9 | I Série - Número: 026 | 14 de Dezembro de 2007
Há poucos dias, tínhamos sabido igualmente que um outro aluno, em Elvas, também ficara paraplégico depois de um acidente no âmbito das actividades da praxe. Os organizadores da praxe negaram qualquer responsabilidade e fizeram saber que «só participa quem quer».
Estes casos, tão recentes, vêm somar-se a uma lista longa de violências, das quais conhecemos apenas a ponta pública do iceberg.
Em Janeiro de 2003, Ana Sofia Damião denunciou publicamente as agressões de que foi alvo durante a praxe, no Instituto Piaget, de Macedo de Cavaleiros. Foi obrigada a despir-se e a vestir-se novamente, mas com a roupa interior por fora. Foi forçada a simular orgasmos e relações sexuais com colegas.
Mas decidiu denunciar publicamente o caso. O director do Piaget de Macedo de Cavaleiros abriu um inquérito. O inquérito concluiu que terá havido uns «exageros» e, portanto, decidiu sancionar os agressores e a agredida. Ana Sofia Damião recebeu, por escrito, uma repreensão «pela forma subjectiva excessiva como relatou os factos».
A instituição legitimou, portanto, o abuso e protegeu-se corporativamente. Ana Sofia foi culpada porque resolveu tratar o assunto na praça pública.
Mais tarde, o próprio tribunal considerou que não havia razões para julgamento criminal. Entretanto, a aluna recorreu para os tribunais cíveis, onde o processo se encontra em recursos sucessivos.
Em Março de 2003, mais uma denúncia pública. Ana Santos, da Escola Superior Agrária de Santarém, faz uma queixa na polícia e escreve uma carta ao Ministério. Tinha sido esfregada com bosta e insultada. No fim, porque tentou desobedecer, foi deixada a quilómetros de casa.
Henrique Soares Cruz, presidente do Conselho Directivo, abriu um inquérito, mas fez saber, no momento em que anunciou a abertura desse inquérito, que também ele tinha recebido «bosta no corpo» nos seus «tempos de estudante» e que essa era uma tradição da escola. O Instituto Politécnico de Santarém, onde a escola está integrada, avisou que «a Comissão de Praxes é soberana» no julgamento do assunto.
Na mesma linha, veio o CDS, que, na altura, apresentou um projecto de resolução que esta Assembleia aprovou. Defendeu a necessidade de preservar uma «tradição secular», verdadeiro símbolo do «espírito académico» e avançou com a ideia de um regime disciplinar conservador, que misturou tudo, mas que surgiu como argumento para evitar alguns «excessos» que nada tinham que ver com esse «património de gerações que as praxes constituem».
Em Maio de 2003, o estatuto disciplinar avança. As praxes violentas, utilizadas como álibi para este processo, nem sequer vieram mencionadas.
Um ano depois, em 2004, conhecemos mais um caso preocupante. Diogo Macedo, da Universidade Lusíada de Famalicão, morre no hospital depois de uma praxe, que ninguém explicou. A Universidade Lusíada ameaça de expulsão qualquer aluno que prestasse declarações à jornalista que, na altura, investigou o caso.
O silêncio escondeu a história. O processo judicial, movido pela mãe, foi arquivado.
Estes casos sucessivos resultam de uma cultura de violência que faz da hierarquia o modo de relação entre as pessoas e que faz da obediência cega a obrigação absoluta dos mais fracos.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Mas a maior violência da praxe é provavelmente termos permitido que ela se banalizasse como a única forma de receber os estudantes no ensino superior e que se impusesse como obrigatória, na prática, para muitos estudantes.
O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — A maioria dos estudantes não gosta da humilhação. Por isso, o Bloco está com eles. Em Fevereiro de 2006, um estudo feito pela UTAD revelou que a esmagadora maioria dos alunos consideram que a praxe dura demasiado tempo, é intensa, degradante, cansativa e prejudicial para a organização da vida pessoal e do estudo.
Num estudo de Maio do mesmo ano, feito pelo Centro de Estudos Sociais (CES) de Coimbra, um inquérito realizado mostrou que 72% dos estudantes acham que a praxe deve ser realmente facultativa e 68% considera que se deve repudiar qualquer forma de violência física ou simbólica.
Vozes do BE: — Muito bem!