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21 | I Série - Número: 011 | 19 de Outubro de 2007


O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei relativa ao Sistema Estatístico Nacional aborda uma temática de importância estratégica para o Estado e a sociedade portugueses.
Ter, em cada momento, uma informação de qualidade, fiável, actualizada e disponível é, sem dúvida, uma questão crucial para o próprio regime democrático e não apenas para o poder político e os decisores económicos e sociais.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP: — Assegurar a confiança dos cidadãos e das entidades públicas e privadas na informação estatística que o Estado produz e disponibiliza é travar e impedir a manipulação dos números, ao sabor dos interesses dos governos e das maiorias do momento. Demasiadas vezes isso tem acontecido.
Neste contexto, a independência do Sistema Estatístico Nacional face ao Governo é um ponto de partida irrecusável e incontornável no aperfeiçoamento do edifício legislativo que o deve enquadrar.
Ora, a proposta de lei vai em sentido completamente oposto.
O que se propõe é o reforço da governamentalização do Sistema Estatístico Nacional e do Instituto Nacional de Estatística, e não apenas pelo conteúdo da proposta agora em apreço mas também pela estranha forma de concretizar as diversas peças legislativas.
A Assembleia da República debate hoje a proposta de lei de enquadramento do Sistema Estatístico Nacional depois de, em 3 de Maio, o Governo ter definido, pelo Decreto-Lei n.º 166/2007, a Lei Orgânica do INE, onde se define a sua natureza, independência técnica e as suas missões e atribuições. Isto, na nossa opinião, é um absurdo político e legislativo.
A Assembleia da República pronuncia-se a posteriori, isto é, confirma, no artigo 18.º da proposta, as atribuições do INE «previstas na sua Lei Orgânica», determinadas pelo Governo! INE, relevemos, que é o núcleo central e principal do Sistema Estatístico Nacional! Isto depois de, no preâmbulo do referido decreto-lei, se ter praticamente limitado as funções do INE ao «apoio a toda a actividade governativa» e de, no n.º 2 do artigo 1.º — «Natureza» —, estabelecer que o INE «prossegue atribuições da Presidência do Conselho de Ministros», sob «superintendência», e não apenas tutela, do Primeiro-Ministro.
Mas, regressando ao conteúdo da proposta de lei, quaisquer dúvidas sobre a vontade de governamentalização do Sistema Estatístico Nacional ficam esclarecidas.
O Governo propõe reforçar a sua presença no Conselho Superior de Estatística com o acréscimo de «cinco personalidades» a serem indicadas pelo Presidente do INE, nomeado pelo Governo! Se o Conselho Superior de Estatística tiver o número mínimo de 26 membros, 13 serão da confiança do Governo. A que se deve acrescentar o risco da presença de um número indefinido de, quanto a nós, incógnitas entidades privadas em quem o INE vai delegar a produção de estatísticas.
Mas, se olharmos novamente para a Lei Orgânica do INE, artigo 6.º, constatamos que, afinal, o Conselho Superior de Estatística não é o «órgão do Estado que orienta e coordena o Sistema Estatístico Nacional» a que o INE presta «apoio técnico, administrativo e logístico», de acordo com a proposta de lei, mas, aparentemente, um órgão que funciona «junto do INE»! A somar a tudo isto há uma clara desgraduação e um empobrecimento do conceito de «independência técnica» do trabalho do Sistema Estatístico Nacional. Basta comparar a formulação vaga do artigo 5.º da proposta de lei com o que se dizia no artigo 4.º da anterior Lei n.º 6/89, de 15 de Abril.
Todo este processo seria aparentemente estranho e contraditório com o Governo, que tanto apregoa as virtudes da regulação independente de umas tantas atribuições do Estado. Mas é bem visível que, em matéria de informação estatística, o que se pretende é o mais estrito controlo governamental. Alguns acontecimentos recentes não dão margem para dúvidas.
O que se tem verificado ultimamente com a publicação de destaques por parte do INE não nos deixa tranquilos quanto ao calendário de divulgação dos mesmos e quanto ao seu rigor.
No final do primeiro semestre, o Eurostat publicou dados sobre a desigualdade da repartição de rendimentos nos países da União Europeia e noutros países. Lá vêm, para Portugal, em 2004 e 2005, com carácter provisório, os valores de 7,2 e 8,2 como rácio entre os 20% das famílias com rendimentos mais elevados e os 20% das famílias com rendimentos mais baixos. Esta informação, dada a sua importância, foi amplamente utilizada pelas forças políticas para denunciar a gravidade da situação que se vive no nosso país.
O Primeiro-Ministro barafustou contra aqueles números, dizendo que eles se referiam a 2004 e, poucos dias depois, aproveitando a comemoração do Dia Internacional de Erradicação da Pobreza, o INE vem publicar os resultados do inquérito às condições de vida e rendimento, realizado em 2005, com rendimentos do ano anterior, e apresenta outros valores para aquele rácio — 6,9, em 2004 e 2005.
Afinal, em que ficamos? Afinal, quem tem razão? O INE ou o Eurostat? Se este inquérito é realizado em Portugal desde 2004, porque é que os seus resultados só foram divulgados em Outubro de 2004 e apenas referentes ao período entre 1995 e 2001, quando, nesse ano, já havia valores para 2004 (note-se que o inquérito de cada ano é feito entre Maio e Julho e refere-se aos