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1179 | I Série - Número 030 | 21 de Dezembro de 2001

 

O Orador: - Seria a subversão do princípio da complementaridade. Em vez de se aplicar a regra que conduziria à aplicação da justiça material em melhores condições, ir-se-ia contra a ideia da subsidiariedade, que está por detrás do princípio da complementaridade, e entregar-se-ia ao nível pior preparado para aplicar a justiça apenas para subtrair o caso ao nível melhor preparado para realizar a justiça material. Creio que isto é uma ofensa inadmissível ao princípio da justiça material e uma ofensa ao princípio da cooperação. O tema encontra-se tratado em direito internacional.
Na verdade, existindo vários princípios aplicáveis à determinação da competência há que arbitrar entre eles, e o princípio da realização da justiça material tem um importante papel. Creio que o Estado português, em matéria internacional, não pode fazer a figura de dizer «ratifico, sim, mas nenhum acto de colaboração que envolva pessoas terá a minha participação ou a minha cooperação».
Em relação aos princípios clássicos de competência, eu diria que se estaria aqui a criar um novo princípio: o arguido escolhe o foro, e escolhe naturalmente o foro que lhe é mais favorável, porque ele pode apresentar-se num País cuja lei conhece, cujas condições processuais conhece, e, com isso, subverter todo o esquema internacional. O tema da auto-inculpação do arguido perante o foro mais favorável é demasiado velho para ter de ser aqui desenvolvido, mas quero, sobretudo, reavivá-lo apenas para sublinhar que os deveres de cooperação, de frontalidade e de aplicação genuína do princípio da subsidiariedade não se compadecem com fugas como esta, que existem em algumas ideias e em alguns projectos e que não honrariam o sistema português.
Em suma, Sr. Presidente e Srs. Deputados, «sim» a este Tribunal Penal Internacional, mas, sobretudo, ainda mais «sim» a um tribunal penal internacional com competências alargadas, capaz de enfrentar os fenómenos criminais que ameaçam a nossa sociedade e as sociedades que podemos prefigurar. «Sim» também à acção persistente de integração plena nessa comunidade de justiça, que tem na sua cúpula o Tribunal Penal Internacional.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, a União Europeia deve agir no sentido de ultrapassar concepções que retirem eficácia ao Tribunal Penal Internacional. Seria uma lástima que um poderoso veículo, que tanto custou a adquirir, ficasse guardado na garagem e não estivesse em condições de fazer frente às viagens e às conquistas para que ele foi tão laboriosamente negociado e alcançado!
«Sim» também à cooperação plena e sem reservas com o Tribunal Penal Internacional! Nós revimos a Constituição para podermos fazer uma adesão a corpo inteiro a essa comunidade de justiça, não para podermos fazer uma adesão diminuída, uma adesão ineficaz, uma adesão que subverta o princípio da complementaridade.
Fizemo-la para que a justiça se realizasse tendo como horizonte uma forma melhor e não uma forma pior. «Não», portanto, a qualquer iniciativa que favoreça a auto-inculpação voluntária dos criminosos perante a justiça mais favorável, que, neste caso, seria, obviamente, a justiça portuguesa.
A terminar, exprimo a confiança de que, para além de integrar o lote de países necessários para ratificar o Estatuto de Roma, Portugal continue a ter uma presença coerente na vida internacional, no domínio da construção de uma justiça penal eficaz no combate à impunidade, no combate ao que foi a grande deficiência do século passado. Para isso, estou certo de que será preciso continuar a combater o isolacionismo e o unilateralismo, sem complacência.
A aprovação deste Estatuto, que espero que aconteça dentro de pouco tempo, deposita esperanças acrescidas na justiça internacional e também na justiça portuguesa, mas, a meu ver, deposita ainda esperanças acrescidas na diplomacia portuguesa, porque, se não prosseguirmos o combate em torno da eficácia e da expansão das capacidades do Tribunal Penal Internacional, poderemos mais tarde constatar que, por nossa própria culpa, ele não correspondeu às nossas expectativas.
Estou certo, porém, como já foi dito, de que se trata de um marco fundamental e que honra esta Assembleia, nesta Legislatura, ter revisto a Constituição para este fim e aprovar, agora, para ratificação, o Estatuto de Roma que cria o Tribunal Penal Internacional.

Aplausos do PS e do Deputado do PSD Pedro Roseta.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, dispondo de mais 3 minutos que lhe foram cedidos pelo Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Carece-me, seguramente, o engenho e, sobretudo, o tempo para procurar demonstrar aos meus ilustres antecessores que o que está em causa na discussão do Tribunal Penal Internacional não é o que certas boas vontades querem que ele seja mas o que ele é. E o que ele é é um fruto determinado de uma ordem internacional, e de uma ordem internacional essencialmente injusta.
Nesse sentido, não daremos a nossa aprovação à ratificação do Estatuto de Roma, por quatro razões principais.
A primeira razão é a de que o TPI não é um tribunal universal, nem no âmbito, nem na sua composição. Alguns dos principais produtores, chamemos-lhes assim, de crimes de guerra e contra a Humanidade auto-excluem-se do próprio Tribunal: os Estados Unidos, a China e a Rússia.
O crime de terrorismo não é contemplado, o crime de agressão não é contemplado e, à luz do actual Estatuto, os Estados podem, em certas condições, fazer com que ele não se aplique, durante certo tempo, aos crimes de guerra. Isto significa que, para todos os efeitos, independentemente das cores com que se queira pintar, estamos perante um caso de justiça parcial que, na prática, redundará em justiça dos mais fortes contra os menos capazes de lhe resistir, o que supõe uma justiça privativa dos que dela se auto-excluem, a justiça privativa dos senhores da guerra. Não aceitamos esta situação!
Em segundo lugar, o TPI está peado na sua acção por uma dependência política e jurisdicional do Conselho de Segurança das Nações Unidas. E estranhamos que, à excepção da bancada do Partido Comunista, nenhuma das outras bancadas suscite este problema. É que isto significa que o TPI não é um órgão independente para julgar ou, ao menos, não é uma justiça que, na sua execução, possa agir independentemente, porque está condicionada, no seu exercício, pelos equilíbrios entre as grandes potências que o Conselho de Segurança traduz e que podem determinar a ausência de funcionamento do Tribunal Penal Internacional para julgar certos assuntos.