, quando não à acção do homem, também a causas de outra ordem que importa combater em tempo, a fim de se evitarem males maiores. Um problema que se pode dar como exemplo e que afecta todos os litorais de todo o mundo tem a ver com o recuo da linha da costa.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - E, como é sabido, este recuo, para além de resultar da acção humana, também poderá resultar, desde logo, da elevação do nível do mar, da diminuição da quantidade de sedimentos fornecidos ao litoral e da degradação antropogénica das estruturas naturais.
Seja como for, se necessário fosse encontrar no mundo um exemplo paradigmático de um país com uma zona costeira em estado de rápida degradação, em razão da acção humana ou da acção da natureza, com consequências muito graves e até irremediáveis, esse país seria, certamente, Portugal. E se necessário fosse encontrar no mundo um exemplo de um país em que o Estado se alheia, de forma muito negligente, da obrigação da gestão deste problema, ao ponto de ser apontado a dedo, como exemplo, e para vergonha nossa, por técnicos, turistas, políticos, agentes económicos, ecologistas e muitos outros que diariamente nos visitam, esse país e esse Governo seriam, certamente, Portugal e o Governo socialista de Portugal.