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2916 | I Série - Número 052 | 14 de Fevereiro de 2004

 

Estamos, portanto, perante um consenso muito representativo na comunidade científica, baseado em estudos longos - alguns casos derivam de 1988 e antes - que permitiram que países como os Estados Unidos, o Reino Unido, a Holanda, o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia, viessem a determinar legislação no sentido daquela que é aqui proposta.
Por isso mesmo, por cima do debate político e por cima das proibições da maioria, insistimos na adopção de uma medida que, como dizia o primeiro texto que citei, é fundamental para o cuidado médico de doentes que estão em estado de extrema vulnerabilidade e de extremo sofrimento e a quem será extremamente desumano recusar esta possibilidade de prescrição sob o controlo do seu médico.

Vozes do BE: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coleta.

O Sr. Miguel Coleta (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda apresenta-nos hoje uma proposta de lei visando a introdução do uso médico da cannabis e seus princípios activos para cuidados paliativos no caso de doença crónica grave e doença terminal.
Como facilmente se percebe, esta discussão devia ser moldada pelo conhecimento científico sobre o uso clínico destas substâncias ou produtos, suas vantagens ou desvantagens relativamente às terapêuticas existentes e sobre os riscos eventuais que esta prática possa implicar.
Como facilmente se percebe, esta não é matéria onde nós, políticos, possamos dar contributo. Aliás, se cada vez que surge a hipótese de introduzir um tratamento para uma determinada doença esta Assembleia corresse a fazer uma lei e o fizesse com a ligeireza que o Bloco colocou na elaboração deste projecto, coitados de nós, coitados dos doentes deste país… Já pensaram o que seria se vivêssemos num mundo com medicamentos de esquerda e com medicamentos de direita?!
Assim como o Bloco de Esquerda considera que é apenas um preconceito de direita que proíbe o uso de canabinóides, provavelmente iríamos descobrir um preconceito de esquerda sobre o uso de uma qualquer dimetoxiflavona. Quem sabe se um dia, no meio de um acalorado debate, não descobriríamos que, afinal, o ácido acetilsalissílico, a vulgar aspirina, que, segundo sabemos, facilita a circulação do sangue, é um perigoso agente subversivo ao serviço do neoliberalismo e da abolição das barreiras à livre circulação!?…
Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: O enquadramento legal português não proíbe a utilização de estupefacientes, incluindo a cannabis, para usos terapêuticos ou científicos, apenas condiciona a sua utilização à satisfação de um conjunto de requisitos e à fundamentação médica, caso a caso.
Todas as indicações terapêuticas que se pretenda requerer para qualquer produto ou substância deverão ser sempre alvo de uma adequada avaliação prévia, que documente, com base em princípios e normas cientificamente actualizados, a qualidade e segurança do produto ou substância em causa e que permitam verificar a eficácia da sua utilização nas situações clínicas a que se destinam.
Consensualmente, a comunidade científica reconhece que o problema relativo ao uso desta e de outras plantas na prática clínica convencional é a falta de conhecimento objectivo relativamente a algumas questões fundamentais que eu não posso deixar aqui de referir.
Quais são os princípios activos de que o Sr. Deputado Francisco Louçã fala no seu projecto de lei? Qual é a proporção relativa desses constituintes que condiciona o efeito terapêutico que proclama? Qual é a dose óptima que recomenda? Qual é, de facto, a relação risco/benefício que existe? Qual é a via de administração adequada para este fármaco?
A maior parte dos estudos publicados apresenta grandes limitações quanto à qualidade metodológica. Quando falamos de uma planta, ou de um extracto obtido a partir desta, falamos de milhares de substâncias, muitas delas importantes para a actividade terapêutica (algumas concorrem para a estabilização da preparação, outras facilitam a permeação através de membranas, outras, ainda, actuam indirectamente através de receptores e podem, assim, facilitar a acção dos tais princípios activos) e aquilo que sabemos como facto é que a alteração, por exemplo, da proporção relativa das moléculas presentes no local da acção altera profundamente a actividade farmacológica. Ora, nos casos que tivemos oportunidade de analisar, não há sequer uma clara identificação do produto utilizado, nem VV. Ex.as fazem essa identificação no vosso projecto. Sem isto, como é que podemos ter certeza de qualquer espécie?
Já ouvimos o Sr. Deputado Francisco Louçã dizer que os benefícios terapêuticos da cannabis são conhecidos - ele lá saberá do que fala - mas a verdade não é assim tão simples. Mesmo de entre os dois ou três estudos que são citados no projecto em discussão, constatamos imensas dúvidas. E posso