30 | I Série - Número: 011 | 19 de Outubro de 2007
que o faz de forma demasiado incompleta.
Tanto assim é que o diploma proposto pelo BE contém um conjunto extenso de normas programáticas, cuja finalidade é, por isso, essencialmente orientadora e as quais, sem desprezar a bondade das soluções nelas contidas, dificilmente têm dignidade para assumir a forma de lei, assemelhando-se mais, isso sim, a uma proposta de plano de combate à violência de género.
Partilhamos, igualmente, das reservas expressas no relatório da 1.ª Comissão, quanto à colisão do artigo 14.º do projecto de lei com a autonomia das instituições de ensino superior, bem como quanto à invasão que o artigo 24.º faz à exclusiva competência do Governo em matéria da sua organização e funcionamento.
O Bloco de Esquerda propõe a criação de um conselho nacional de luta contra a violência, junto do qual funcionaria o observatório nacional da violência. Haverá necessidade de criação destas entidades quando o III Plano Nacional para a Igualdade — Cidadania e Género já determina a implementação do observatório de género? O Bloco de Esquerda propõe, ainda, a criação, como a Sr.ª Deputada acabou de referir, em cada tribunal de instrução criminal ou, quando estes não existam, em cada tribunal de 1.ª instância de competência genérica, de unidades especiais para a violência de género, com competências difusas, que vão desde a recepção de queixas à tomada de medidas adequadas à protecção e assistência da vítima.
Não se percebe se essa unidade é ela própria quem dirige o inquérito por crimes relacionados com a violência de género ou se se limitará a acompanhar esses inquéritos.
Em qualquer dos casos, não se pode esquecer a norma constitucional — artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa — que atribui o exercício da acção penal ao Ministério Público, podendo, portanto, a proposta estar ferida de inconstitucionalidade.
Também não se percebe que, sendo criadas para funcionar em cada tribunal de instrução criminal, as unidades especiais para a violência de género tenham competência para propor medidas em matéria cível que extravasam, em muito, o pedido de indemnização civil fundado na prática de crime, o único que pode ser deduzido em processo-crime por força do princípio da adesão consagrado no artigo 71.º do Código de Processo Penal.
Em suma, este projecto de lei não prima pelo cuidado e rigor técnico-jurídico, já que faz, no plano das medidas concretas, propostas soltas e desgarradas, desenquadradas do respectivo domínio sistemático, misturando e confundindo soluções civilísticas com soluções penais, e em alguns casos até contemplando medidas que já se encontram hoje acolhidas no nosso ordenamento jurídico.
Por tudo o que atrás ficou dito, e não querendo retirar o mérito da intenção que presidiu à apresentação deste projecto de lei, mas sem deixar de acentuar as suas fragilidades jurídicas, não será pelo PSD que se inviabilizará a sua baixa à comissão respectiva para a discussão mais aprofundada que o tema merece.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Nobre de Deus.
A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As nossas preocupações são claras no que se refere à violência doméstica e à erradicação da violência de género, que, por maus motivos, coloca as mulheres no centro de um problema que também atinge os homens.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem um compromisso muito claro: o combate pela promoção da igualdade e contra a violência sobre todas as pessoas, mulheres e homens, porque as vítimas de violência e discriminação não são exclusivamente de um género. O III Plano Nacional para a Igualdade — Cidadania e Género e o I Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos são planos para todas as pessoas — e não podia ser de outra forma.
Mas, porque tem maior incidência a violência contra as mulheres, o Governo tem uma agenda específica para a intolerância contra a violência doméstica, expressa no III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica e executada pela Estrutura de Missão Contra a Violência Doméstica.
Em Portugal, a protecção das vítimas já tem o seu quadro legal estatuído na Lei n.º 61/91 e está devidamente prevista nas medidas atrás enunciadas. Portanto, neste momento, a estratégia do Partido Socialista é a de trabalhar efectivamente na sua execução. Há trabalho realizado, é tempo de olhar para a frente e de pôr os compromissos em execução. Temos um rumo e esta é a nossa prioridade.
Assim, o projecto de lei do Bloco de Esquerda, relativo à protecção contra a violência de género, não tem, neste momento, oportunidade na agenda da sociedade portuguesa. A «Exposição de motivos» deste projecto de lei perde, desde logo, acuidade porquanto refere que foi buscar à lei espanhola, que enquadra esta questão, muitas das soluções apresentadas. Mas, Sr.as e Srs. Deputados, qual Bela Adormecida, desta vez, o Bloco de Esquerda acorda tarde.
Como é evidente, as políticas têm de responder aos desafios da sociedade, porquanto temos de manter a ambição de fazer mais e melhor em tudo o que seja a garantia dos direitos humanos. É importante que fique claro, para que não existam quaisquer dúvidas, que o articulado deste projecto de lei acrescenta muito pouco