I SÉRIE — NÚMERO 37
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tein, no final do ano passado, que regulamenta a liberalização do sector dos serviços, reduz a capacidade de os Estados regularem e fiscalizarem as empresas que prestam serviços nos seus territórios, promove a desregulação laboral e baseia as formas de contratação nos países com menores direitos sociais e ambientais e transforma os serviços de interesse público em verdadeiros serviços de interesse económico, regulados pela lei do mercado, com o enfraquecimento evidente dos direitos dos consumidores.
Ou seja, estão a impor-se políticas e medidas que estavam inscritas na constituição europeia (a qual foi rejeitada), que, de resto, estiveram na base do «não» à constituição europeia e que, agora, a União Europeia, por outras vias, está a impor. Assim, daqui a algum tempo, dir-se-á «mas tudo o que está inscrito naquele texto constitucional já está aplicado!» — e a conclusão até parece óbvia, mas é contrária à vontade dos povos. Isto é tudo menos o respeito pela democracia e pela soberania dos povos.
A segunda matéria que Os Verdes gostariam de focar prende-se com o já célebre conceito da flex security, que, em português, afinal, não se traduziu para flexigurança, mas, sim (e parece que já está generalizada a tradução), para flexissegurança — repare-se na «segurança», que aparece na totalidade da palavra (e, se calhar, não por acaso) para sublinhar aquilo que este conceito tem de menos.
A ideia da União Europeia é que o processo da sua definição e implementação esteja concluído na presidência alemã, com propostas de aplicação concretas. Por detrás de um conceito que se quer fazer passar por muito inovador, encontra-se um instrumento que nos remeterá ao século XIX, no que diz respeito ao enfraquecimento da posição do trabalhador e à concentração do poder absoluto nas mãos do empregador — é garantir a total flexibilidade do trabalho em favor do empregador, deixá-lo fazer o que bem entender com a força do trabalho, despedir a seu bel-prazer de acordo com os ciclos que bem entender, reduzir salários e tanto mais.
A segurança, essa, reside tão-só no esforço que os serviços do Estado procurarão fazer para garantir a rotatividade dos trabalhadores no mercado de trabalho, o que pode significar, para esses trabalhadores, desemprego, trabalho precário e salários sempre inferiores, num ciclo que rodará ao sabor das vontades das entidades patronais.
É a desregulação laboral total — e o Governo português já se disse adepto da concretização deste instrumento.
A terceira matéria que Os Verdes gostariam de abordar neste debate prende-se, evidentemente, com as questões energéticas. Em relação a esta matéria, muito fogo de vista, muitas metas traçadas, metas igualmente em risco e um comércio europeu de emissões que já deu provas de não garantir objectivos de redução, mas meramente de transferência de quotas de poluição. Entretanto, novas metas traçadas: reduzir o consumo de energia em 20% até 2020; cortar nas emissões de CO
2 em 30% até 2020; enfim, tudo objectivos muito meritórios, assim sejam conseguidos.
O facto real, entretanto, é que, no sector da energia, há dois tipos de aposta. A primeira consiste em completar a liberalização do sector energético e em institucionalizar o mercado europeu de energia. Daqui resultarão, evidentemente, preços exorbitantes para os consumidores — e os portugueses, como sabemos, vão tendo conhecimento do que isso significa na prática —, com a garantia de lucros igualmente exorbitantes para as empresas do sector.
O segundo tipo de aposta é o nuclear. A União Europeia já demonstrou que não é apartidária relativamente à matéria do nuclear. A União Europeia faz uma valorização da energia nuclear no seu dito «mix» energético, minimizando questões de segurança do transporte dos resíduos, dos custos de construção e desmantelamento das centrais nucleares e da própria importação do urânio. A União Europeia financia o nuclear, e isso está patente no Sétimo Programa-Quadro de investigação e desenvolvimento tecnológico.
Ora, face a este posicionamento da União Europeia, aquilo que ela está, desde já, a reconhecer é a falta de investimento real e eficaz que tem promovido em torno das energias renováveis, ao nível a que chegámos no presente, ao nível global, de produção de energias renováveis, ao nível do ano de 2000. Portanto, como se vê, não avançámos tão extraordinariamente nesta matéria.
Mas, por outro lado, esta União Europeia também nesta matéria se demonstra bem afastada dos cidadãos. É que o último Eurobarómetro que estudou a vontade dos cidadãos nesta matéria demonstrou que 88% dos cidadãos dos diferentes Estados da União Europeia não defendem o desenvolvimento da energia nuclear e, relativamente aos portugueses, 95% não apostam no desenvolvimento da energia nuclear.
Ora, o que é que tivemos como declaração do Governo, ontem? O Sr. Secretário de Estado da Economia, num seminário sobre energia, declarou abertamente que o Governo está aberto a uma resposta relativamente ao nuclear, que pode cair no «sim» ou no «não» para Portugal, demonstrando claramente que põe a hipótese do recurso ao nuclear em Portugal.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, aquilo que se pode verificar no âmbito daquilo que referi, e como conclusão desta intervenção de Os Verdes, é que temos uma União Europeia cada vez mais afastada dos cidadãos, cada vez mais autista e cada vez mais contribuinte directo para os problemas globais e concretos dos povos dos países da União Europeia. Isto é, evidentemente, preocupante, na nossa perspectiva, e tem de ser claramente denunciado, custe o que custar!
Vozes do PCP: — Muito bem!