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2920 | I Série - Número 052 | 14 de Fevereiro de 2004

 

contraditória, no mínimo sempre controversa.
Ainda que se conheçam, e com grande consenso, as indicações terapêuticas e os efeitos favoráveis sobre alguns processos patológicos, nomeadamente no controlo da dor, como miorelaxante e na redução de efeitos secundários induzidos pela quimioterapia antineoplásica, a sua eficácia e entrada no arsenal terapêutico com utilidade clínica terá de ser demonstrada em ensaios clínicos duplamente cegos, eventualmente, que estabeleçam a relação entre benefícios e risco, até porque a sua utilização se prevê em doentes polimedicados, havendo sempre subjacentes possíveis interacções medicamentosas. A sua validação não pode ser demonstrada em experiências isoladas em alguns pacientes ou por constatação acidental.
Apesar desta controvérsia, países como o Canadá aprovaram o uso terapêutico da cannabis em casos específicos mas, ao mesmo tempo, destinaram milhões de dólares canadianos para financiar projectos de investigação nesta matéria.
A Califórnia, em 1997, legalizou a utilização medicamentosa da cannabis. Por aprovação da FDA, está autorizado, nos Estados Unidos, o uso medicinal de dronabinol, um dos derivados sintéticos da cannabis já comercializados.
Em Portugal, esta substância também tem autorização de introdução no mercado, com o nome comercial de Marinol, desde 1999, estando sujeita a receita médica especial. Neste momento, não conhecemos o seu perfil de utilização.
Na Holanda, há dispensa, através de receita médica, para pacientes que não respondam a outras terapêuticas.
No Reino Unido, desenvolveram-se estudos para a possível introdução no mercado da cannabis para terapêutica adjuvante nos sintomas dolorosos de doentes terminais.
O Tribunal Constitucional alemão já autorizou o uso de cannabis fumado em oito pacientes sob controlo médico, não proibindo aos médicos que a receitassem, por entenderem ser uma forma de minimizar o sofrimento do seu doente num período terminal da vida, mas também garantindo ao doente a possibilidade de decisão, à semelhança do que já se faz na utilização de outros estupefacientes, como a morfina e a meperidina.
Em Portugal, existem outros medicamentos com indicações terapêuticas semelhantes, actuando sobre sintomas adversos, dos quais se conhece bem as doses a utilizar, a forma de administração adequada, a sua forma de eliminação, a resposta esperada e os efeitos secundários. Em relação à cannabis e seus derivados, há um desconhecimento destes parâmetros quanto à maioria dos seus múltiplos compostos e, portanto, não podemos saber se, de facto, existe uma mais-valia na sua utilização comparada com a qualidade dos medicamentos que já possuímos.
Torna-se importante realçar, neste momento, que estes países que citámos, à semelhança do que é feito no preâmbulo do projecto de lei em apreço, têm um traço comum. Há muito que, nos seus sistemas de saúde, foram introduzidos como prioridade os cuidados paliativos e a assistência coordenada e regulada aos doentes terminais, com legislação específica, medidas concretas de implementação, profissionais formados e motivados e regras claras de articulação entre serviços.
Foi assumido, pelos políticos, pelos profissionais e pela sociedade desses países, que a dor e o sofrimento na fase terminal da vida não são uma fatalidade do destino e que há que fazer a sua prevenção para uma morte digna. Veja-se o exemplo do Canadá em que existe uma ministra para os cuidados paliativos e que esteve há bem pouco tempo a ser recebida nesta Assembleia da República.
Em Portugal, pelo contrário, temos informação que medicação opiácea em cuidados terminais, gratuita, em ambiente familiar, passa a ser paga pelo doente, na sua totalidade, quando este se encontra no domicílio.
Estamos ainda longe do que importa de facto. Estamos ainda longe de assumir que a qualidade de vida deve existir até ao seu momento final. Viver e envelhecer com qualidade não chega. Sabemos que se morre, embora não gostemos de falar nisso, e será necessário preparar a melhor forma de o fazer. São estas, em nosso entender, as dimensões do problema que importaria discutir neste momento.
Voltando ao projecto de lei n.º 392/IX que hoje está em apreciação, muitas questões ficam ainda por explicitar e a discussão havida anteriormente não as clarificou de maneira nenhuma.
Há evidência positiva da sua utilização em alguma sintomatologia, mas será que há necessidade da sua introdução no arsenal terapêutico já existente? Essa introdução irá trazer ganhos de efectividade comparados com as alternativas já testadas e experimentadas? Há condições, em Portugal, para desenhar estudos clínicos que suportem as decisões a tomar?
Para o Partido Socialista, não se opondo a uma futura utilização médica da cannabis e seus derivados, será necessário encontrar respostas para estas questões e pensamos que só poderão surgir do INFARMED, como instituto que tutela a introdução de novos medicamentos.
Para concluir, afirmamos a nossa disponibilidade para, de uma forma positiva, encontrar a melhor