O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

3813 | I Série - Número 070 | 31 de Março de 2004

 

inviabilizaria, de facto, a procriação assistida, ao mesmo tempo que os cientistas recusavam as normas sobre a quebra do anonimato do dador. É fundamental que não se repitam as condições que obrigaram a este veto presidencial e que seja aprovada já uma legislação moderna e adequada.
Considerando que a infertilidade afecta, em Portugal, cerca de 15% da população em idade fértil, isto é, centenas de milhares de pessoas, verifica-se que a ausência de legislação tem efeitos sobre o bem-estar de parte importante da população. É urgente corrigir esta situação, tanto mais que a Organização Mundial da Saúde considera a infertilidade como uma doença e declara que todos os cidadãos por ela afectados têm direito a ser devidamente tratados. Nos casos em que ainda não é possível o tratamento pode garantir-se aos interessados, através das técnicas da procriação medicamente assistida, a possibilidade de uma maternidade e paternidade.
É, por isso, indispensável promover um esforço de desenvolvimento da capacidade científica e da acessibilidade a estes procedimentos, como sejam a inseminação intra-uterina, a fecundação in vitro, a microinjecção com biopsia testicular e outras técnicas. Portugal, aliás, já tem alguns centros nas universidades e nos hospitais públicos centrais, alguns dos quais pioneiros mundiais na introdução de algumas destas técnicas. É necessário apoiá-los e desenvolvê-los.
Há falsos medos que vale a pena, desde logo, afastar. Creio que ninguém neste Parlamento, nem nenhum cientista, defende a criação deliberada de embriões especificamente para investigação; aliás, isto é proibido, e bem, pe1a Convenção de Oviedo, que Portugal já ratificou.
Ora, é sabido que a taxa de sucesso das técnicas de procriação medicamente assistida é directamente proporcional ao número de embriões produzidos e inversamente proporcional ao número de embriões implantados. Por isso, a multiplicação de tentativas sucessivas aumentará exponencialmente os custos e tornará muito mais difícil que a procriação medicamente assistida seja feita nas instituições públicas. Será, então, feita em instituições privadas, discriminando desta forma os casais que necessitam de recorrer a estas técnicas.
Por isso mesmo, se a legislação optar incompetentemente pela diminuição do número de embriões a fertilizar por qualquer preconceito absurdo, então, o serviço público acabará por deixar de responder às necessidades dos casais que estão a ser tratados por infertilidade, devendo essa estratégia de privatização e discriminação ser recusada em nome da universalidade dos cuidados do serviço de saúde.
No anteprojecto de parecer que está em consideração no Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida sugere-se a redução do número de ovócitos a fertilizar, o que poderá inviabilizará a procriação assistida, e ainda a proibição da utilização de esperma do dador. Ou seja, sugere-se a inviabilização dos processos de procriação medicamente assistida quando ambos os membros do casal são inférteis, transformando-se preconceitos obscurantistas em propostas de regulação.
O parecer vai ainda mais longe, procura impor um condicionamento proibitivo do recurso ao diagnóstico genético pré-implantatório, no caso de casais que possuam ou possam transmitir doenças hereditárias graves. A possibilidade de utilização deste tipo de diagnóstico, prática desenvolvida já no nosso como nos países mais avançados, abre uma imensa esperança nas famílias em risco de transmitirem doenças genéticas graves ou nos casos de anomalias cromossómicas.
O diagnóstico pré-implantatório permite evitar, sobretudo nos casais que tenham objecções morais ou religiosas, o recurso ao aborto até às 24 semanas de gravidez, tal como é permitido pela actual lei. A proibição do recurso a este diagnóstico seria de uma imensa consequência, de uma irresponsabilidade técnica sem qualificação e prova de um reaccionarismo impiedoso, que despreza as pessoas.
De forma conexa, a investigação em células estaminais embrionárias constitui uma enorme promessa da medicina do século XXI. Sabe-se que 80% dos embriões são inviáveis e não têm qualquer capacidade de implantação, constituindo, no entanto, um aglomerado celular totipotente, ou seja, que pode permitir o desenvolvimento e obtenção de células estaminais, as quais oferecem actualmente a maior esperança para o tratamento de numerosas doenças degenerativas.
É importante que Portugal, a exemplo do que acontece noutros países, possa desenvolver um banco de células estaminais embrionárias a partir da doação de embriões excedentários inviáveis e que se coloque em sintonia com uma comunidade europeia e mundial de investigação que desafia uma das mais promissoras áreas da medicina e da biologia - a medicina regenerativa.
Do mesmo modo, a crescente possibilidade de utilizar testes genéticos (testes de portadores, pré-sintomáticos ou de susceptibilidades) em indivíduos saudáveis pode ser potenciadora de discriminação se não for devidamente enquadrada, quer do ponto de vista jurídico quer do ponto de vista médico, mas ao mesmo tempo pode ser benéfica para o indivíduo testado se for essa a sua opção e se for devidamente acompanhado do ponto de vista do aconselhamento genético.
Sr.as e Srs. Deputados, são muitas as novas questões que a ciência nos coloca neste início de século. A nossa obrigação é fazer escolhas informadas e de acordo com o que a ciência actualmente já sabe.
Não podemos esperar mais tempo. Convido, por isso, o Governo a não atrasar mais a sua proposta de