66 | I Série - Número: 013 | 7 de Novembro de 2007
aqueles que precisam, fica melhor ou pior? A que problemas e a que pessoas é que o Orçamento responde? De quem cuida este Orçamento? Cuida da igualdade e da justiça, do emprego e do desenvolvimento, ou cuida da desigualdade e da injustiça, do desemprego e do atraso? Sr.as e Srs. Deputados, a resposta, aliás, é muito clara se perguntarmos a quem trabalha, a quem paga impostos, a quem vive na nossa terra.
Na nossa terra, um em cada dez trabalhadores está desempregado. Um em cada três dos desempregados não recebe subsídio de desemprego. Um em cada três trabalhadores só consegue biscates, um trabalho precário ou com recibo verde e não sabe como vai viver. Um em cada cinco dos portugueses é pobre e não sabe se vai sair da pobreza. Um em cada três estudantes abandona a escola antes do 9º ano e não sabe o que vai fazer da vida. Este é o povo que não tem sorte, não tem direitos, não tem oportunidades.
Foi a este povo, Sr. Primeiro-Ministro, que o senhor veio dar os parabéns pelo seu esforço, quando anunciou o défice de 3%.
Este povo são homens e mulheres que sabem que pagam, em média, 5000 euros de imposto por ano.
Parabéns? Não precisam de parabéns! O imposto que pagam paga cada vez menos serviços de saúde, cada vez menos professores, cada vez menos qualidade nas escolas. Não se dá os parabéns a quem está a ser prejudicado e enganado.
Aplausos do BE.
Mas o imposto que pagam paga a isenção fiscal de 7160 milhões de euros de negócios, que são 5% do produto total do País, Sr. Primeiro-Ministro, o dobro do défice previsto neste Orçamento — repito, 7160 milhões de euros de negócios, o dobro do valor do défice —, que são os negócios que «voam» pelo offshore da Madeira sem pagar um cêntimo de imposto. Parabéns!
O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Isso é uma obsessão!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Este povo são os reformados que vão ter um aumento de três décimas acima da inflação, o menor aumento dos últimos cinco anos. O Governo vangloria-se disso, do menor aumento dos últimos cinco anos! No regime não contributivo, o da solidariedade social, mais de 80 000 pessoas recebem um aumento de 14 cêntimos por dia. Parabéns?! Os impostos vão de novo aumentar para alguns dos reformados remediados. Parabéns?! Estes homens e mulheres, que labutam todo o dia, ganham em média 15 a 20 euros por dia. Pagam impostos. Pagam juros cada vez mais altos ao «senhorio», que é o banco. Pagam a educação dos filhos. Têm o «coração na boca». Têm medo do desemprego. E trabalham. E sabem que os seus juros pagam salários de banqueiros que são cerca de 10 000 euros por dia — ganham num dia o que um português ganha em quase dois anos de trabalho, ganham num mês o que um português não ganha em 50 anos de trabalho. Quem é que merece parabéns, Sr. Primeiro-Ministro? Os negócios, esses, prosperam. Os hospitais vão ser construídos com parcerias público-privadas que entregam a alguns privados a gestão das infra-estruturas durante 30 anos (não até 30 anos, mas os 30 anos todos) e a administração hospitalar durante 10 anos (todos).
É tudo em grande! Os impostos pagam a obra, pagam os juros, pagam a administração e pagam os lucros, por 10 anos e por 30 anos. Parabéns! Parabéns aos Hospitais Privados de Portugal, à Associação Nacional de Farmácias com o Grupo Mello, ao Banco Espírito Santo e ao Banco Português de Negócios. Parabéns! Na REN vai haver mais uma tranche de privatização. São 5% da nossa rede eléctrica nacional que já têm dono: estão prometidos à Enagás, a empresa espanhola de distribuição de gás, sem concurso, sem mercado, sem discussão. Parabéns! Na Estradas de Portugal, já se sabe, a concessão até pode ser por um século inteiro, não precisam de arriscar nada, o imposto paga os lucros. Haverá novas portagens, ficamos a saber, e a empresa vai decidir, com os capitais privados, a quem sub-concessiona parte das estradas e auto-estradas. Monopólio absoluto durante um século, com financiamento pelos impostos. O capitalismo de Estado em todo o seu esplendor! Parabéns à Brisa! Sr. Primeiro-Ministro, é muito triste este Orçamento. O Governo anuncia-o como a «festa» do défice controlado. Os portugueses sabem que é o Orçamento da «desistência». Este Orçamento desistiu do desemprego, desistiu da convergência das pensões mais baixas, desistiu do projecto democrático da educação para a igualdade, desistiu das pessoas, desistiu da justiça.
Desistiu até da cultura, no seu afã obsessivo pelos números. Afinal, como dizia a um jornal uma inspirada directora do Ministério das Finanças, aquela que acompanha a execução orçamental do Ministério da Cultura, «na cultura só se distribui umas “missanguitas”, como que para colonizar os nativos que somos todos nós.
Assim é este Orçamento. Distribui “missanguitas” e agruras à maioria, mas protege a minoria que tem todo o poder. O poder do dinheiro, o poder de não pagar impostos, o poder de receber subsídios, o poder de fazer parte da comitiva, o poder de decidir sobre tudo o que é essencial.