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5846 | I Série - Número 107 | 29 de Julho de 2004

 

quebrar que torcer", figura ímpar e de dimensão internacional, personalidade ilustre, das que fazem a nossa identidade e o nosso orgulho de ser portugueses.
Lamentamos, por isso, que não tenham sido devidas e prestadas as honras nacionais e de Estado no seu funeral. O Estado português esteve mal mais uma vez.
Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, a nossa devida homenagem e a nossa gratidão imperecível.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O País despediu-se há alguns dias e o Parlamento presta hoje a devida homenagem à mulher que, porventura, foi a que mais marcou os 30 anos da democracia portuguesa.
Lourdes Pintasilgo foi grande nos actos, no pensamento, na palavra, em toda a sua vida política. Dela fica uma memória de que não poderemos esquecer-nos, que nunca poderemos ignorar.
A intervenção cívica de Lourdes Pintasilgo em todas as circunstâncias - contra a mesquinhez, contra a ignorância e contra o atraso - deu um sentido novo, que porventura ainda importa descobrir, à palavra "democracia". Ela entendeu - e fez bem - a democracia como uma responsabilidade, por isso detestava as palavras fáceis; entendeu a democracia como uma vibração do quotidiano - e ninguém pode conceber a liberdade senão como Lourdes Pintassilgo o fez -, por isso esteve sempre acima da política que poderia poluir esse quotidiano e essa liberdade.
Esteve na primeira fila das manifestações contra a guerra no Iraque, esteve na primeira fila da defesa de uma nova ordem internacional e marcou na sua actuação - nas escolhas eleitorais, na presença em listas, em candidaturas e em propostas políticas das esquerdas portuguesas -, numa intervenção que ia muito para além deste panorama partidário, aquilo que é uma civilização da responsabilidade e, portanto, da democracia.
No próprio dia do funeral manifestei o meu desgosto pelo facto de não lhe terem sido concedidas honras de funeral de Estado. Foi uma desatenção e uma mesquinhez acima das quais pairava sempre a capacidade que Lourdes Pintasilgo tinha de saber destas contrariedades mas de ser muito maior do que elas.
Por isso mesmo homenagearemos, certamente com toda a compreensão da Câmara, a grandeza desta mulher, que nos deu lições e que nos ensinou a continuar a viver e a lutar pela democracia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

O Sr. Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Morreu Lourdes Pintasilgo. Morreu, seguramente, uma personalidade extraordinária, fascinante e imprevisível, uma mulher por vezes aparentemente só, mas afinal uma íntima companheira de muitos cidadãos deste país.
Lourdes Pintasilgo não desperdiçou a vida. Viveu-a intensa e apaixonadamente, com um invulgar sentido de entrega, de missão. Viveu uma vida orientada para cuidar dos outros e do nosso próprio futuro.
Foi uma mulher cuja vida não pode circunscrever-se à sua riquíssima biografia, porque está muito para além dela. Foi alguém que recusou o que era fácil, que foi pouco ouvida no País, cada vez mais rendido ao vazio e ao efémero.
Era uma mulher singular de ciência e de cultura, que nelas se inspirou ao longo de todo o tempo, uma mulher com um imenso humor, que toda a vida se bateu pela ética, pela justiça, pela igualdade, pelo desenvolvimento solidário, de uma forma corajosa, coerente, combativa.
Lourdes Pintasilgo foi uma mulher primeira em tudo. Penetrando num território marcadamente masculino, foi uma das nossas primeiras mulheres engenheiras; esteve na Comissão para a Igualdade e os Direitos das Mulheres, lutando não exclusivamente pelos direitos das mulheres mas por um registo diferenciado, compreendendo que elas têm um papel imprescindível como parceiras do desenvolvimento; esteve à frente do Ministério dos Assuntos Sociais, onde deixou a sua marca insubstituível; foi a única Primeira-Ministra em Portugal.
Lourdes Pintasilgo foi uma mulher que viveu e se entregou às suas causas com verdadeira paixão, uma mulher católica, mas que do Evangelho fez o seu guia de acção e que do cristianismo fez não uma forma de estar acomodada mas sim uma forma amável de enfrentar os poderes instituídos, de agir pela cooperação, pelo fim da pobreza, pela paz, por uma outra solidariedade em relação ao futuro, por um outro contrato à escala planetária.
Moveu-se nas margens, mas foi no centro que colocou o que era essencial, com o seu olhar perspectivo e utópico, falando daquilo que os outros, de modo tradicional, tendiam a silenciar.
Lourdes Pintasilgo foi uma mulher que esteve à frente do seu tempo, uma mulher que deixou uma imensa marca neste país, um país que não soube compreendê-la, um país que, por demasiadas vezes, não